Legislação brasileira ainda é silente quanto aos aspectos fiscais específicos das criptomoedas e da atividade de mineração. Atualmente, são muitos os debates relacionados às criptomoedas, que têm ganhado profusos entusiastas em virtude do seu potencial revolucionário e disruptivo no complexo mundo tecnológico virtual.
Muito embora existam manifestações da Receita Federal sobre as moedas virtuais, permanecem incertezas sobre como interpretar a atividade da mineração de criptoativos à luz da legislação tributária.
As criptomoedas funcionam por meio das Distributed Ledger Technologies (“DLT”), que são bancos de dados distribuídos, usados para manter registros verificáveis contidos em um livro-razão público (“public-ledger”). A expressão deriva da forma como esses registros de dados são autenticados, registrados e armazenados, em um conjunto contínuo de blocos encadeados (“blockchain”): a criptografia é o mecanismo que assegura a codificação dos registros feitos neste livro-razão público do ativo virtual, prevenindo, também, adulterações e equívocos.
O Bitcoin, por exemplo, opera por meio de uma rede de comunicações interpessoais estabelecida diretamente entre os usuários (“peer-to-peer”). O uso da blockchain, mantida e atualizada pela comunidade de usuários, dispensa uma autoridade central (“thrusted third- party”) para verificar, registrar e autenticar as transações.
As interações são autenticadas e registradas na blockchain através de um consenso distribuído, onde um número indeterminado de dispositivos conectados à internet (nódulos do servidor), em conjunto e mediante aceitação da maioria deles, cria um sistema pulverizado de validação das transferências de ativos virtuais e de armazenamento de tais dados no public-ledger. Todos, portanto, deterão uma cópia deste livro-razão público, sendo virtualmente impossível fraudar as transações.
O trabalho de autenticação e registro das interações entre os usuários dos ativos virtuais, compreendido como mineração (mining), envolve esforço técnico e custos financeiros para os mineradores, em especial, com estrutura computacional e consumo de energia elétrica. Como forma de recompensar o minerador pela confirmação e validação das transações de Bitcoin tem-se: (i) a criação de novos Bitcoins, que lhes serão atribuídos pelo próprio sistema; e (ii) o pagamento de tarifas (fees) pelos usuários da rede que solicitaram a transação autenticada e registrada na blockchain.
É neste contexto que despontam incertezas tributárias a respeito da incidência do Imposto de Renda sobre as retribuições decorrentes da atividade de mineração de criptomoedas.
No caso dos Estados Unidos da América – EUA, a Internal Revenue Service – IRS emitiu um comunicado trazendo respostas para as perguntas mais frequentes (FAQ) sobre o tema. O Notice 2014-21, estatuiu que, na interpretação do órgão estadunidense, os rendimentos resultantes da atividade de mineração estarão sujeitos ao income tax, equiparando o ato de minerar ativos virtuais às atividades prestadas pelo trabalhador autônomo (self-employment).
A legislação brasileira ainda é silente quanto aos aspectos fiscais específicos das criptomoedas e da atividade de mineração. Em tom de prenúncio à normatização tributária, a Receita Federal, em seu manual “Perguntas e Respostas – IRPF/2018”, equiparou as moedas virtuais a ativos financeiros, orientando os contribuintes a declararem tais ativos na Ficha Bens e Direitos pelo valor de sua aquisição para, assim, serem tributados quando apurado ganho de capital na sua alienação.
Depreende-se das orientações do órgão fazendário que os esclarecimentos contemplam operações de compra e venda realizadas, por exemplo, pelas exchanges de criptoativos, sem ter em mente as transações decorrentes do processo de minerar, da qual, como explicitado, derivam duas situações indicativas de riqueza.
Na hipótese de emissão de novos ativos virtuais e sua atribuição aos mineradores, não se mostra adequado falar em prestação de serviços. O benefício decorrente do processo de mineração, qual seja assegurar a higidez do sistema em que se opera o ativo virtual, é destinado a todos os usuários da tecnologia, inexistindo um “tomador determinado”. Além disso, por envolver criptomoedas geradas, desprovidas de qualquer proprietário anterior, a operação pode ser compreendida como forma originária de aquisição de propriedade.
Nestes casos em que a compensação é feita pela criação do ativo virtual, a incidência do Imposto de Renda poderá suceder no momento de sua alienação, recaindo a carga tributária sobre eventual ganho de capital apurado, correspondendo à diferença positiva entre o valor da venda e o custo de aquisição, nos moldes da legislação aplicável. Como tem-se uma atribuição originária de ativos ao minerador, parece-nos plausível que as despesas necessárias, e comprovadamente incorridas, com a atividade de mineração (tais como investimentos e custos com a utilização e manutenção de computadores de alta capacidade de processamento, bem como softwares que solucionam as equações matemáticas para validar as transações) possam compor o custo de aquisição.
No que tange à retribuição do minerador por meio de tarifas, uma vez que a mineração se volta a usuários específicos da “rede”, de quem os valores são exigidos, o fenômeno assemelha-se a uma prestação de serviço, cujo acréscimo patrimonial poderá ser tributável pelo Imposto de Renda.
Enfim, a despeito de já haver pronunciamento fazendário que atribui à criptomoeda a condição de “propriedade”, remanescem muitos desafios, servindo este breve escrito apenas como uma provocação aos profissionais e estudiosos do direito tributário que, cada vez mais, terão que enfrentar os intrincados temas relacionados à economia digital.
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1 BURGOS, Aldenio de Vilaca; FILHO, Jose Deodoro de Oliveira; SUARES, Marcus Vinícius Cursino; ALMEIDA, Rafael Sarres de. Distributed ledger technical research in Central Bank of Brazil. Positioning Report, 2017, pp. 2-3.
2 DRESCHER, Daniel. Blockchain basics: a non-technical introduction in 25 steps. New York: Apress, 2017, p. 17.
3 NARAYANAN, Arvind et al. Bitcoin and Cryptocurrencies Technologies: a comprehensive introduction. Princeton: Princeton University Press, 2016, p. 51.
4 A respeito, vide https://www.irs.gov/pub/irs-drop/n-14-21.pdf e https://www.coindesk.com/making-crypto-mining-tax-breaks/
5 Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2018/perguntao
Por Maria Ângela Lopes Paulino Padilha e Henrique Nimer Chamas
Maria Ângela Lopes Paulino Padilha – Doutora e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Professora nos cursos em Direito Tributário da COGEAE/PUC-SP e do IBET. Autora do livro “As Sanções no Direito Tributário” publicado pela Editora Noeses. Advogada no escritório Barros Carvalho Advogados Associados.
Henrique Nimer Chamas – Mestrando e Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP-USP). Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Advogado no escritório Andrade Chamas Advogados.
Fonte: JOTA-24/12/2018 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/incertezas-na-tributacao-de-mineracao-de-criptomoedas-pelo-imposto-sobre-a-renda-24122018)