As pessoas físicas residentes no Brasil devem submeter à incidência do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) os ganhos de capital às alíquotas progressivas de 15% até 22,5% (RIR, artigo 153); porém, caso o ganho derive da venda de imóveis, ele deve ser reduzido em função do tempo da propriedade sobre a coisa: quanto maior for o tempo de propriedade, menor será a base de cálculo do imposto, isto é, menor será o ganho de capital tributável (Lei 11.196, artigo 40; RIR artigo 150).
A redução do ganho de capital está prevista especificamente para os residentes no Brasil e, por se tratar de uma vantagem fiscal, a Receita Federal interpreta a norma restritivamente de modo a não abranger os não residentes.
A visão da autoridade fiscal não está explícita em instruções normativas, tampouco em soluções de consulta, mas revela-se clara na estrutura do Programa de Apuração dos Ganhos de Capital (GCAP) para o ano de 2020, e versões anteriores, disponíveis no sítio da Receita Federal. Esse programa visa a auxiliar o contribuinte a tributar adequadamente os ganhos de capital por si apurados; porém, nos casos em que o alienante reportar ser não residente, os fatores de redução do ganho de capital não são considerados no cálculo oficial, o que revela a visão restritiva da autoridade sobre o assunto, provavelmente fundamentada no CTN, artigo 111 [1].
Nós respeitosamente discordamos desse entendimento, pois entendemos que a norma que veicula uma vantagem fiscal aos residentes deve ser conjugada com a disposição legal de que “o ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no país” (Lei 9.249/1995, artigo 18; RIR, artigos 128 e 745; IN RFB 208, artigo 26). Ou seja, segundo esse preceito, residentes e não residentes devem ser tributados igualmente, inclusive no que toca à aplicação dos fatores de redução do ganho de capital auferidos na venda de imóveis.
Os proprietários residentes e não residentes devem ser tributados igualmente, pois encontram-se na mesma situação, de acordo com a visão do legislador.
No parecer da Câmara dos Deputados para o projeto de conversão em lei da Medida Provisória 252 [2] — norma precursora dos fatores de redução do ganho de capital hoje previstos na Lei 11.196, artigo 40, e regulamentados pelo RIR, artigo 150 — está claro que as finalidades da norma são as de: a) conferir liquidez ao mercado imobiliário; b) combater a sonegação fiscal e c) corrigir o custo dos ativos contra a inflação. Abaixo, as palavras do parecer [3]:
Parecer proferido em Plenário à Medida Provisória nº 252
“Na legislação do Imposto de Renda da Pessoa Física, no que respeita à tributação do ganho de capital obtido com a alienação de imóveis, propõe-se que o mecanismo do fator de redução seja utilizado a partir da data da publicação da lei decorrente da conversão desta MP. Para os imóveis adquiridos antes dessa data, sugere-se seja aplicado um fator maior, medida que poderá devolver liquidez ao mercado imobiliário e cuja eventual perda fiscal poderá até ser mitigada pela redução dos níveis da sonegação, hoje bastante elevados, devido à distorção representada pela vedação à correção do custo de aquisição dos imóveis”.
Tendo em vista as finalidades normativas, pode-se concluir que residentes e não residentes encontram-se em igualdade. Se existe nessas finalidades um benefício fiscal que visa a induzir a atividade econômica, ele se refere à liquidez do mercado imobiliário como um todo, e não especificamente aos ganhos dos residentes.
Em outras palavras, o incentivo fiscal é conferido para o bem, e não para a pessoa. Por conseguinte, ainda que o CTN, artigo 111, disponha que se deve interpretar literalmente a legislação tributária que disponha sobre isenção, o intérprete deve ter em conta de qual tipo de isenção está sendo conferida. Em se tratando de uma isenção objetiva visando o imóvel, a interpretação literal não comporta uma restrição que alcance o sujeito proprietário do imóvel.
É verdade, contudo, que o legislador previu explicitamente que os fatores de redução seriam aplicáveis aos “residentes”. No entanto, esse dispositivo deve ser conciliado com toda a arquitetura do sistema normativo brasileiro, fundamentado na igualdade. Nesse sentido destacamos que, além de a referida Lei 9.249/1995, artigo 18, estabelecer a paridade de tributação dos ganhos de residentes e não residentes, a Lei 4.131 — que versa sobre os capitais estrangeiros em geral — estabelece explicitamente que “ao capital estrangeiro que se investir no País, será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei” (artigo 2º).
O Poder Judiciário está atento a pretensões discriminatórias protagonizadas pela administração tributária, e inclina-se a rechaçar um tratamento tributário desigual. Como exemplo, podemos citar o Superior Tribunal de Justiça quando decidiu que “sendo o princípio da não-discriminação tributária adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações internacionais e a melhor convivência entre os países” (STJ, Recurso Especial — Resp 426.945).
Nas convenções tributárias subscritas pelo Brasil em matéria de tributação da renda, o país se compromete explicitamente com o preceito de que “os nacionais de um Estado Contratante não estão sujeitos, no outro Estado Contratante, a nenhuma tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem ou puderem estar sujeitos os nacionais desse outro Estado, nas mesmas circunstâncias” (artigo 24). Muito embora as convenções proíbam a discriminação dos “não nacionais”, no precedente do STJ citado acima (Resp 426.945), entendeu-se que a vedação vale também para os “não residentes”. Se a legislação interna brasileira já assegura a paridade de tratamento, por mais grave razão deve ser assegurada a paridade dos residentes de países com apoio na legislação internacional.
Conclui-se, portanto, que todo o contexto jurídico afirma, e reafirma exaustivamente, que os não residentes fazem jus aos fatores de redução do ganho de capital na alienação de imóveis.
Na prática, aqueles que desejassem não pagar o imposto, por entender absurda a interpretação da Receita Federal, dificilmente conseguirão evitar o pagamento, pois nesses casos o adquirente é encarregado de reter na fonte o valor do imposto (RIR, artigo 153), e estes não têm interesse algum em envolver-se nessa controvérsia tributária. Assim, afinal restará ao contribuinte pagar o imposto e, em seguida, solicitar a sua restituição. Solve et repete.
[1] CTN, “artigo 111 — Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – outorga de isenção; III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias”.
[2] A Medida Provisória 252 não foi convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo constitucional, mas logo em seguida o Poder Executivo editou a Medida Provisória 255 com o mesmo teor da anterior, a qual afinal foi convertida na Lei 11.196.
[3] Brasil. Câmara dos Deputados. Acesso em 23.02.2021:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=334847&filename=PPP+1+MPV25205+%3D%3E+MPV+252/2005.
Por Vitor Flores
Vitor Flores é advogado na Advocacia Tavares Novis, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, LLM em Tributação Internacional pela Universidade de Leiden (Holanda) e especialista em IFRS certificado pelo ICAEW (Reino Unido).
Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2021
https://www.conjur.com.br/2021-fev-27/flores-ir-ganho-imoveis-auferidos-nao-residentes