Os municípios vêm cobrando, de forma arbitrária, o ITBI na integralização dos imóveis rurais, inclusive de forma retroativa aos últimos cinco anos, desde o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do RE 796376, Tema 796, no qual restou decidido que a imunidade do ITBI não alcança os valores que excederem o limite do capital social a ser integralizado. Foi aprovada a tese de que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
A Suprema Corte não admitiu a imunidade do ITBI para a parcela do valor do imóvel que excedeu o capital integralizado, reconhecendo-se a possibilidade de constituição de reserva de capital. Com base nesse precedente, os municípios vêm entendendo que sobre a integralização dos imóveis rurais deverá incidir ITBI sobre o excedente e que o valor do bem integralizado deve ser o de mercado, portanto, quando realizada sobre o valor do bem declarado na declaração de bens, acaba gerando um excedente ao limite do capital social, e levando à incidência do imposto.
Além de os municípios cobrarem indevidamente o ITBI, o fazem de forma autoritária.
É importante esclarecer que a transferência do imóvel da pessoa física para a pessoa jurídica, no caso “holding rural”, realizada pelo valor constante da declaração de bens é uma faculdade, prevista no artigo 23 da Lei nº 9.249, de 1995, que prescreve como conduta permitida essa forma de integralização. Inclusive, no parágrafo 2º desse artigo, determina-se que incidirá ganho de capital quando a transferência for realizada por valor maior da declaração do bem.
Portanto, ao considerar a análise sistemática da norma supra, em conjunto com o artigo 36, I, do Código Tributário Nacional (CTN), e com a Constituição Federal, artigo 156, é cabível afirmar que, na integralização, em realização de capital, não deverá incidir o ITBI, quando houver o pagamento do capital subscrito, com a transferência de bens para a integralização do capital.
Considerando a limitação da competência tributária imposta na norma fundamental imunizante, as administrações municipais estão impossibilitadas de exercer o poder impositivo, sobre a incidência do ITBI na integralização em realização de capital, pelo valor do bem declarado, sem que exceda o capital social. Confirmando-se que o RE 796376 se aplica aos casos em que há reserva de capital e, no leading case, não houve a análise sobre qual valor deve ser integralizado o imóvel, ou seja, pelo valor da declaração do bem ou sobre o valor de mercado, como pretendem as municipalidades.
Nas situações em que se restringe à divergência entre o valor do imóvel declarado e o valor de mercado para fins de incidência do ITBI na integralização de imóveis rurais, a decisão do STF não deverá ser aplicada, já que analisou matéria distinta, apenas não admitiu a imunidade para a parcela do valor do imóvel que excedeu o capital integralizado.
Nos casos das “holdings rurais” em que a integralização do capital social ocorreu considerando-se o valor da declaração de bens, sem que se exceda o valor do capital social e apenas quitando as quotas subscritas, não há que se falar em caso de reserva de capital, tampouco da obrigatoriedade de integralização desses bens pelo valor de mercado, já que a norma prescritiva de conduta lhe permite a integralização pelo valor da respectiva declaração de bens.
Verifica-se uma conduta arbitrária das administrações municipais ao imputarem obrigação de integralização pelo valor de mercado quando a regra normativa assim não lhe prescreve, de fora que para aquelas holdings rurais que se encontram nessas condições, cuja integralização não exceda o valor do capital social e foi realizada com base no valor declarado do bem, não podem ser compelidas a pagar o ITBI pelo excedente, considerando o valor de mercado do imóvel rural.
Importante mencionar que, de forma acertada, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de recurso de apelação, ao se deparar com a questão entendeu que o ITBI apenas incidirá quando houver formação de excedente ou reserva de capital, ou seja, quando há contribuição por parte dos acionistas de quantia superior ao montante subscrito, em sintonia com os esclarecimentos aqui apresentada, afastando ao caso o leading case do STF.
Ressalta-se que, para fins de apuração do ITBI em algumas cidades, como São Paulo, tem-se aplicado ao valor do imóvel rural, base de cálculo diferente daquela prevista na lei, acarretando majoração tributária. Isso ocorre porque enquanto o CTN no artigo 38 prescreve que a base de cálculo é o valor venal dos bens, a Lei Municipal de São Paulo nº 11.154, de 1991, traz o alargamento ilegal dessa base de cálculo quando em seu artigo 7º-A prescreve que a Secretaria de Finanças tornará público os valores venais. Estes devem ser o valor de mercado e não, necessariamente, aquele fixado pela municipalidade.
Ou seja, além de os municípios cobrarem indevidamente o ITBI, o fazem de forma autoritária, com base em valor de mercado por eles fixado, e que, muitas vezes, não corresponde com a realidade fática, acarretando a majoração tributária.
Entendemos que o julgamento do STF acabou trazendo bastante insegurança jurídica para o contribuinte e abriu a oportunidade para os municípios arbitrarem os valores dos imóveis com o fim arrecadatório. Diante de tal fato, uma medida prudente seria a busca pelo Poder Judiciário para se evitar a incidência de tal tributo, como medida preventiva a obstar os atos coercitivos da municipalidade.
FONTE: Valor Econômico – Por Fernanda Teodoro Arantes, 18/03/2021