Escritórios de advocacia e tributaristas estão orientando empresas a observarem com “cautela” as novas normas para recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) previstas na Lei Complementar 175/20, que entrou em vigor em janeiro de 2021. A norma, que atinge setores como planos de saúde, administradoras de cartão, arrendamento mercantil e administração de fundos de investimentos, concentra a arrecadação do tributo no município do domicílio do tomador do serviço e cria o Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do imposto.
Tributaristas entrevistados pelo JOTA salientam que trechos da lei foram questionados no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve se posicionar sobre a constitucionalidade e definição do conceito de “tomador de serviços”. A judicialização, para os especialistas, cria um ambiente de insegurança para que os contribuintes sigam as novas normas. Atualmente, a regra que cria o Comitê Gestor das Obrigações Acessórias já está valendo, mas ainda não existe sinal de criação de um comitê por parte dos municípios, fazendo com que a lei esteja praticamente inativa.
Ademais, tributaristas temem que as mudanças da lei intensifiquem a guerra fiscal entre municípios para a obtenção da receita total do ISSQN. Isso porque a lei prevê que até 2023 a arrecadação total do tributo acontecerá no município do domicílio do tomador.
Regra Antiga x Regra Nova
O principal ponto de insegurança ocorre por conta da ADI 5835, que discute a constitucionalidade da lei 157/2016. A norma serviu como base para a criação da lei 175/20, e há pontos em comum em ambos os dispositivos, como a arrecadação total do ISS por parte do município tomador.
Em março de 2018, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu dispositivos da lei 157/2016 com o argumento de insegurança jurídica e impossibilidade de tributação diante da necessidade de arrecadação no município tomador. Associações de seguro de vida e saúde e entidades ligadas ao mercado financeiro contestam que não seria possível o recolhimento do tributo, principalmente para as empresas que estão em diversos municípios do país.
Além disso, faltaria uma definição sobre quem seria o tomador. “Temos uma indefinição sobre o conceito de estabelecimento de tomador. Por exemplo, o tomador é a loja que tem a maquininha de cartão ou o usuário do cartão?”, explicou Marcel Alcades, sócio do Mattos Filho Advogados.
Ele acrescenta que a existência de diversas leis municipais, decretos e outros atos normativos em cada município trazem dificuldades às empresas na aplicação da lei. Como a lei 175/2020, em vigor desde janeiro, tem a mesma base da legislação em discussão no STF, Alcades considera que as normas para o tomador na lei 175/2020 ainda não são válidas até a decisão final do STF sobre o tema.
“Orientamos os clientes que a lei complementar 157/16 está suspensa, então tudo o que se relacionar a recolher no domicílio do tomador não se aplica no momento”, afirmou Alcades. Com isso, a orientação é seguir a “antiga” lei 116/2003, que estabelecia as antigas regras do ISS pelos municípios.
A sistemática antiga, ainda utilizada em 2021, estabelece a incidência tributária no local do estabelecimento prestador do serviço. A liminar assinada pelo ministro Alexandre de Moraes assevera que as mudanças promovidas pela lei 157/16 em relação ao recolhimento do tributo municipal no município tomador aumentam os conflitos de competência entre unidades federadas, “gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica do tributo”.
“Essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de ‘tomador de serviços’, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação, ou mesmo inocorrência de correta incidência tributária”, concluiu o ministro em sua decisão.
Tributaristas entrevistados pelo JOTA afirmaram que ainda não há processos nos Tribunais de Justiça discutindo a lei em vigor desde janeiro de 2021, já que o assunto é discutido no STF. Além disso, os tributaristas explicam que os clientes que seguem a antiga sistemática de tributação também não têm sido autuados pelo fisco.
Comitê gestor
A lei 175/2020 também estabelece a criação do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISS, que tem como objetivo padronizar a forma de arrecadação do tributo municipal. O comitê terá a participação de um membro de município capital e não capital por cada região administrativa do país. O objetivo, de acordo com a norma, é “regular a aplicação do padrão nacional da obrigação acessória”.
Uma das regulações que deve ser feita pelo comitê, que não foi criado até o dia de publicação da reportagem, é observar a regra de transição de partilha da arrecadação entre o município tomador e o prestador.
A lei estabelece que até 2023 a arrecadação do tributo municipal será de 100% do município do domicílio do tomador. O valor da arrecadação aumenta a cada ano. Em 2021, 66% da arrecadação será do município tomador. O número aumenta para 85% em 2022.
Além disso, o artigo 6º da lei estabelece que a emissão, pelo contribuinte, de notas fiscais de serviços poderá ser exigida nos termos da legislação de cada município e do Distrito Federal.
“Nos parece que a LC 175 apenas contribui para onerar o empresariado brasileiro com mais uma obrigação acessória e traz insegurança jurídica a respeito de qual município será competente para exigir o imposto”, afirmou Bruno Aguiar, sócio do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.
Ele acrescenta também que parte dos projetos de reforma tributária em tramitação unificaria o ISS a outros tributos. Assim, a aprovação da nova sistemática faria com que a lei complementar 175/20 ficasse desatualizada com as novas exigências do sistema tributário brasileiro.
Segundo Marcel Alcades, a orientação às empresas é prestar atenção no desenvolvimento da discussão no STF. “E se essa liminar cair? Temos que estar preparados. Se vier o comitê gestor, também é recomendado muita atenção”, afirmou.
FONTE: Migalhas – Por Alexandre Leoratti, 17/02/2021.