A Recuperação Judicial (RJ) é, naturalmente, o último recurso para uma empresa com dificuldades financeiras. Em 2020, a quantidade de pedidos de recuperação judicial no país foi de 1.179, sendo 15% abaixo do total registrado no ano anterior. Os dados foram divulgados pela Serasa Experian.
A fim de dar mais fôlego para a recuperação de empresas e, com isso, manter a geração de empregos e de renda, entrou em vigor em janeiro a nova Lei de Falências (Lei nº 14.112, de 2020). Essa lei ampliou ainda mais o alcance para as empresas recorrerem à RJ, trazendo mais benefícios e flexibilidade.
De acordo com a contadora Silvia Mara Leite Cavalcante, conselheira e coordenadora-adjunta da Câmara Técnica do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), dentre as mudanças destaca-se o incentivo à mediação entre as partes – devedor e credor –, que pretende facilitar a resolução e evitar a demora no processo judicial.
“Também ressalto o aumento do prazo para parcelamento de débitos junto à União, de 7 para 10 anos, e a possibilidade da recuperanda obter financiamentos no mercado (financiamento DIP – Debtor in Possession Financing). Isso deve proporcionar maior segurança àqueles que pretendem financiar a atividade empresarial, concedendo meios de cumprimento do plano de recuperação, modalidade essa que dá ao financiador a preferência no recebimento”, explica a contadora Silvia, que atua como perita contábil e administradora judicial.
Outra situação interessante trazida pela reforma da lei foi a possibilidade de os credores apresentarem um plano de recuperação judicial, ampliando as chances de negociação entre as partes. “Nos dispositivos da lei anterior não havia esta opção, a apresentação do plano era restrita à recuperanda. No caso de não haver a aprovação do plano apresentado, o juiz convolaria em falência de imediato. Agora, a partir das alterações da lei, os credores também poderão apresentar um plano que melhor atenda aos interesses das partes”, enfatiza Silvia.
A nova Lei de Recuperação Judicial e Falências contempla ainda a prorrogação do stay period – em que ficam suspensas as ações contra a empresa em processo de recuperação judicialpelo prazo de 180 dias. “A reforma da lei permitiu que este prazo seja prorrogado, desde que o devedor não tenha concorrido com a superação do lapso temporal, oferecendo mais tempo para que a empresa permaneça com as ações com prazos sobrestados”, complementa Silvia.
A reforma incluiu ainda uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata da constatação prévia a ser realizada por um profissional especializado. Segundo a contadora, essa constatação está prevista no Art. 51-A da Lei nº 14.112/2020 e tem como objetivo a verificação das reais condições de funcionamento da empresa e de sua regularidade em relação aos documentos. “Havendo utilização fraudulenta da ação de recuperação, o juiz poderá indeferir o pedido, de forma que entendo ser importante a realização de uma conferência prévia com vistas a confirmar as reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da documentação apresentada junto à petição inicial”, complementa.
Outra grande novidade é o reconhecimento do direito ao pedido de RJ pelo produtor rural pessoa física. Sobre isso, Silvia afirma que a reforma da lei, em seu Art. 48, § 3º, apresenta a possibilidade de comprovação do prazo de atividade regular do produtor, por meio do Livro Caixa Digital, da Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física e do Balanço Patrimonial. “Valendo aqui a ressalva de que ao produtor rural pessoa física, pela legislação comercial e fiscal, não lhe é atribuída esta exigência”, observa. Todavia, torna-se necessário maior controle e registro contábil por parte do produtor.
A conselheira do CFC prevê, a partir de agora, uma maior adesão aos processos de recuperação judicial: “acreditamos que as mudanças são positivas, pois todos os dispositivos facilitaram ou ampliaram ainda mais as condições para que as empresas possam se reerguer”.
Nova norma do CFC
Silvia Cavalcante conta que, em breve, o CFC deve editar uma norma relativa à prestação de contas para empresas em liquidação, incluindo as Massas Falidas. “Esta norma foi concebida por um grupo de contadores especialistas no tema e já obteve a aprovação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), e pretende proporcionar um padrão e uma uniformidade na prestação de contas das empresas em processo de falência (descontinuidade), melhorando a qualidade das informações e a interpretação das demonstrações contábeis, com a sua padronização em nível nacional para dar maior transparência ao usuário da informação, incluindo aqui todos os agentes envolvidos: credores, investidores, fornecedores, empregados, entre outros”, esclarece.
Segundo a contadora, a nova norma do CFC não tem o condão de interferir em matéria jurídica, portanto, vem somente preencher uma lacuna na forma de apresentação da prestação de contas das operações realizadas.
Sobre o Conselho Federal de Contabilidade (CFC)
O Conselho Federal de Contabilidade é uma Autarquia Especial Corporativa dotada de personalidade jurídica de direito público e tem, dentre outras finalidades, a responsabilidade de orientar, normatizar e fiscalizar o exercício da profissão contábil, por intermédio dos Conselhos Regionais de Contabilidade, cada um em sua base jurisdicional, nos estados e no Distrito Federal; decidir, em última instância, os recursos de penalidade imposta pelos Conselhos Regionais, além de regular acerca dos princípios contábeis, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de educação continuada, bem como editar Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional.
CFC-26 fevereiro, 2021