A maioria das decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre ágio é contrária aos contribuintes. Levantamento realizado pelo escritório Fialho Salles Advogados mostra que as autuações fiscais lavradas pela Receita Federal foram mantidas em 181 dos 236 julgamentos realizados, em turmas ou na Câmara Superior, entre janeiro de 2016 e março deste ano.
O ágio é uma das prioridades da Receita Federal. Consiste em um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa no balanço e amortizado, reduzindo os valores de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL a pagar. A fiscalização, porém, costuma autuar os contribuintes quando interpreta que uma operação foi realizada apenas com a intenção de reduzir a carga tributária.
O levantamento feito pelo escritório engloba os julgamentos a partir de janeiro de 2016 porque o Carf ficou fechado durante a maior parte do ano anterior, devido à Operação Zelotes. Além disso, advogados e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) concordam que não é possível falar em jurisprudência sobre ágio antes da Zelotes. A Câmara Superior ainda não havia julgado o assunto e existiam poucas decisões nas turmas baixas.
“Hoje, há uma amostra significativa”, afirma o advogado Roberto Salles Lopes, responsável pelo levantamento. No total, o Carf julgou no período 251 casos. Em 15, porém, os conselheiros não enfrentaram o mérito – restando 236 julgamentos. Na Justiça, há poucas decisões e elas oscilam entre favoráveis e desfavoráveis, segundo o levantamento.
Grande parte das decisões no tribunal administrativo foi por maioria de votos, seguida pela unanimidade e voto de qualidade. No último caso, do desempate dos presidentes das turmas, quase todas as decisões foram favoráveis à Fazenda Nacional.
Segundo o advogado, os julgamentos na Câmara Superior são mais rigorosos e menos favoráveis aos contribuintes. Nas chamadas turmas baixas, há mais resultados variados.
Entre os temas mais comuns, está o uso de empresa veículo. Na sequência, ágio interno e transferência de ágio. Em geral, o resultado dos julgamentos depende mais das circunstâncias de cada caso do que dos argumentos recorrentes dos contribuintes, de acordo com Salles.
Caso de ágio interno é uma exceção, acrescenta o advogado. “É quase um indicativo de perda”, afirma. Há poucos precedentes no Carf favoráveis aos contribuintes.
A PGFN separa os ágios em apenas dois tipos: interno e com uso de empresa veículo. No ágio interno, a jurisprudência da Câmara Superior já se consolidou a favor da Fazenda. “Não reconhece [a jurisprudência] o uso”, afirma o procurador Marco Aurélio Zortea Marques, da Fazenda Nacional. Nos casos com empresa veículo, as turmas ainda estão divididas. Mas na Câmara Superior tem prevalecido a tese da Fazenda.
Por isso, nos julgamentos sobre esse tema, se o contribuinte venceu em turma baixa, costuma concentrar seus esforços em tentar impedir a aceitação pela turma do recurso da Fazenda Nacional – levantar alguma questão processual, como afirmar que o paradigma não trata exatamente do mesmo assunto. Há casos em que os conselheiros passam mais tempo discutindo o conhecimento do recurso que a tese em si.
De acordo com a advogada Ana Paula Lui, sócia do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, de forma geral, não se consegue mais decisão favorável em caso de ágio porque sempre há uso de empresa veículo. Para as companhias, em muitas operações, não faz sentido uma incorporação direta, acrescenta.
Ana Paula lembra que, nos casos de privatização, a legislação da época estimulou a aquisição com ágio e a doutrina reconhece que o benefício foi uma moeda de troca usada pelo governo. “Mas as empresas foram autuadas”, diz. “O dilema para o contribuinte ou investidor estrangeiro é enfrentar a insegurança. Não basta só seguir a norma expressa”, afirma.
Por Beatriz Olivon | De Brasília
Fonte : Valor – 05/11/2018