Estudos Legislativos/Câmara dos Deputados – Tributação das bebidas no Brasil: caminhos para sua efetivação. 1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a obesidade uma epidemia mundial e identifica o consumo de bebidas açucaradas como um dos principais fatores de risco para essa condição. 2. Para reduzir o consumo de bebidas açucaradas, a OMS recomenda a adoção de políticas fiscais que elevem os preços desses produtos como meio de modificar os hábitos alimentares da população. Sugere-se a utilização de impostos sobre o consumo para esse objetivo. 3. Não há política fiscal similar no Brasil. No País, o peculiar regime estabelecido em favor da Zona Franca de Manaus (ZFM) cria uma considerável desoneração tributária para fabricantes de refrigerantes, refrescos, néctares, bebidas à base de mate, isotônicos, energéticos e outras bebidas açucaradas. O aproveitamento de crédito integral na aquisição de xaropes ou concentrados (insumos), saídos da ZFM com isenção total, permite a acumulação de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O incentivo fiscal é potencializado pelo fato de a alíquota aplicável aos insumos ser superior à cobrada dos produtos finais (bebidas). 4. A experiência internacional registra diferentes formulações para tributação de bebidas açucaradas e resultados promissores. Contam com políticas fiscais nesse sentido: Chile, México, Hungria, França, Bélgica, Noruega, África do Sul, entre outros países. 5. Estudos apontam a efetividade dessas estratégias fiscais na mudança dos hábitos alimentares da população nas localidades em que aplicadas, tanto em termos de redução do consumo dos alimentos tributados quanto de substituição por outros mais saudáveis. Os resultados tendem a ser mais efetivos na população de baixa renda. Entre os efeitos registrados pela literatura internacional está também a modificação da fórmula de certos alimentos pela redução dos aditivos tributados. 6. O desenho normativo recomendado pela OMS e pela experiência estrangeira sugere o seguinte formato: instituição de tributo específico sobre o consumo (“excise tax”); alíquota específica equivalente a, pelo menos, 20%; neutralidade de tratamento entre operações internas e importações; e vinculação das receitas arrecadadas ao pagamento de subsídios a frutas e verduras e a gastos com saúde pública. É preferível a adoção de alíquotas específicas, estabelecidas com base na quantidade do produto ou no seu conteúdo nutricional – e.g. R$ 1,00 para cada 200 ml de bebida ou R$ 1,00 para cada 10g de açúcar. 7. No Brasil, há ao menos dois caminhos para efetivação dessa política fiscal no plano federal: (1) majoração dos tributos em vigor (IPI e Cofins) ou (2) criação de novo tributo específico sobre tais alimentos (novo imposto, CIDE ou contribuição social). 8. Admite-se, do ponto de vista constitucional, o uso do IPI para majorar a tributação incidente sobre bebidas açucaradas. As alíquotas do imposto podem ser alteradas por decreto ou lei ordinária. Não é viável vinculação de receita e há partilha da arrecadação com Estados e Municípios. A majoração, no entanto, não deve recair sobre os insumos, sob pena de ampliar ainda mais a desoneração dos oriundos da ZFM. 9. O aumento de carga fiscal pode ser realizado por meio da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A alteração requer apenas lei ordinária. As receitas devem ser vinculadas à seguridade social. Não há partilha do produto da arrecadação. 10. A instituição de novo imposto (art. 154, I), aplicável especificamente a bebidas ou alimentos industrializados, dependeria da edição de lei complementar e encontra óbice na vedação à repetição de fato gerador ou base de cálculo previstas na Constituição. Não é viável vincular as receitas desse tributo, e 20% do produto da sua arrecadação pertence aos Estados. 11. A instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) para gravar as vendas de alimentos não saudáveis é viável. Não requer lei complementar, basta lei ordinária. Suas receitas devem ser vinculadas a destinação específica, que poderá ser o pagamento de subsídios ao preço de frutas e verduras ou à produção agrícola. 12. A instituição de contribuição social sobre esses alimentos encontra fundamento no §4º do art. 195 e depende de lei complementar. Suas receitas devem ser destinadas à seguridade social, admitindo-se especialmente a vinculação a despesas com saúde pública. 13. É viável ainda combinar estratégias diferentes normativas e tributos: reduzir a forte desoneração fiscal hoje estabelecida em favor da indústria de bebidas, por meio da redução da alíquota incidente sobre o concentrado (insumo), e instituir tributo na forma de CIDE ou contribuição social sobre o produto final. Celso de Barros Correia Neto. Fevereiro de 2020.