A doutrina conceitua as questões de ordem pública com aquelas que refletem a primazia do interesse público sobre o interesse particular, cabendo seu reconhecimento de ofício pelo julgador para que se tenha a correta aplicação jurisdicional pelo Estado-juiz.
É também de se registrar ser de complexa enumeração e classificação as questões de ordem pública.
Feita a introdução acima, temos que turma ordinária de Seção do CARF concluiu, à maioria de votos, que a “aplicação de multa qualificada é matéria de ordem pública, por pressupor a demonstração do evidente intuito de fraude, nos casos definidos nos arts. 71,72 e 73 da Lei n. 4.502/64.” (acórdão n. 3301-004.787).
O processo tem origem na exigência de IPI em razão do recolhimento reiterado e a menor do tributo, com a combinada lavratura de termos de sujeição passiva contra os sócios administradores da contribuinte.
Em manifestação de inconformidade, e em apertada síntese, a contribuinte reclamou (i) o acolhimento da decadência parcial dos períodos lançados; (ii) o afastamento da exigência em face da não comprovação dos créditos; e, (iii) a aplicação proporcional dos juros e multa, pois que configurado confisco.
Foi o lançamento julgado procedente pela DRJ, sendo que em recurso voluntário ao CARF a contribuinte tão somente se insurgiu contra o não reconhecimento da decadência parcial e o caráter confiscatório dos juros e da multa.
Confirmada a competência do colegiado daquela Seção para exame do processo e para o que aqui nos interessa, passou a relatoria original para a análise de ofício da multa qualificada como matéria de ordem pública e seu reflexo para o reconhecimento, ou não, da decadência reclamada.
Tal reconhecimento à decadência para parte dos períodos objeto da autuação foi afastada pela instância de piso com observação ao artigo 173, I, do CTN, já que caracterizado ter ocorrido fraude no recolhimento a menor do IPI de modo reiterado.
Então, mesmo sem a insurgência da contribuinte quanto a qualificação da multa, aquela relatoria original tratou o tema como matéria de ordem pública, uma vez que a fiscalização não teria demonstrado ter a contribuinte agido de forma intencional a fim de caracterizar a fraude à norma tributária.
Na hipótese examinada, segundo a relatoria original e com citações à jurisprudência da CSRF, não seria suficiente a suspeita de fraude sem sua devida comprovação.
Retomando o curso da decisão com a finalidade de justificar que a penalidade seria matéria de ordem pública passível de análise de ofício pela relatoria original, informou-se que “as questões de ordem pública são aquelas que condicionam a legitimidade do próprio exercício da atividade administrativa.”; daí que “não precluem e podem, a qualquer tempo, ser objeto de exame, em qualquer fase do processo e em qualquer grau de jurisdição, sendo passíveis d reconhecimento de ofício pelo julgador, (…).”
Sendo então a penalidade qualificada matéria de ordem pública, a relatoria original definiu que pela ausência de provas da fraude imputada à contribuinte, a contagem do prazo decadencial deveria ser aquela do artigo 150 do CTN, com a decadência parcial dos períodos objetos da autuação.
Notamos, entretanto, que a relatoria original ficou vencida, não quanto ao reconhecimento da multa qualificada como matéria de ordem pública, mas, sim, quanto ao afastamento daquela penalidade, pois, pela corrente majoritária vencedora, restou sim demonstrada a conduta de fraude, “tendo em conta a grande discrepância entre os valores ofertados nas declarações em pauta e a reiteração por 12 meses. Tal quadro fático só pode advir de atitude consciente no ato de declarar, não se tratando de mero erro.”
Dessa forma, manteve-se a decisão recorrida, mantida a multa qualificada em 150%, afastando-se, consequentemente a decadência parcial dos períodos lançados.
Por fim, cabe-nos destacar a legítima ousadia daquela turma julgadora em face da questionável e defensiva jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada “no sentido de que, mesmo que se trate de matéria de ordem pública, é necessário seu prequestionamento.” (ARE 109527-AgR, DJe-103 de 25/05/2018), uma vez que houve por bem o CARF considerar e enfrentar a penalidade como matéria de ordem pública, não importando que essa não tenha sido reclamada em recurso e pela contribuinte.
Jota-23/10/2018