As moedas virtuais — notadamente as criptomoedas, cujo maior exemplo é o bitcoin — têm gerado expressivo cenário de discussão no mundo jurídico-tributário, mormente diante da crescente utilização pelos contribuintes e seu expressivo e volátil valor de mercado.
Em síntese, a controvérsia quanto à tributação de criptomoedas está relacionada à sua qualificação jurídica: ativo financeiro, moeda fiduciária ou mercadoria[1][2][3]. A despeito de tal celeuma, nota-se tendência internacional em reconhecer que as criptomoedas não são equiparáveis a moedas fiduciárias.
Sobre o tema, o Banco Central já se pronunciou em algumas oportunidades, manifestando entendimento de que as criptomoedas não estão sob sua regulação, na medida em que não são moedas fiduciárias e não estão inseridas no escopo da legislação atinente a meios de pagamento[4].
Até o momento, a Receita Federal tem se manifestado no sentido de que seriam um ativo financeiro, razão pela qual seria exigível o recolhimento de imposto sobre a renda a título de ganho de capital nas operações com criptomoedas. Em que pese a plausibilidade de tal entendimento, não se pode ignorar que a tributação a título de ganho de capital pode se tornar obstáculo econômico à capacidade das moedas virtuais de se tornarem mecanismos tradicionais de pagamento e, inibir assim, o desenvolvimento tecnológico de empresas que se debruçam no desenho de mecanismos rápidos e inovadores de transação (nacional e internacional).
Fato é que o tema ainda não é endereçado de forma a racionalizar inúmeras questões tributárias que envolvem o ambiente das moedas virtuais. Inexiste orientações acerca da tributação da renda por meio da atividade de “mineração de criptomoeda”, métodos contábeis corporativos próprios para o segmento, discussão do tema em um cenário estadual-municipal, acerca do ISS e ICMS devido nas operações de compra e venda de moedas virtuais.
Sem prejuízo quanto à controvérsia relacionada à qualificação jurídica, existem obstáculos pragmáticos para a exigência do tributo. As criptomoedas são armazenadas em wallets e as operações são realizadas mediante a utilização da blockchain, tecnologias estas que, embora não confiram total anonimato, podem dificultar a precisa identificação do sujeito passivo. Logo, caso não haja a correta prestação de informações em sede de deveres instrumentais, o recolhimento do tributo nas operações com criptomoedas pode se tornar de difícil ocorrência.
Em razão das dificuldades atreladas à tecnologia envolvida, bem como diante da inexistência de normas regulatórias sobre o tema, a cobrança do tributo estaria mais dependente da correta prestação de informações no âmbito dos deveres instrumentais em comparação com outras formas usuais de operações com ativos financeiros. Nesse contexto, mostra-se imprescindível que a Receita tenha conhecimento da tecnologia envolvida nas operações com criptomoedas para que seja viabilizado o recolhimento dos tributos em harmonia com as balizas constitucionais e legais.
Diante de tal cenário de aparente anonimato, alguns países se mostram contrários à utilização de criptomoedas para aquisição de bens e serviços, tendo, inclusive, proibido seu uso para tal finalidade (por exemplo, China), sob o fundamento de que as criptomoedas podem ser utilizadas para atividades ilícitas, tais como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção e financiamento de organizações terroristas. Por outro lado, outros países adotam posturas receptivas e permitem sua utilização para aquisição de bens e serviços, de modo a estimular o desenvolvimento econômico (por exemplo, Japão).
Além da controvérsia acerca da qualificação jurídica das criptomoedas, também existem questionamentos especificamente atrelados à mineração, tais como: (i) dedutibilidade de despesas incorridas ou apropriação de créditos a título de insumo; e (ii) momento da tributação da aquisição originária de criptomoedas via mineração (dúvidas se a tributação ocorre no momento da mineração ou quando da futura disposição da criptomoeda). Embora sejam de extrema relevância, ainda não existem elementos seguros para endereçar tais questões.
As controvérsias tributárias atinentes a operações de criptomoedas não se restringem à sua utilização — enquanto meio de pagamento ou instrumento de investimento. Tal como ocorre no mercado secundário de “WOW Gold”, o ambiente de gaming tem impulsionado a transformação do valor pecuniário real para o mundo digital, mediante a conversão de centenas de reais/dólares em milhares de gold coins para utilização em plataformas de jogos de videogames.
A celeuma nesse caso retoma a dualidade do Estado-residência x Estado-fonte, porquanto atualmente as regras tributárias acabariam por favorecer a tributação apenas no Estado-residência, já que, inexistindo presença física no Estado-fonte, não restaria caracterizado um estabelecimento permanente, de modo que não seria possível a cobrança de tributo sobre a renda no referido Estado. Nesse contexto, não nos parece razoável que a presença digital (isto é, website) em um determinado mercado possa constituir um estabelecimento permanente para fins de tributação, o que, inclusive, já foi reconhecido pela OCDE quando da análise da tributação do e-commerce.
Não há dúvidas de que a tributação de operações com criptomoedas é tema que carece de regulamentação específica. A única certeza é a necessidade de repensar as regras tributárias já existentes, a fim de balancear o potencial das criptomoedas no desenvolvimento tecnológico e a incidência de tributos que não resulte em distorções econômicas em tais operações.
[1] Sem prejuízo quanto à qualificação jurídica mencionada, em outros países, a tributação de criptomoedas é similar àquela conferida para operações de permuta (barter transaction).
[2] A título de exemplo, a Corte Europeia de Justiça entendeu que a utilização de bitcoins como meio de pagamento é isenta de VAT, tendo em vista disposições específicas da legislação aplicável à espécie.
[3] Não se desconhece a existência de outras celeumas, tais como: (i) tributação nas operações de aquisição de criptomoedas mediante o uso de outras criptomoedas (por exemplo, compra de Ethereum mediante a utilização de bitcoins); ou (ii) tributação de criptomoedas nas situações em que há forks, tal como ocorreu com o Bitcoin, onde cada proprietário de bitcoins também recebeu bitcoins cash tokens.
[4] A legislação de meios de pagamento estaria adstrita a moedas eletrônicas, as quais não se confundem com criptomoedas.
Eduardo de Paiva Gomes é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Felipe Wagner de Lima Dias é advogado, mestrando e pós-graduado pela Faculdade de Direito da FGV-SP, membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição e ex-coordenador do Grupo de Direito Tributário da Câmara-e.net.
Phelipe Moreira Souza Frota é advogado, mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.
Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2019.
https://www.conjur.com.br/2019-abr-15/opiniao-tributacao-operacoes-criptomoedas