O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1.802/DF, ratificou a medida cautelar concedida em 27/08/1998 e declarou, agora em caráter definitivo e por unanimidade, inconstitucionais determinados requisitos e restrições, previstos na Lei nº 9.532/1997, exigidos das entidades sem fins lucrativos para fruição de sua imunidade tributária. Com essa decisão, transitada em julgado em 14/05/2018, finalmente as entidades sem fins lucrativos possuem segurança jurídica no tema.
Como consta no acórdão formalizado da ADIn nº 1.802/DF, o STF declarou a inconstitucionalidade formal da alínea ‘f’ do § 2º do art. 12, do caput art. 13 e do art. 14, todos da Lei nº 9.532/1997, bem como a inconstitucionalidade formal e material do §1º do art. 12, da Lei nº 9.532/1997.
Tais dispositivos da Lei nº 9.532/1997 limitavam a imunidade tributária conferida às entidades sem fins lucrativos, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea ‘c’, da Constituição Federal[1] (CF/88), impondo-lhes as seguintes condições: (i) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos seus empregados, bem como cumprir as obrigações acessórias relacionadas (art. 12, §2º, ‘f’); (ii) não praticar qualquer ato que constitua infração a dispositivo da legislação tributária (art. 13, caput); e (iii) recolher os tributos incidentes sobre os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável (art. 12, §1º). O artigo 14, igualmente declarado inconstitucional, apenas dispunha que seriam aplicadas as regras procedimentais previstas no artigo 32 da Lei nº 9.430/1996 se suspenso o gozo da imunidade.
Ao analisar o tema, o STF, seguindo a linha que já vem adotando, afirmou que todas as condições acima mencionadas padecem de vício formal (inconstitucionalidade formal), já que são limitações constitucionais ao poder de tributar, as quais deveriam ter sido previstas em lei complementar, em obediência ao artigo 146, inciso II, da CF/88[2], e não em lei ordinária (como a Lei nº 9.532/1997). Nesse ponto, o STF seguiu exatamente a jurisprudência firmada no leading caseRecurso Extraordinário (RE) 566.622/RS.
De fato, o constituinte teve a preocupação de exigir quórum qualificado – isto é, lei complementar – na disciplina infraconstitucional das limitações ao poder de tributar, visando à elaboração de regras nacionalmente uniformes, estáveis e rígidas. Assim, as referidas restrições impostas às entidades no gozo de sua imunidade tributária só poderiam ter sido estabelecidas em uma lei complementar, como corretamente asseverado pelo STF.
A decisão ressalvou, contudo, que a reserva de lei complementar não impede que o legislador ordinário seja competente para estipular requisitos concernentes à constituição e ao funcionamento das entidades imunes. Os aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, à fiscalização e ao controle administrativo das entidades continuam passíveis de definição em lei ordinária.
Nesse sentido, o que supera a alçada do legislador ordinário não são as regras de procedimento, mas sim as normas atinentes à delimitação do próprio objeto da imunidade, que obrigatoriamente devem ser estabelecidas em lei complementar. Justamente por versarem sobre o conteúdo da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, ‘c’, da CF/88, os mencionados dispositivos da Lei nº 9.532/1997 foram declarados inconstitucionais, já que veiculados incorretamente em uma lei ordinária.
No caso do artigo 12, §1º, da Lei nº 9.532/1997, o STF decidiu que, além da inconstitucionalidade formal, tal comando normativo também é materialmente inconstitucional. Na visão da Corte, referido dispositivo restringiu indevidamente o alcance da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, ‘c’, da CF/88, ao dispor que não seriam abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
Aqui, em atendimento ao que já era pleiteado judicialmente há muito tempo por diversas entidades, o STF encerrou em definitivo a discussão no assunto: os acréscimos patrimoniais oriundos de aplicações financeiras são renda, abarcados pela imunidade tributária conferida às entidades sem fins lucrativos e, portanto, não são tributáveis sequer por uma lei complementar. Daí decorre a evidente inconstitucionalidade material do artigo 12, §1º, da Lei nº 9.532/1997.
Em consonância com o posicionamento adotado pelo STF, repisamos que o ordenamento jurídico brasileiro não restringe a origem dos recursos que compõem o patrimônio das entidades sem fins lucrativos. Por isso, é plenamente possível que entidades sem fins lucrativos possuam aplicações financeiras, visando ao aumento de seu patrimônio, desde que os resultados alcançados sejam integralmente revertidos na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos sociais.
Dessa forma, apesar de passados mais de 20 anos desde a distribuição da ação, finalmente as entidades sem fins lucrativos detêm plena e definitiva segurança jurídica para gozarem de sua imunidade tributária sem a necessidade de atender às indevidas limitações da Lei nº 9.532/1997, declaradas acertadamente inconstitucionais pelo STF na ADIn nº 1.802/DF.
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[1] “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
VI – instituir impostos sobre: (…)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”
[2] “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…)
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;”
Por FLAVIA REGINA DE SOUZA OLIVEIRA, JULIANA RAMALHO e JOÃO VITOR FOGAÇA
FLAVIA REGINA DE SOUZA OLIVEIRA – Sócia do escritório Mattos Filho
JULIANA RAMALHO – Sócia do escritório Mattos Filho
JOÃO VITOR FOGAÇA – Advogado do escritório Mattos Filho
Fonte: Jota-11/07/2018