Recentemente, o Plano Anual de Fiscalização da Receita Federal do Brasil (RFB) para 2018 e Resultados de 2017 revelou dados importantes sobre as ações fiscalizatórias realizadas no âmbito da União. Segundo as estatísticas, em 2017, o montante de crédito tributário constituído de ofício, por meio de autuações fiscais, alcançou o valor de R$ 204,99 bilhões. Isso representa um montante 68,5% maior que o valor lançado em 2016 (R$ 121,66 bilhões). Aliás, o resultado de crédito tributário em 2017 é o maior já lançado pela fiscalização da Receita Federal.
Em um cenário como esse, é comum surgirem questionamentos entre os contribuintes, especialmente quanto à possibilidade de quitação de tributos, de forma alternativa. Nesse sentido, a dação em pagamento de bens imóveis, inserida no Código Tributário Nacional pela Lei Complementar 104/2001, constitui uma dessas possibilidades de extinção do crédito tributário, diferente do pagamento propriamente dito.
Segundo dispõe o inciso XI do artigo 156 do CTN, caberá ‘‘a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei’’. Trata-se, portanto, de prescrição normativa de eficácia limitada, subordinada à intermediação de outra norma, dispondo sobre a forma e as condições para sua implementação. No caso, o CTN, na sua condição de lei complementar destinada a ‘‘estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (CF, art. 146, III)’’, apenas permitiu aquela modalidade de extinção do crédito tributário, mas não a impôs obrigatoriamente, cabendo, assim, a cada ente federativo, editar norma própria regulamentadora da matéria.
Sobre o tema, o jurista Leandro Paulsen, na obra Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, afirma que ‘‘as leis federais, estaduais e municipais que venham a autorizar a dação em pagamento de bens deverão definir a forma e as condições que tal se dará, sendo essencial, quanto a isso, a definição dos critérios para a avaliação dos imóveis’’.
Dessa forma, em 16 de março de 2016, foi editada a Lei 13.259, que tratou da dação em pagamento de bens imóveis no âmbito da União. De acordo com a citada norma federal, o crédito tributário inscrito em dívida ativa da União poderá ser extinto, mediante dação em pagamento, a critério do credor, desde que: (i) a dação seja precedida de avaliação do bem ou dos bens ofertados, que devem estar livres e desembaraçados de quaisquer ônus, nos termos de ato do Ministério da Fazenda; e (ii) abranja a totalidade do crédito ou créditos que se pretende liquidar com atualização, juros, multa e encargos legais, sem desconto de qualquer natureza, assegurando-se ao devedor a possibilidade de complementação em dinheiro de eventual diferença entre os valores da totalidade da dívida e o valor do bem ou dos bens ofertados em dação.
Naquela ocasião, o legislador excluiu expressamente a aplicação da Lei 13.259/2016 aos créditos tributários referentes ao Simples Nacional.
Contudo, objetivando regulamentar o procedimento em questão, em 8 de fevereiro de 2018, foi editada a Portaria 32 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Dentre as disposições trazidas pela normativa federal, vale destacar os seguintes: (a) não serão aceitos os imóveis de difícil alienação, inservíveis ou que não atendam aos critérios de necessidade, utilidade e conveniência, a serem aferidos pela administração pública; (b) a dação em pagamento se dará pelo valor do laudo de avaliação do bem imóvel; no caso, se urbano, este será emitido por instituição financeira oficial; se rural, pelo Incra, cabendo ao devedor arcar com os custos de avaliação do imóvel; e (c) se o bem ofertado for avaliado em montante superior ao valor consolidado do débito inscrito em dívida ativa da União que se objetiva extinguir, sua aceitação ficará condicionada à renúncia expressa, em escritura pública, por parte do devedor proprietário do imóvel, ao ressarcimento de qualquer diferença.
Após a análise de toda documentação, caberá à PGFN se manifestar sobre a conveniência e oportunidade da dação em pagamento do bem imóvel para a recuperação do crédito tributário inscrito em dívida ativa da União. Na hipótese de a manifestação ser favorável, irá submeter o processo administrativo à apreciação da Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Crédito (CGR/PGFN), que deverá decidir quanto à aceitação da proposta de dação como forma de extinção das inscrições em dívida ativa da União.
Como se vê, em que pese constituir uma forma alternativa para a extinção do crédito tributário, há que se avaliar precisamente a adequação dessa modalidade a cada caso concreto. Ademais, uma vez que a aceitação do bem imóvel passa necessariamente por uma análise de conveniência e oportunidade por parte da administração pública, uma eventual negativa não obsta que tal bem seja objeto de futuro pedido de penhora, para fins de garantia do crédito tributário em aberto. Isso poderia ocasionar sua alienação em hasta pública, por valor aquém daquele que havia sido avaliado.
Por Geovane Machado Alves
Geovane Machado Alves é advogado do Cesar Peres Advocacia Empresarial (CPAE), especialista em Direito Tributário.
Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-ago-29/geovane-alves-dacao-pagamento-quitacao-dividas-fiscais