O julgamento de maior repercussão em matéria tributária no ano de 2017, embora ainda tenha sido finalizado de forma definitiva, tem refletido em inúmeras situações do cotidiano dos contribuintes.
Como se sabe, no ano passado, o Plenário do STF, em duas sessões, julgou o mérito do RE nº 574.706/PR, para concluir que é inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
A União Federal opôs embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos do julgamento, bem como o aclaramento de outros pontos da decisão, relacionados ao conceito de faturamento para a legislação societária e à abrangência da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins (se deve ser excluído o ICMS pago ou o ICMS destacado nas notas fiscais).
Apesar de até hoje não terem sido julgados os aludidos embargos, fato é que o racional utilizado pelo Supremo para concluir que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins tem reverberado diretamente – e com razão – em outras relevantes discussões tributárias (jurídica e economicamente).
No julgamento de tal recurso extraordinário, prevaleceu o entendimento de que o conceito de faturamento/receita bruta constante da Constituição Federal não comporta a inclusão de qualquer ingresso no patrimônio das empresas, mas apenas aquele que se agrega definitivamente ao seu patrimônio e que corresponda ao produto da venda de bens e/ou da prestação de serviços resultantes das suas atividades operacionais.
Conclusão que deflui naturalmente do raciocínio empregado pelo Supremo é a seguinte: ainda que haja previsão legal assim exigindo, tributos que apenas transitam na contabilidade da empresa, sem configurar acréscimo patrimonial, não compõem o conceito constitucional de faturamento/receita bruta.
Assim, um primeiro debate que tem sido afetado pelo julgamento do Supremo é aquele referente à inconstitucionalidade da inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
Embora a repercussão geral deste tema em particular tenha sido reconhecida no RE nº 592.616/RS, os juízes de primeira instância e os Tribunais têm julgado a matéria favoravelmente aos contribuintes, aplicando exatamente o entendimento predominante no julgamento do RE nº 574.706/PR.
Outra questão que tem tido seu desfecho influenciado pelo julgamento do Supremo é aquela relativa à exclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), instituída pela Lei nº 12.546/11, também conhecida como “contribuição substitutiva de folha”.
Por simetria, os Tribunais vêm seguindo o entendimento do STF no sentido de que o ICMS não compõe o conceito de receita bruta/faturamento e, portanto, deve ser excluído também da base de cálculo da CPRB.
Caminhando no mesmo sentido, recentemente, foram proferidas decisões favoráveis aos contribuintes no que diz respeito à exclusão do PIS e da Cofins de suas próprias bases. Este tema, bem como o da exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB, remontam, inevitavelmente, à alteração do conceito de receita bruta promovida pela Lei nº 12.973/14.
Com efeito, referido diploma legal alterou o Decreto-lei nº 1.598/77, de tal forma a prever que “na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes”.
Contudo, nos parece que, em relação a qualquer uma das controvérsias tributárias aqui mencionadas, demonstra-se absolutamente inaplicável esse conceito de receita bruta trazido com o advento da Lei nº 12.973/14, uma vez que ele desborda completamente dos limites do conceito constitucional de faturamento/receita bruta definido pelo Supremo no julgamento do RE nº 574.706/PR.
Por isso, o desfecho favorável aos contribuintes também nas discussões acima descritas é mera decorrência lógico-jurídica da motivação levada a efeito pela Corte Suprema para definir, nos autos do RE 574.706/PR, que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.
De fato, considerando que se julgou pela existência de um conceito constitucional de faturamento/receita bruta, pouco importa se é possível sustentar que a Lei nº 12.973/14 previu (implícita ou explicitamente) que os tributos incidentes sobre a receita bruta compõem o conceito de receita bruta, pois, ao assim dispor, acabou incorrendo em manifesta inconstitucionalidade, por afrontar a delimitação conceitual existente na Constituição Federal, tal como definiu o próprio Supremo.
Portanto, não há dúvidas de que, seja no contexto anterior à Lei nº 12.973/14, seja no cenário posterior à sua vigência, os contribuintes que se sentirem lesados em razão das discussões acima descritas devem, com amparo no entendimento firmado pelo STF no RE 574.706/PR, pleitear junto ao Judiciário o seu direito de reaver eventuais indébitos pagos nos últimos cinco anos, bem como de deixar de incluir tributos indevidos no conceito de faturamento/receita bruta.
Fonte: O Estado de S. Paulo-26/08/2018
Marcello Pedroso e Rômulo Coutinho*
*Marcello Pedroso é sócio e Rômulo Coutinho é advogado associado, da área tributária do Demarest Advogados