O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Receita Federal criaram um grupo técnico para produzir um diagnóstico sobre o trilionário problema das disputas entre o Fisco e os contribuintes.
O objetivo final é a criação de um código de processo tributário, que deve ser enviado ao Congresso Nacional pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux.
Hoje, o Brasil não tem uma legislação unificada e a intenção é que o rito a ser eventualmente estabelecido tenha validade também para Estados e municípios, dando maior racionalidade ao sistema, hoje disperso em diferentes legislações, e facilitando a vida dos contribuintes e das administrações fiscais.
Uma das ideias é promover maior integração entre os processos administrativo e judicial, agilizando o andamento do chamado contencioso tributário. Também deve ser discutido se as empresas que ingressarem com processo administrativo poderão continuar a buscar o Judiciário sem qualquer restrição, como ocorre hoje.
Duas instituições serão contratadas para fazer a avaliação do sistema, analisando questões como tempo de duração das disputas nas esferas administrativa e judicial e principais gargalos para o sistema. Além disso, avaliarão também o Distrito Federal e sete Estados – São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais, Pará e Ceará, representando todas as regiões do país – e suas capitais, que juntos envolvem cerca de 75% do contencioso no país.
Os processos licitatórios já estão em andamento e a intenção é que estejam concluídos em fevereiro. A partir daí, a expectativa é que os relatórios sejam entregues em até seis meses.
Com base nos dados levantados pelos vencedores, que podem ser instituições públicas (como universidades) ou privadas e terão apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o grupo de trabalho vai desenvolver as propostas a serem levadas ao ministro Luiz Fux, que deve transformar em um anteprojeto de lei ordinário ou complementar.
O grupo deve manter reuniões ao longo dos próximos meses para discutir o assunto, apoiando e facilitando o trabalho das instituições contratadas. Nesse grupo estarão representados órgãos que serão avaliados, como Receita, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e o próprio Judiciário. Também inclui tributaristas e advogados, como Heleno Torres e Luiz Gustavo Bichara. Na edição da primeira portaria, houve um certo ruído porque a advocacia estava se sentindo sub-representada, problema que foi resolvido com o acréscimo de mais quatro advogados, entre titulares e suplentes, em uma segunda portaria.
O diagnóstico geral também será apresentado à sociedade para receber críticas e sugestões, que também devem ser organizadas e levadas a Fux. “No processo de propositura de projeto, Fux terá a participação da Receita, PGFN e OAB na construção de um desenho de projeto de lei que seja plural, democrático e que atenda aos anseios da sociedade”, disse ao Valor o secretário especial de Programas, Projetos e Gestão Estratégica do CNJ, Marcus Livio Gomes, que assina a criação do grupo.
A intenção é que a minuta de anteprojeto de lei de código de processo tributário seja encaminhada ainda na gestão de Fux no comando do CNJ, que se encerra em meados de 2022.
Uma das possibilidades levantadas é que se crie, assim como foi feito no novo Código de Processo Civil, uma comissão no Congresso para tratar especificamente do tema.
“São temas muito sensíveis e caros para os contribuintes, não são mudanças fáceis de serem implementadas. São alterações disruptivas que precisam, necessariamente, passar pelo Congresso Nacional”, afirmou Gomes.
Estudo do Núcleo de Tributação do Insper mostra que o contencioso tributário brasileiro chegou a R$ 5,44 trilhões em 2019. O valor total representa 75% do PIB. A média entre os países da OCDE é de 0,28% do PIB. De cada cem processos de execução fiscal que tramitaram naquele ano, apenas 13 foram baixados, segundo o relatório Justiça em Números.
O secretário-especial da Receita, José Tostes, reforçou ao Valor que a intenção é “encaminhar proposta de legislação mais moderna para o contencioso administrativo e judicial, que possibilite a redução dos litígios e a solução com mais celeridade”.
Na questão dos contribuintes terem a opção de discutir no administrativo ou no Judiciário, eventuais mudanças podem exigir emendar a Constituição. Hoje, depois de todo o processo administrativo o contribuinte ainda pode impugnar a decisão na esfera judicial. “Para que isso seja alterado, pode haver a necessidade de uma alteração da Constituição. A comissão que foi criada não descarta levar ao presidente do CNJ propostas também de alteração do texto constitucional”, disse o secretário.
Segundo Manoel Tavares de Menezes Netto, coordenador-geral da representação judicial (CRJ) da PGFN, que participa do grupo, há ganho econômico para a Fazenda e para as empresas com um contencioso mais ágil. “Com processos mais rápidos, o custo da garantia para discutir o crédito cai muito”, afirmou. Além disso, acrescentou, se a empresa tiver valores bloqueados no Sisbajud, por exemplo, o dinheiro ficaria parado menos tempo.
Uma fonte de grande empresa destaca que o contencioso hoje incomoda mais as empresas do que elevações de impostos, pois representa enorme insegurança. “Se você me perguntar de tudo o que acontece de ruim na área tributária aquilo que mais irrita o empresário e prejudica os negócios, eu diria que é o contencioso tributário. O empresário mesmo a contragosto aumenta o imposto quando o governo edita lei. Agora imagina você ser autuado por operações de cinco anos anteriores? É isso que torna o ambiente caótico”, disse a fonte.
FONTE: Valor Econômico – Por Fabio Graner, Beatriz Olivon e Joice Bacelo, 28/01/2021.