1. Introdução
Desde o julgamento do Recurso Extraordinário 478.410/SP pelo Supremo Tribunal Federal, muito se discute acerca da incidência das contribuições previdenciárias sobre as ajudas de custo conferidas pelo empregador ao seu empregado. Algumas dessas ajudas de custo são instituídas por lei como direito do trabalhador, como é o caso da Lei 7.418/1985 em relação ao vale-transporte. Outras ajudas de custo como o auxílio-alimentação são liberalidades do empregador, embora seja clara a sua natureza indenizatória em algumas circunstâncias.
Segundo a administração tributária federal, a não incidência das contribuições previdenciárias sobre as ajudas de custo são decorrentes de isenções dispostas no parágrafo 9º do artigo 28 da Lei 8.212/1991. No entendimento da fiscalização, todas as parcelas recebidas pelo empregado de seu empregador são remunerações de seu trabalho, mas a legislação autoriza a exclusão de algumas verbas específicas da incidência das contribuições previdenciárias.
Com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), a discussão sobre a incidência das contribuições previdenciárias sobre as ajudas de custo, principalmente sobre o auxílio-alimentação, voltou a ser debatida no âmbito da Receita Federal, razão pela qual diversas soluções de consulta vêm sendo analisadas. Isso porque o artigo 1º da Lei 13.467/2017 incluiu o parágrafo 2º ao artigo 457 da CLT com a seguinte disposição:
Art. 457. (…)
§2º. As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
Diante disso, o objetivo deste artigo é analisar a incidência das contribuições previdenciárias sobre o auxílio-alimentação após a entrada em vigor do novo dispositivo da CLT que reconhece expressamente o caráter indenizatório da verba paga ao empregado.
2. O auxílio-alimentação e a não incidência das contribuições previdenciárias
O auxílio-alimentação já se encontrava entre as hipóteses de não incidência das contribuições previdenciárias, principalmente diante da previsão expressa do artigo 28, parágrafo 9º, “c” da Lei 8.212/1991. Todavia, o reconhecimento da não incidência pela autoridade fazendária estava condicionada à inscrição do empregador no Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT), previsto na Lei 6.321/1976.
Após reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o auxílio-alimentação pago in natura ao trabalhador não estaria sujeito à incidência das contribuições previdenciárias, independentemente da inscrição da empresa do PAT, a própria Receita reformou seu posicionamento. Através da Instrução Normativa RFB 1.453/2013, reformou a Instrução Normativa RFB 971/2009 e revogou a exigência em relação ao PAT que estava prevista no artigo 58, III.
Em diversas soluções de consulta, a Receita manifestou a não incidência das contribuições previdenciárias sobre o benefício pago in natura na forma de refeições ou de cestas básicas, mas reiterou que o benefício em espécie ou através de tíquetes ou créditos em cartões ainda seria tributado.
Mais recentemente, em virtude da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, a Receita publicou a recentíssima Solução de Consulta Cosit 35/2019, afirmando que “a partir do dia 11 de novembro de 2017, o auxílio-alimentação pago mediante tíquete-alimentação ou cartão-alimentação não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias a cargo da empresa e dos segurados empregados”. Dessa forma, verifica-se que o novo parágrafo 2º do artigo 457 da CLT surtiu seus efeitos legais, revogando-se o entendimento anterior que foi manifestado de forma equivocada na Solução de Consulta Cosit 288/2018.
Não obstante o novo posicionamento da Receita Federal, a questão do auxílio-alimentação restou ainda controversa diante do posicionamento da Cosit na Solução de Consulta 04/2019. Isso porque, naquela oportunidade, a fiscalização afirmou que a parte descontada do empregado não poderia ser excluída da incidência das contribuições previdenciárias, tendo em vista que a verba teria participado da composição salarial. É o que se verifica na ementa a seguir:
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS
EMENTA: AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. VALOR DESCONTADO DO TRABALHADOR. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA.
O valor descontado do trabalhador referente ao auxílio-alimentação fez parte de sua remuneração e não pode ser excluído da base de cálculo das contribuições previdenciárias, independentemente do tratamento dado à parcela suportada pela empresa.
Dispositivos Legais: art. 458 da CLT; arts. 2º e 6º do Decreto n° 5, de 1991; art. 504 da IN RFB nº 971, de 2009.
Considerando que a Solução de Consulta Cosit 04/2019 é anterior à 35/2019 (retificadora do posicionamento anterior), nota-se que a aplicabilidade do artigo 457, parágrafo 2º da CLT tem sido tema bastante controverso até mesmo dentro da Receita.
Ao meu ver o entendimento manifestado na Solução de Consulta Cosit 04/2019 é totalmente contraditório ao que afirma a Solução de Consulta Cosit 35/2019, principalmente tendo em vista a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da participação do empregado no auxílio-alimentação. A jurisprudência daquela corte consolidou-se no sentido de que a contribuição do empregado para o auxílio-alimentação reforça o caráter indenizatório e não salarial da verba. Confira-se:
(…) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE (…) 4. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. SALÁRIO IN NATURA. DESCONTO NO SALÁRIO DO EMPREGADO. SÚMULA Nº 241. NÃO CONHECIMENTO. O apelo não logra processamento por contrariedade à Súmula nº 241 pois nos termos do artigo 458 da CLT as parcelas in natura fornecidas por força do contrato de trabalho ou por liberalidade do empregador, de forma habitual e gratuita, tem natureza salarial. Quando, todavia, há desconto no salário do empregado, ainda que irrisório, para custear o fornecimento da parcela, ela perde sua natureza salarial, o que afasta a sua integração para fins de repercussão em outras verbas trabalhistas. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece. (…) (ARR – 342-94.2012.5.24.0002, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 11/10/2017, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/10/2017)
RECURSO DE REVISTA. (…) 8) VALE-REFEIÇÃO. DESCONTO ÍNFIMO. NATUREZA JURÍDICA. Os requisitos centrais do salário utilidade, capturados pela doutrina e jurisprudência do conjunto da ordem justrabalhista, são essencialmente dois: o primeiro diz respeito à habitualidade (ou não) do fornecimento do bem ou serviço; o segundo relaciona-se à causa e aos objetivos contraprestativos desse fornecimento. Esta Corte Superior tem conferido relevância a um terceiro requisito do tipo legal do salário “in natura”: trata-se da onerosidade unilateral da oferta da utilidade no contexto empregatício. Extrai-se que a jurisprudência desta Corte Superior tem se inclinado no sentido de reconhecer que, mesmo nos casos em que o desconto a tal título tiver sido meramente irrisório, esse fundamento seria suficiente para afastar a natureza salarial da parcela. Ressalva deste Relator. Recurso de revista conhecido e provido no tema. (RR – 348-40.2012.5.09.0028, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 27/09/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/09/2017)
Considerando que as decisões do TST são inclusive anteriores à entrada em vigor da Lei 13.467/2017, verifica-se que a natureza indenizatória da verba já era reconhecida quando havia participação do empregado, segundo as disposições antigas da CLT. Agora, com a entrada em vigor da nova lei, resta obrigatória a segregação desses valores da base de cálculo das contribuições previdenciárias, independentemente de haver ou não participação do empregado no auxílio oferecido pelo empregador.
3. Conclusão
Diante de todo o exposto, verifica-se que a Lei 13.467/2017 ainda gera controvérsias sobre os seus impactos tributários na apuração da base de cálculo das contribuições previdenciárias. O auxílio-alimentação é apenas um exemplo de ajuda de custo oferecida pelo empregador que poderia ser questionada pela Receita diante da nova redação do artigo 457, parágrafo 2º da CLT.
As reiteradas decisões contraditórias em soluções de consulta expressam o quanto o assunto ainda merece ser debatido pelos cientistas do Direito. Nesse sentido, cabe priorizar a conclusão de que, após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, há clara ilegalidade no entendimento manifestado na Solução de Consulta Cosit 04/2019 de que a parcela descontada do empregado no auxílio-alimentação deve compor a base de cálculo das contribuições previdenciárias. Dada a característica indenizatória da verba, não há que se falar na referida incidência.
Por Maíza Costa de A. Alves
Maíza Costa de A. Alves é sócia da área tributária do Lott Advocacia e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2019.
https://www.conjur.com.br/2019-mar-03/maiza-alves-entendimento-fisco-auxilio-alimentacao