Decisão recente em favor dos contribuintes não é isolada e está em linha com uma série de outras decisões.
O Projeto de Lei Complementar nº 146/2019 – conhecido como Marco Civil das Startups – buscava trazer uma regulamentação mínima, do ponto de vista previdenciário, a respeito do tratamento dispensado aos planos de opções de compra e venda de ações (Stock Options Plan – SOP).
O SOP consiste em um instrumento contratual por meio do qual uma empresa outorga aos participantes (empregados, administradores ou prestadores de serviço) opções de compra ações, cujo objeto é o direito de comprar ou subscrever, em uma data futura, ações dessa empresa ou de sua controladora, por um preço previamente especificado e dentro de um prazo predeterminado, segundo os critérios estabelecidos por ocasião da outorga.
Decisão recente em favor dos contribuintes não é isolada e está em linha com uma série de outras decisões.
No Brasil, a Lei nº 6.404/1976 (“Lei das Sociedades Anônimas” ou “Lei das S.A.”) trouxe algumas disposições esparsas sobre o assunto em seus artigos 157, 166, 168 e 171, especificando inclusive quem seriam os destinatários das opções (administradores, empregados e terceiros que prestem serviços à companhia).
Os Planos de Opção de Compra de ações se inserem no arcabouço lógico da Lei das S.A., de modo que são estruturados para resguardar o interesse da sociedade: a outorga de opções de compra de ações aos executivos e empregados de uma companhia proporciona o alinhamento de interesses, levando os agentes a tomarem as decisões mais adequadas para maximizar o valor das ações e, consequentemente, o lucro da companhia.
Em termos de legislação tributária, o único diploma que atualmente versa sobre o assunto é a Lei nº 12.973/2014, legislação que veio disciplinar os efeitos fiscais dos novos métodos e critérios contábeis brasileiros. Esse diploma trouxe previsão expressa acerca tratamento fiscal relativo aos valores transacionados num SOP para fins de dedutibilidade das despesas relacionadas ao plano.
No entanto, ainda há uma lacuna legislativa (e doutrinária e jurisprudencial) sobre a natureza jurídica do SOP: as opções de compra de ações outorgadas aos participantes de um Plano de Opção de Compra de Ações devem ser consideradas como? Em caso positivo, como devem ser tributadas?
Subsiste, portanto, uma série de dúvidas, verificadas não só em decorrência do grande número de empresas que se valem desse mecanismo como pelo número de autuações a respeito do assunto, verificadas pelo número crescente de Acórdãos publicados pelo Carf ao longo dos últimos anos.
Foi justamente essa lacuna que o Marco Civil das Startups buscou endereçar. A proposta, já aprovada pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2020, introduzia previsão legal expressa de que o valor justo das opções outorgado aos participantes do Plano seria tratado como remuneração para todos os fins.
Por seu turno, o Senado aprovou em 24 de fevereiro de 2021 o projeto, com 71 votos favoráveis e nenhum contrário. O Parecer, do relator senador Carlos Portinho, opinou pela aprovação da matéria com emendas e, por isso, a matéria agora retorna à Câmara dos Deputados. No que diz respeito ao tema do SOP, todos os dispositivos foram suprimidos do projeto, a saber o capítulo VII, que corresponde aos artigos 16 a 20.
A conclusão foi no sentido de que, diante da indefinição do tema no âmbito do Judiciário e levando em consideração que o SOP não é um instrumento exclusivo das startups, a questão deveria ser endereçada de forma mais ampla em legislação própria e exclusiva.
Interessante observar as ponderações do senador no sentido de que o SOP seria um mecanismo importante para “estimular oportunidades, atraindo trabalhadores e colaboradores para desenvolverem inovações e poderem participar dos resultados, exercendo no futuro, que é absolutamente incerto no ambiente de crescimento de uma startup, a sua opção por ações da companhia, questão que apresenta natureza mercantil, como assim encontramos decisões no âmbito da esfera judicial e administrativa”.
Nesse contexto, foi proferida uma importante decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, publicada em 12 de março 2021. Em sede de Agravo de Instrumento, o Tribunal deu provimento ao recurso para suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo à incidência da contribuição previdenciária e das contribuições destinadas a terceiros sobre as stock options.
Em sua fundamentação, o Desembargador Federal Wilson Zauhy registrou que “ stock options correspondem à opção de compra futura de ações da empresa pelo empregado, por valor prefixado, em geral abaixo do preço de mercado, após período de carência previamente estipulado. Neste raciocínio, o acréscimo patrimonial percebido a final decorre do contrato mercantil e não da remuneração pela força de trabalho do empregado, o que afasta a incidência da contribuição previdenciária estabelecida pelo artigo 22, I, da Lei nº 8.212/91.”
A decisão recente em favor dos contribuintes não é isolada e está em linha com uma série de outras decisões – tanto do próprio Tribunal Regional Federal da 3ª Região quanto dos demais órgão da Justiça Federal e do Trabalho – no sentido de que os Stock Option Plans não ostentam natureza remuneratória e, por conta disso, eventuais ganhos auferidos pelos empregados no âmbito destes planos não se sujeitam às Contribuições Previdenciárias.
É de se ter em conta que, por conta das diversas variáveis e singularidades de cada plano de opção de compra de ações e também em função da ausência de normalização clara o suficiente, o tema ainda é extremamente controverso no âmbito da Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Por conta da relevância do assunto, é realmente necessário uma ampla discussão, em fórum apropriado, sobre as consequência em se atribuir a natureza remuneratória aos SOP, como bem pontuado pelo parecer do relator do Marco Civil das Startups senador Carlos Portinho. Por ora, entretanto, as empresas ainda estão sujeitas a um ambiente bastante incerto e os únicos balizadores seriam os precedentes judiciais e administrativos sobre o tema.
Valor Econômico – Por Cristiane Matsumoto e Lucas Oliveira, 19/04/2021.