O Supremo Tribunal Federal colocou um ponto final em algumas discussões que estavam pendentes havia mais de uma década e ainda causavam insegurança para o setor. Temas como o ICMS sobre a demanda contratada, imunidade tributária na comercialização interestadual de energia elétrica e a substituição tributária do Estado de São Paulo foram decididos pela Suprema Corte.
Ainda que existam críticas sobre as conclusões adotadas nos casos, a nova configuração de julgamentos pelo Plenário Virtual certamente ajudou a destravar esses recursos. Além disso, muito embora esse tipo de julgamento necessite ser aprimorado, para dar possibilidade ao amplo debate, o fato é que temas relevantes ainda devem ser analisados nesse ano de 2021 e demandam atenção de todo o setor elétrico.
Um dos casos que merecem especial destaque é o Recurso Extraordinário nº 990.115 (Tema 1.113), em que se discute a inconstitucionalidade da exigência do ICMS sobre a subvenção econômica, instituída pelo artigo 5º da lei 10.604, de 17 de dezembro de 2002 (Lei 10.604/02), para os consumidores residenciais da subclasse residencial baixa renda.
Em linhas gerais, a subvenção econômica foi instituída para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Antes de sua instituição, as distribuidoras tinham liberdade para adotar critérios próprios para caracterizar os consumidores residenciais de baixa renda. Com a uniformização dos critérios para classificação da subclasse residencial baixa renda (dada pela Lei nº 10.438/2002), algumas distribuidoras tiveram suas receitas sensivelmente reduzidas.
Assim, ainda que a subvenção econômica tenha sido instituída com nítida natureza de indenizar as distribuidoras, que perceberam redução de suas receitas, os Estados têm exigido o ICMS nessas operações em busca de aumentar a arrecadação, com fundamento nos Convênios ICMS 79/2004 e 60/2007, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Entretanto, a melhor interpretação sobre a natureza da subvenção econômica da Lei nº 10.604/02 é a de que possui caráter indenizatório e não se trata de circulação de energia elétrica, tributável pelo ICMS, nos termos do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal. O RE nº 990.115 não é o único sobre o tema. O STF já incluiu em pauta (para 2.6.2021) a ADI 3973, questionando o Convênio ICMS 60/2007 (aplicável aos Estados da Bahia e de Rondônia).
Outro tema de relevância para o setor é o Recurso Extraordinário nº 714.139 (Tema 745), por meio do qual o STF analisará o alcance do disposto no artigo 155, §2º, inciso III, da Constituição Federal, que prevê a aplicação do princípio da seletividade ao ICMS. Devemos lembrar que, em alguns estados, a alíquota da energia elétrica pode chegar a 32%. Nesse caso, o STF decidirá sobre a obrigatoriedade de o legislador definir alíquotas do imposto em função da essencialidade das mercadorias tributadas. Também será debatida a falta de isonomia na fixação de alíquotas distintas de energia elétrica pela categoria de consumidor, definida em legislação local.
O Recurso Extraordinário nº 1.003.758 (Tema 705) é mais um tema a se acompanhar. Nesse caso discute-se o direito de se compensar o ICMS recolhido sobre prestações de serviço de comunicação, em que houve inadimplência absoluta do usuário. Esse recurso, que está sob relatoria do ministro Marco Aurélio, deverá analisar a violação ao princípio da não cumulatividade e ao da capacidade contributiva (artigos 145, §1º e 155, §2º, inciso I, da Constituição Federal), pois a tributação desses valores não atinge a relação de consumo, mas tão somente a atividade da empresa.
Embora esse caso não trate especificamente de uma disputa do setor elétrico, atualmente o índice de inadimplência no setor é um dos principais pontos de preocupação para as distribuidoras de energia elétrica. Portanto, a conclusão desse julgamento deve influenciar as atividades das distribuidoras, que percebem, geralmente, um alto número de inadimplência no pagamento de faturas pelos consumidores. O STF incluiu o julgamento desse caso no Plenário Virtual na última semana.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6624, recentemente proposta, também é mais um tema a ser acompanhado. Ela foi apresentada para questionar o Decreto Estadual nº 40.628/2019, do Estado do Amazonas. A referida norma alterou a metodologia de cobrança do ICMS incidente nas operações de energia elétrica e estabeleceu novos padrões de base de cálculo do imposto, por meio de pauta fiscal.
Em linhas gerais, o Estado do Amazonas atribuiu às geradoras de energia elétrica a responsabilidade pela retenção do imposto devido nas operações subsequentes (internas e interestaduais). As geradoras apenas não precisam reter o imposto na hipótese de remessa de energia elétrica a outra unidade geradora. A ação, proposta por uma associação de distribuidoras de energia elétrica, questiona que, muito embora o decreto tenha instituído uma obrigação legal para as distribuidoras, a nova sistemática impossibilita a utilização de créditos acumulados pelas distribuidoras, além da pauta não refletir o montante total de energia elétrica consumida.
Por fim, também merece destaque a discussão envolvendo o reconhecimento da imunidade recíproca em relação ao IPTU incidentes sobre os bens imóveis mantidos sob o regime de contrato de concessão, para sociedades de economia mista, prestadoras de serviço público. O Plenário do STF debaterá o tema no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.274.295 (Tema 1122). A discussão sobre a imunidade recíproca de IPTU não é nova no STF e alguns casos específicos sobre o tema já foram analisados (ex: Temas 385, 437 e 508).
A principal controvérsia que será analisada no caso é se uma empresa com capital privado, que preste serviços públicos essenciais, em regime de contrato de concessão, pode usufruir da imunidade tributária recíproca. Ainda que o recurso não seja específico para empresas de energia elétrica, a conclusão poderá influir na interpretação dada pelos fiscos municipais sobre a cobrança do IPTU, das empresas privadas, que exploram a atividade de energia elétrica, em regime de concessão.
Esse julgamento também poderá influir na discussão envolvendo a incidência do ITBI, geralmente exigido pelos cartórios de registro de imóveis, em diversos municípios, por ocasião do registro de servidão administrativa, quando implantadas as linhas de transmissão de energia.
Portanto, esses são alguns dos julgamentos que podem ser concluídos, no ano de 2021, pelo STF, e afetam direta ou indiretamente as empresas do setor elétrico. Lembrando ainda que existem outros grandes temas que ainda aguardam definição, como, por exemplo, a cobrança do ICMS sobre as tarifas de distribuição (TUSD) e transmissão (TUST), aguardando julgamento no STJ, além da discussão sobre a tributação de IRPJ/CSL/PIS/Cofins das perdas não técnicas, que ainda vem sendo analisada na esfera administrativa.
O mais importante é que todos os agentes do setor elétrico (sejam geradores, transmissores, distribuidores, comercializadores e consumidores) estejam atentos a todas essas disputas tributárias, pois certamente devem afetar as atividades e, em algumas ocasiões, toda a cadeia de tributação do setor elétrico.
FONTE: Conjur – Por Leonardo A. B. Battilana, 12/02/2021.