Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), alterada pela Lei 9.494/1997, que limita a eficácia das sentenças proferidas nesse tipo de ação à competência territorial do órgão que a proferir.
A decisão se deu em sessão virtual finalizada em 7/4 no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1101937, com repercussão geral reconhecida (Tema 1075). Em seu voto, seguido pela maioria, o relator, ministro Alexandre de Moraes, apontou que o dispositivo veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos coletivos.
Ele destacou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) reforçou a ideia de que, na proteção dos direitos coletivos, a coisa julgada é para todos (erga omnes) ou ultrapartes, o que significa dizer que os efeitos subjetivos da sentença devem abranger todos os potenciais beneficiários da decisão judicial. “Não há qualquer menção na norma à limitação territorial”, frisou.
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou ainda que o Plenário, ao homologar o termo aditivo ao acordo coletivo de planos econômicos, estabeleceu que as cláusulas que fazem referência à base territorial abrangida pela sentença coletiva originária devem ser interpretadas favoravelmente aos poupadores, aplicando-se o CDC (Lei 8.078/1990), em detrimento do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública.
Segundo o relator, a finalidade do dispositivo, apesar de se referir à coisa julgada, foi restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial de competência.
Julgamentos contraditórios
O ministro destacou ainda que, ao limitar os efeitos da sentença aos beneficiados residentes no território da competência do julgador, o artigo obriga o ajuizamento de diversas ações, com o mesmo pedido e causa de pedir, em diferentes comarcas ou regiões, possibilitando a ocorrência de julgamentos contraditórios.
Na sua avaliação, além de enfraquecer a efetividade da prestação jurisdicional e a segurança jurídica, essa hipótese permite que sujeitos vulneráveis, que foram afetados pelo dano, mas que residem em local diferente daquele da propositura da demanda, não sejam protegidos.
Local
Em relação à definição do órgão julgador, o Plenário decidiu que, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, da capital do estado ou no Distrito Federal, nos termos do artigo 93, inciso II, do CDC. No caso de alcance geograficamente superior a um estado, a opção pela capital deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.
Prevenção
Sobre a competência, de maneira a impedir decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em sede de ação civil pública, o juiz competente que primeiro conhecer da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto.
Caso concreto
O RE teve origem em ação coletiva proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra diversas entidades bancárias buscando a revisão de contratos de financiamento habitacional celebrados por seus associados. Na primeira instância (Justiça Federal de São Paulo), foi determinada a suspensão da eficácia das cláusulas contratuais que autorizavam as instituições financeiras a promover a execução extrajudicial das garantias hipotecárias dos contratos.
Em análise de recurso interposto pelos bancos, o Tribunal Regional Federal da 3ª (TRF-3) revogou a liminar de primeira instância e, posteriormente, afastou a aplicabilidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública. Para o TRF-3, em razão da amplitude dos interesses, o direito reconhecido na causa não pode ficar restrito ao âmbito regional.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão nesse ponto, por entender indevido limitar a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante. Em seguida, os bancos apresentaram recurso ao STF buscando reverter o entendimento. A decisão do Plenário, no entanto, negou provimento ao recurso extraordinário e manteve a extensão dos limites subjetivos da decisão tomada na ação civil pública a todo o país.
Tese
Foi aprovada a seguinte tese:
“I – É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494 /1997.
II – Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990.
III – Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.
Resultado
O ministro Alexandre de Moraes proferiu voto pelo desprovimento do recurso na sessão do Plenário realizada em 4/3 e, na ocasião, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. O julgamento foi retomado e concluído em sessão virtual. Seguiram integralmente o relator os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux (presidente) e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber. Já o ministro Edson Fachin seguiu o relator com ressalvas. Ficaram vencidos o ministro Marco Aurélio e, em parte, o ministro Nunes Marques. Não participaram do julgamento o ministro Dias Toffoli, por estar impedido, e Luís Roberto Barroso, que afirmou suspeição.
Processo relacionado: RE 1101937
STF-09/04/2021