A interpretação da Receita Federal sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins deve mexer com um mercado que estava superaquecido: o da compra de créditos fiscais. Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março do ano passado, que o ICMS não deve ser considerado na cobrança das contribuições sociais, bancos, fundos de investimentos e securitizadoras passaram a comprar os direitos de empresas ao reembolso dos tributos recolhidos a mais.
O BTG Pactual, por exemplo, fechou uma das operações de maior volume dentro desse mercado. Comprou parte dos créditos que o Grupo Pão de Açúcar tem a receber. De acordo com o que consta no balanço do segundo trimestre da companhia, o ganho decorrente dessa venda foi de cerca de R$ 50 milhões. O mesmo banco tem ainda outras 11 negociações em andamento e três operações já em fase de análise de documentos.
Em razão da Solução de Consulta nº 13, em que a Receita Federal interpreta a decisão do STF, advogados acreditam que daqui para frente, no entanto, a incerteza sobre qual será de fato o valor do crédito decorrente da exclusão do ICMS do cálculo pode diminuir o interesse das instituições financeiras por esse mercado.
No texto consta que não é o ICMS total, destacado na nota fiscal, que pode ser excluído, mas sim o “ICMS a recolher”, que é menor. O efeito disso, se prevalecer o entendimento, será a devolução (por meio de restituição ou compensação) de valores mais baixos do que os contribuintes pleiteiam. Haveria, então, interferência direta no volume negociado com os bancos.
“De um ano e meio para cá esse mercado realmente ferveu”, diz Alessandro Borges, do Benício Advogados. “Só que o preço estava muito balizado na confiança do mercado de que o crédito seria pelo ICMS faturado e não pelo ICMS apurado, como consta no entendimento da Receita. Isso vai mudar muito a referência de negociação daqui para frente.”
Os escritórios vinham sendo muito procurados pelas instituições financeiras para analisar a viabilidade de processos que foram ajuizados pelas empresas para receber de volta o que pagaram a mais ao governo e que ainda não tiveram uma decisão definitiva. O principal interesse do mercado está nesse nicho.
No modelo de negócio mais comum, o banco antecipa ao contribuinte os valores envolvidos na discussão judicial. Paga à vista uma quantia um pouco mais baixa e, em troca, o contribuinte se compromete a repassar os valores totais à medida em que puder fazer as compensações de crédito – depois de haver uma decisão definitiva sobre o seu processo e do procedimento de habilitação de crédito perante à Receita Federal.
Há uma outra modalidade, no caso de o contribuinte pedir a restituição dos valores e não a compensação do crédito, em que o banco aceita receber o título precatório.
Os advogados analisam a condição desses processos, a fase em que se encontram, o volume negociado e as garantias que são oferecidas. Por exemplo, com quem fica a responsabilidade caso haja algum problema na compensação ou restituição dos créditos. Se ficar com o comprador, o deságio aumenta, se ficar com o contribuinte, diminui.
São esses pareceres que orientam as instituições financeiras sobre as negociações com os contribuintes. Alessandro Borges diz que no Benício Advogados foram analisadas ao menos 30 ações de interesse de bancos, fundos de investimentos e securitizadoras. O deságio mais alto aplicado, ele diz, foi de 55%. O advogado pondera que o percentual varia muito conforme o caso. Não se pode afirmar, ele diz, que existe uma métrica.
Alessandro Borges chama a atenção, no entanto, que esse é justamente um dos pontos que deve ser impactado pelo entendimento da Receita Federal. “Pode fazer com que os compradores fiquem menos ávidos ou que eles aumentem o deságio nas negociações.”
Sócio do BTG Pactual, Alexandre Câmara, confirma que isso pode mesmo acontecer. Ainda que possa ser reversível para o lado das empresas, ele diz – porque existem embargos pedentes de julgamento no STF e porque o contribuinte pode por si só contestar -, a norma editada pela Receita, nesse primeiro momento, traz um pouco mais de risco para o mercado.
As negociações que já estão em andamento, afirma, não terão impacto. “Vamos manter o preço já pressuposto mesmo com esse entendimento”, sustenta Câmara. “Mas é claro que isso tem um peso na nossa disponibilidade e apetite pela tese. Vamos revisitar os desdobramentos disso para frente e reprecificar”, complementa.
O mercado sabia, desde o início, do risco com a discussão em torno de qual, de fato, é o ICMS que deve ser excluído do PIS e da Cofins. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tratou sobre esse assunto nos embargos contra a decisão do STF, que ainda não foram julgados.
Havia, no entanto, duas ponderações que norteavam as negociações com contribuintes. Uma delas, o entendimento majoritário de advogados de que a decisão do STF foi bastante clara sobre a exclusão do ICMS total e haveria pouquíssimas chances de o Judiciário se posicionar de forma diferente. Tanto que, quando a Solução de Consulta nº 13 foi publicada, especialistas chegaram a dizer que a Receita estava criando “factoide” ou “fake news jurídica”.
Já a segunda era a expectativa de que os ministros julgassem os embargos que estão pendentes, firmando esse posicionamento, antes de as compensações e restituições começarem a ser feitas. Isso decorria de uma afirmação da ministra Cármen Lúcia, relatora do caso e na época presidente do STF, de que a questão seria encerrada até o fim do seu mandato (que terminou em setembro).
Os riscos, agora, dizem especialistas, vêm da demora do Supremo em se posicionar. Os contribuintes que fizerem as compensações pelo ICMS total sabem que, sem a decisão definitiva, estarão sujeitos à autuação e multa pela Receita Federal. “Se isso acontecer haverá um novo contencioso e serão anos até que se resolva”, diz Hugo Leal, sócio do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor – 01/11/2018.