O trabalhador com transtornos visuais irreversíveis, nos termos do artigo 3º do Decreto 3.298/1999, possui uma “redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”, e, por esses motivos, deve ser contemplado com a isenção do Imposto de Renda.
A adequada aplicação do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88, como dito precedentemente, acolhe o trabalhador enfermo com o benefício fiscal e, com isso, cumpre com a função social profundamente entrelaçada aos princípios constitucionais da isonomia, dignidade e direito à saúde.
O legislador, de fato, não excluiu o servidor da atividade, assim, não cabe ao intérprete reduzir seu conteúdo a situação ilógica sob o ponto de vista dos fundamentos do benefício.
Em resguardo ao tema de inserção social, o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça decidiu que “o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes” (Súmula 377/STJ).
A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID – 10), que é a identificação adotada pelo SUS para definição de patologias, inclui a cegueira monocular na abrangência da doença cegueira. A visão monocular caracteriza-se pela redução efetiva e acentuada da acuidade visual do trabalhador.
A enfermidade é conceituada como deficiência visual, pois ocasiona a perda da noção de profundidade (visão em 3D) e uma agravada perda visual binocular, bem como diminuição significativa do campo visual periférico. A Associação Brasileira dos Deficientes com Visão Monocular ressalva que a perda total da visão de um olho provoca um comprometimento de 24% para o homem como um todo. Diversas pessoas com visão monocular costumam apresentar atrofia óptica, estrabismo e até o fechamento total do olho, entre outros desconfortos e deformações[1].
As limitações causadas pela visão foram palco de enredo ao longo dos séculos, evidenciadas nos mitos, lendas, escritos sagrados, literatura e, especialmente, estudos. Das conferições, esses autores exibiram as diversas dificuldades apresentadas pelas pessoas com cegueira.
Na célebre tragédia grega, o personagem Tirésias foi um famoso profeta da cidade de Tebas e o responsável pelas revelações que regeram Édipo às grandes descobertas de sua vida. Tirésias era cego, mas conseguia enxergar o que os olhos naturais não viam.
O ápice da tragédia é que, ao perceber que possuiu pela paixão desmesurada a própria mãe, após ter matado o pai, Édipo cega-se assombrosamente. Édipo converteu-se à cegueira como castigo. Para o filósofo Heiddegger, Édipo é aquele que se cegou para melhor ver a sua devastadora situação[2].
Confabulação filosófica ao preceito de Platão, no Livro VII de A República, ilustra-se que em uma caverna viviam homens acorrentados em grilhões, sem poder mover as cabeças, condicionados à sombra das coisas e de pessoas projetadas pela luminosidade de uma fogueira posta atrás deles, como uma tela de cinema.
Por meio da alegoria, Platão apresenta a existência de dois mundos: o mundo das ideias, fora da caverna, habitado pelos objetos reais e coloridos, inundado pela luz do sol, em contraposição ao mundo do bloqueio, pelos homens algemados, apegados às trevas. A diferença entre os dois mundos seria, no caso, a vontade de ser alguém melhor do que se é. Libertar-se do conformismo escuro da caverna em busca da luz, ainda que esse esforço sangrasse[3].
Os portadores de cegueira monocular, embora deficientes visuais, enxergam o mundo de forma sensível e obstinada.
A diferença é que a convergência em relação às pessoas com deficiência consiste em avaliá-las a priori como impossibilitadas e ao mesmo tempo condicioná-las a contribuir, sendo necessário um esforço adicional por parte delas para comprovar sua condição social[4], como no caso do mito grego de Tirésias ou os cegos da caverna de Platão.
E por essa razão, não diversa, todos os portadores de incapacidade, como no caso das pessoas com transtorno visual, precisam se tornar capazes para conquistar seu papel na sociedade: sobressair-se, emergir-se, superar-se e, com isso, tornarem-se aceitos.
Os portadores de cegueira monocular, que em muitos casos possuem 80% da visão comprometida, não obstante todas as dificuldades, em sua grande ou maior parte, são trabalhadores, guerreiam um lugar ao sol mediante aprovação em concurso público e cumprem sua contribuição social efetiva por meio do trabalho.
A juíza federal substituta da 5ª Vara SJ/DF, Diana Wanderlei, na Ação 1015494-72.2018.4.01.3400, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela para que a União se abstenha de exigir o recolhimento do Imposto de Renda sobre a remuneração a servidor em atividade com cegueira funcional do olho direito, irreversível CID 10 H 54.4 (visão monocular), em face da isenção prevista no inciso XIV, do artigo 6º, da Lei 7.713/88.
A elucidação quanto à isenção em atividade para os portadores de cegueira monocular já havia sido pronunciada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos 1012586-57.2018.4010000/DF, em que o desembargador relator José Amilcar de Queiroz Machado manifestou que “o cerne da demanda não se encontra no fato incontroverso da cegueira monocular de que é portadora a agravante, o que lhe confere direito à isenção, mas à condição de servidora pública em atividade”.
No que concerne ao tema, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem o entendimento uníssono acerca do direito à isenção do imposto sobre a renda aos portadores de doença grave — ainda que estejam em atividade (AC 0040399-71.2012.4.01.3400/DF, rel. desembargador federal Marcos Augusto de Sousa, 8ª Turma, E-DJF1 dE 26/1/2018; AC 0053179-75.2010.4.01.3800/MG, rel. desembargador federal Novély Vilanova, 8ª Turma, E-DJF1 de 22/9/2017; AC 0068673-38.2014.4.01.3800/MG, rel. desembargador federal Hercules Fajoses, 7ª Turma, E-DJF1 de 8/9/2017; EIAC 0009540-86.2009.4.01.3300/BA, rel. desembargador federal Luciano Tolentino Amaral, 4ª Seção, E-DJF1 P.1023 de 8/2/2013).
Por todos esses motivos, os trabalhadores com cegueira monocular, e todos os outros enfermos cujas doenças encontram-se no rol catalogado do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88, aposentados ou em atividade, têm direito à isenção do imposto sobre sua renda.
[1] TALEB, Alexandre. As condições de saúde ocular no Brasil. CBO, 2012.
[2] SANT’ANNA. Affonso Romano de. A Cegueira e o Saber. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2006.
[3] PLATÃO. A República. Trad. de Albertino Pinheiro. São Paulo: Atena Editora, 1943, Livro VII.
[4] Texto extraído da tese de doutorado: “A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras. Um Estudo sobre as Relações entre Concepções de Deficiência, Condições de Trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho”. Capítulo 2, “Concepções de Deficiência”. Maria Nivalda de Carvalho-Freitas. UFMG – Belo Horizonte – 2007. Tese apresentada ao Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Administração. Área de Concentração: Comportamento Humano nas Organizações. Orientador: Prof. Antônio Luiz Marques, PhD. Site: http://www.bengalalegal.com/concepcoes.
Por Katiuscia Alvim e Luísa Hoff Pignatti
Katiuscia Alvim é advogada das áreas tributária e previdenciária da Alvim Consultoria.
Luísa Hoff Pignatti é advogada das áreas tributária e previdenciária da Alvim Consultoria.
Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-ago-23/opiniao-isencao-ir-trabalhadores-cegueira-monocular