Por 7 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal reafirmou, em novo julgamento na quarta-feira (23/5), a constitucionalidade da contribuição ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, o Funrural. Dessa forma, o passivo do fundo continua a existir, bem como o recolhimento da cobrança previdenciária. A decisão era aguardada como forma de dar fim a um dos itens que causavam insegurança jurídica aos produtores rurais, de acordo com aqueles que ingressaram com as ações.
O Plenário rejeitou oito embargos de declaração apresentados por proprietários e associações do setor que pretendiam reverter a decisão que definiu como constitucional a cobrança — espécie de previdência específica para o trabalhador rural. No entendimento dos ministros, a medida é desnecessária porque não há mudança de jurisprudência da corte em relação ao tema. Eles também afastaram o cabimento da modulação para o caso.
Eduardo Diamantino, vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário e sócio do Diamantino Advogados, avalia que, com o resultado do julgamento, o setor agrícola sofre mais uma vez um duro revés. “Diante desse resultado, a opção pela inclusão de referidos débitos no Programa de Regularização Tributária Rural, que tem data limite em 30 de maio, passa a ser factível. Isso porque todas as situações merecem uma análise detida, principalmente sobre a questão da responsabilidade da obrigação”, diz.
Ele entende ainda que seria possível a propositura de outros embargos de declaração para a discussão da Resolução 15/2017 do Senado, só abordada no voto do relator.
O Senado aprovou, em 2017, por iniciativa da senadora Kátia Abreu (PDT-TO), depois da decisão do Supremo, a Resolução 15, cujo artigo 1º suspendeu a execução de dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF no julgamento do chamado “caso Mataboi”.
Igor Mauler Santiago, tributarista e sócio fundador da banca Mauler Advogados, ao contrário, entende que a decisão é definitiva, ainda que o caso fosse de alteração jurisprudencial clara. “Agora restam discussões de segmentos específicos do agronegócio, que ainda pendem de exame, como a invalidade da sub-rogação imposta aos adquirentes quanto ao Funrural e também ao Senar”, diz. Ele afirma que o Supremo deixou lacunas. “A contribuição é válida, mas quem deve pagá-la?”, questiona.
Por sua vez, o tributarista Frederico Bocchi Siqueira, do Rayes & Fagundes Advogados, enfatiza que a decisão frustrou as expectativas de inúmeros produtores rurais que aguardavam o julgamento. “Evidentemente, e até porque não se tem certeza sobre algum ‘desfecho político’ do assunto, muitos irão reconsiderar a possibilidade de adesão ao Programa de Regularização Tributária Rural, que foi prorrogado até o dia 30 deste mês e prevê entrada de 2,5% e o restante em até 176 parcelas com redução de 100% de multa e juros”, diz.
Especialista em tributação no agronegócio, Fábio Calcini, sócio do escritório Brasil Salomão, entende que, embora tenha ocorrido a negativa de modulação, os temas relacionados ao Funrural não se esgotaram. “O julgamento se deu única e exclusivamente em relação ao produtor rural pessoa física e empregador. Vale lembrar que a maior parte dos passivos dos lançamentos tributários quanto ao Funrural não estão ligados ao produtor, mas aos adquirentes, por conta da sub-rogação.”
De acordo com ele, existem várias discussões e teses jurídicas acerca desse tema por ausência de lei, efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Resolução 15 do Senado Federal, entre outros, que ainda não foram objeto de discussão pelo Supremo nem pelo Superior Tribunal de Justiça. “Ao contrário, a única decisão relevante que temos sobre o tema é do caso Mataboi, favorável aos contribuintes por unanimidade. Então não há razão para preocupação”, afirma.
Um ponto que ele considera fundamental é o das cooperativas. Há discussão relevante no sentido de que elas não teriam dívida porque a relação de cooperado e cooperativa não gera incidência do Funrural porque não há comercialização, que é a base de incidência do fundo.
No entendimento dele, o julgamento de quarta pode ser um indicativo importante em relação a outra questão. Calcini encara como uma prévia de que no caso do Pis/Cofins e exclusão de ICMS o Supremo deve agir da mesma forma, “rejeitando a modulação porque a situação não é muito diferente do ponto de vista dos critérios jurídicos que devem ser avaliados”.
Adesão ao Refis
O prazo para que produtores rurais e empresas se inscrevam no parcelamento das dívidas do Funrural termina no dia 30. Os especialistas avaliam ainda o impacto que a decisão do Supremo pode ter sobre a opção ou não ao chamado Refis Rural.
Diretor de Assuntos Técnicos da Unafisco, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Mauro Silva aponta outro efeito. “Com a decisão, as grandes empresas do agronegócio, mais do que antes, vão querer desesperadamente o Refis. Só estavam aguardando isso para aderir ao Refis que vence em 30 de maio.”
A Unafisco reforça que, caso a ação civil pública contra o Funrural que foi iniciada pela entidade no dia 18 de maio seja acatada, “os auditores terão que recolher as multas por sonegação, contrariando a pretensão inicial de desfrutar de anistia”.
A tributarista Mary Elbe Queiroz afirma categoricamente não ser recomendado que, em determinados casos, os produtores rurais adiram ao parcelamento especial oferecido pelo governo em relação ao Funrural. “Os produtores têm se sentido compelidos a aderir depois que o STF negou modular os efeitos de sua decisão acerca da constitucionalidade da cobrança da contribuição.” No entanto, ela engrossa o coro daqueles que dizem ser necessária a prudência, tendo em vista o que falta ser analisado.
“Um fato precisa ficar claro: o STF se limitou, apenas, a afirmar a constitucionalidade da contribuição para o Funrural. Existe, porém, outra discussão que não está nessa pauta no STF nem foi objeto de julgamento, até porque não constava da discussão do processo. É saber se, mesmo sendo constitucional o Funrural para o produtor rural, se tal tributo poderá ser exigido como obrigação para os adquirentes dos produtos”, explica.
Frente parlamentar
Preocupada com esse cenário, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), juntamente com entidades do setor produtivo, esteve com os ministros do STF Rosa Weber e Luís Roberto Barroso para tratar do tema. O grupo, citando atenção à segurança jurídica e previsibilidade aos produtores rurais, trabalhou no Congresso Nacional medidas provisórias e projetos de lei que culminaram na Lei 13.606/2018, a qual instituiu o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), o Refis do Funrural. A frente parlamentar orienta os produtores a aderirem ao programa.
Para a presidente da FPA, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), todo o trabalho que a Frente poderia fazer foi feito, garantindo segurança jurídica aos produtores rurais por meio de regras previstas em lei. A presidente lembra das conquistas alcançadas, como a redução em 40% da contribuição e o desconto de 100% nas multas e juros. “É de amplo conhecimento que a articulação parlamentar e de entidades do setor produtivo trouxeram importantes avanços no processo de conquistas que norteiam a questão do Funrural.”
“O que tentamos atingir com a MP não foi se a cobrança era válida ou não. O principal objetivo sempre foi dar alternativa ao produtor com uma dívida retroativa robusta para conseguir pagá-la com instrumentos de parcelamento, previstos em lei”, destaca a deputada.
Dois requerimentos de urgência a projetos de lei que tratam do Funrural aguardam votação no Plenário da Câmara dos Deputados. A presidente da FPA já solicitou ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que os pedidos de urgência sejam pautados em breve.
O primeiro se refere à votação do PL 9.623/2018, de autoria dela própria, que revoga o bloqueio de bens pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em caso de o devedor tributário não quitar seu débito em até cinco dias. O segundo, PL 9.252/2017, é de autoria do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), coordenador de Infraestrutura e Logística da FPA, e pede o fim da cobrança do passivo do Funrural, referente ao período 2010-2017.
Por Ana Pompeu
Ana Pompeu é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 26 de maio de 2018.