OPERAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. ENTIDADES DIPLOMÁTICAS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE TRATAMENTO FAVORECIDO. INEXISTÊNCIA DE BENEFÍCIO FISCAL. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA.
A entrada de objetos livres do pagamento de tributos incidentes sobre a importação, com base no art. 36 Convenção de Viena de 1961, decorre da imunidade de jurisdição tributária, aplicável indistintamente a todos os Estados estrangeiros.
A aplicação do art. 36 da Convenção de Viena de 1961 não caracteriza concessão de benefício ou incentivo fiscal para fins do disposto no art. 60 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995.
É inexigível a certidão negativa de que trata o art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995, para fins de importação de objetos com base no art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
Dispositivos Legais. art. 98 e 175 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN); arts. 23 e 36 do Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965, (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas); art. 60 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995; art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 2000; art. 119 do Decreto nº 6.759, de 2009 (Regulamento Aduaneiro).
DOU 03/12/2015
e-processo 10030.000529/1115-23
(Vide Despacho RFB nº sn, de 01 de dezembro de 2015)
Relatório
O presente Parecer Normativo decorre de consulta interna efetuada pela Coordenação -Geral de Administração Aduaneira (Coana) e tem por objetivo uniformizar entendimento e procedimentos no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB.
2. A consulente relata haver divergência de interpretação entre as unidades aduaneiras quanto à exigência de certidão negativa de débitos para fins de internalização de mercadorias por entidades diplomáticas quando os objetos estejam alcançados pela isenção prevista no art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
3. Informa que o tema foi levantado pela Alfândega do Aeroporto Internacional de Brasília que, interpretando o art. 36 da Convenção de Viena de 1961, passou a exigir certidão negativa de débitos, para fins de comprovação da quitação de tributos federais a que se refere o art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995 (reproduzida no art. 119 do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 – Regulamento Aduaneiro).
4. A exigência de certidão negativa para fins de aplicação do art. 36 da Convenção de Viena de 1961 estaria baseada em interpretação literal em matéria de isenções, conforme art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN).
4.1 O caput do art. 36 da Convenção de Viena de 1961 prevê a entrada livre do pagamento de tributos “de acordo com as leis e regulamentos”. O art. 119 do Regulamento Aduaneiro (com base no art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995) impõe que a concessão de qualquer incentivo ou benefício seja precedida da comprovação de quitação de tributos federais. Este art. 119 do Regulamento Aduaneiro não excepciona da exigência as isenções previstas na Convenção de Viena de 1961. Logo, para a concessão da isenção do art. 36 da Convenção de Viena de 1961, haveria entendimento de que seria necessária a apresentação de certidão negativa.
5. Por outro lado, conforme consta da consulta formulada, em interpretação sistemática, a análise da questão perpassaria a interpretação do art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
5.1 Transcreve-se o entendimento e o questionamento trazidos pela consulente:
[…] A despeito de não se tratar de uma imunidade constitucional, a isenção de que trata o art. 36 da Convenção se inseriria, portanto, nesse contexto maior de imunidade da missão diplomática.
[…]
Há, contudo, um outro ponto importante a ser observado, o qual diz respeito ao alcance do impedimento contido no art. 36 da Convenção de Viena. A dúvida é se ele seria absoluto ou não, tendo o condão de suprir quaisquer exigências por parte da Receita Federal do Brasil, inclusive a de apresentação de Certidão Negativa de Débitos – CND no momento do reconhecimento de direito à concessão de benefícios fiscais.
Isso ocorre por causa das duas possíveis interpretações do trecho “de acordo com leis e regulamentos que adote” desse mesmo artigo 36. Quais sejam: a missão diplomática importadora de tais bens deve respeitar a forma e os ritos para importação pelo Estado onde se encontra, desde que essa forma e ritos não tenham o condão de impedir ou restringir a importação de bens ou de forma transversa cobrar tributos aduaneiros; ou, de que seria uma remissão da concessão de isenção às exigências legais internas, incluída a condicionante de quitação de débitos tributários.
A depender dessa interpretação, combinada ao art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995, poder-se-ia dizer que é dispensada a apresentação de CND por parte de Missões Diplomáticas e Organismos Internacionais para concessão de benefícios fiscais.
6. Depreende-se dos argumentos trazidos pela consulente que o art. 36 da Convenção de Viena de 1961 não se constitui em simples isenção concedida para dar tratamento favorecido e diferenciado a grupo determinado de contribuintes. Trata-se de instituto que decorre da imunidade de jurisdição das representações diplomáticas, concedido indistintamente com base no princípio da reciprocidade de tratamento entre os Estados. Daí decorre a necessidade de se dar interpretação sistemática à questão.
7. Concorda-se com a consulente, e adota-se o entendimento no sentido da desnecessidade de apresentação de certidão de regularidade fiscal para fins de aplicação da isenção contida no art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
Fundamentos
8. A imunidade tributária das missões diplomáticas encontra previsão normativa nos artigos 23 e 36 da Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas, promulgada pelo Decreto nº56.435, de 8 de junho de 1965 (abaixo transcrito):
Artigo 23
1. O Estado acreditante e o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sôbre os locais da Missão de que sejam proprietários ou inquilinos, excetuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados.
2. A isenção fiscal a que se refere êste artigo não se aplica aos impostos e taxas cujo pagamento, na conformidade da legislação do Estado acreditado, incumbir as pessoas que contratem com o Estado acreditante ou com o Chefe da Missão.
Artigo 36
1. De acordo com leis e regulamentos que adote, o estado acreditado permitirá a entrada livre do pagamento de direitos aduaneiros, taxas e gravames conexos que não constituam despesas de armazenagem, transporte e outras relativas a serviços análogos;
a) dos objetos destinados ao uso oficial da missão;
b) dos objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático ou dos membros da sua família que com ele vivam, incluídos os bens destinados à sua instalação.
9. Tecnicamente, não se trata de imunidade tributária no conceito normalmente adotado pela doutrina, pois não se trata de limitação constitucional ao poder de tributar ligada diretamente ao exercício da competência tributária. Por ser instituto que afasta o crédito tributário por meio de tratado internacional, a que se confere status infraconstitucional no ordenamento jurídico interno, aproxima-se da isenção. Contudo, não se identifica com o conceito de isenção a que se refere o art. 175, I do CTN, não caracterizando a exclusão do crédito.
10. A Constituição Federal de 1988 impõe o respeito a tratados e convenções internacionais (art. 5º, §2º), enquanto o Direito Tributário reconhece força normativa aos tratados internacionais, com base no art. 98 do CTN, permitindo a incorporação ao ordenamento jurídico pátrio da regra da imunidade diplomática conferida aos agentes diplomáticos e aos Estados estrangeiros, positivada na Convenção de Viena de 1961.
10.1. A “imunidade” decorre dessa proibição de incidência tributária. É norma decorrente da imunidade de jurisdição estatal que abrange apenas os atos de império ou diplomáticos realizados pelo Estado estrangeiro. Assim, quando o Estado estrangeiro praticar atos de comércio, deverá ser tributado a não ser que exista a previsão de isenção tributária no ordenamento jurídico.
11. Independentemente da classificação adotada, a vedação à tributação prevista no art. 36 da Convenção de Viena de 1961 é instituto reconhecido pelo ordenamento pátrio que impede a tributação, em decorrência da imunidade de jurisdição que se confere aos Estados estrangeiros.
12. Aos Estados estrangeiros aplica-se imunidade de jurisdição (não ser julgado por outro Estado) e a imunidade de execução (não se submeter a medidas constritivas de execução do julgado em outro Estado). Como sintetizado por Paulo Henrique Gonçalves Portela (Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 165-167), a imunidade de jurisdição evoluiu da máxima de que “par in parem non habet judicium”, do que decorre que entre pares não há juiz. Dessa imunidade decorre a impossibilidade de que Estados estrangeiros sejam julgados por outros Estados contra a sua vontade. A imunidade de jurisdição, que já foi absoluta, passou a sofrer relativizações por parte da doutrina e da jurisprudência para abranger apenas os atos de império e diplomáticos, não alcançando a atuação das pessoas jurídicas de direito público externo em atos privados. A imunidade de execução, com base em entendimento que vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal, é absoluta. (Supremo Tribunal Federal. ACO 543 AgR, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 24.11.2006; ACO 645 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ de 17.08.2007).
12.1 A aplicabilidade do princípio da dupla imunidade aos Estados estrangeiros sob a ótica do Supremo Tribunal Federal é didaticamente explicitada em decisão, de 26 de agosto de 2013, proferida pelo professor e Ministro Celso de Mello, na Ação Cível Originária nº 709/São Paulo. O Ministro Celso de Mello aplicou a imunidade de jurisdição absoluta, e trouxe retrospectiva histórica do entendimento da corte sobre o tema, expondo seu posicionamento pessoal no sentido da possibilidade de relativização da imunidade de execução. Dada a pertinência da análise ao tema, colaciona-se trecho da decisão:
Impõe-se destacar, por isso mesmo, na linha dos precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 133/159 – RTJ 161/643-644 – RTJ 184/740-741), que deixará de prevalecer, excepcionalmente, a prerrogativa institucional da imunidade de jurisdição (imunidade à jurisdição cognitiva), sempre que o representante do Estado estrangeiro, por atuar em matéria de ordem estritamente privada (matéria laboral, p. ex.), intervier em domínio estranho àquele em que usualmente se praticam, no plano das relações diplomáticas e consulares, atos “jure imperii”.
Esse entendimento encontra fundamento, como já referido, em precedentes que o Supremo Tribunal Federal firmou já sob a égide da vigente Constituição […]
Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Federal, tratando-se da questão pertinente à imunidade de execução (matéria que não se confunde com o tema concernente à imunidade de jurisdição), continua, quanto a ela (imunidade de execução), a entendê-la como prerrogativa institucional de caráter mais abrangente (CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, “Curso de Direito Internacional Público”, vol. II/1.344, item n. 513, 14ª ed., 2002, Renovar, v.g.), ressalvada, no entanto, a hipótese excepcional de renúncia, por parte do Estado estrangeiro, à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens, tal como decidiu o Plenário desta Suprema Corte no julgamento da ACO 543-AgR/SP […]
Assinalo que fiquei vencido, na honrosa companhia dos eminentes Ministros AYRES BRITTO, RICARDO LEWANDOWSKI, JOAQUIM BARBOSA e CEZAR PELUSO, no julgamento da ACO 543-AgR/SP, no qual se reconheceu assistir ao Estado estrangeiro, de modo absoluto, imunidade à jurisdição executiva (imunidade de execução). Deixei consignado, então, em meu voto vencido, que a imunidade de execução, à semelhança do que sucede com a imunidade de jurisdição, também não constitui prerrogativa institucional absoluta que os Estados estrangeiros possam opor, quando instaurado, contra eles, perante o Poder Judiciário brasileiro, processo de execução […]
Sabemos que as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961, Artigos 23, 34 e 36) e sobre Relações Consulares (1963, Artigos 32, 49, 50, 60, 62 e 66) instituíram, em favor das Missões Diplomáticas e das Repartições Consulares, prerrogativas e privilégios vários, dentre os quais, a garantia de intributabilidade, cuja incidência, no entanto, depende da observância da cláusula de reciprocidade (“do ut des”), a significar, portanto, que as autoridades brasileiras deverão dispensar, em nosso País, àquelas representações e repartições estrangeiras, o mesmo tratamento que o Estado a que se acham vinculadas dispensar, em seu próprio território, às Missões Diplomáticas e às Repartições Consulares nele mantidas pelo Brasil. Caberia, portanto, à União Federal, presente o contexto subjacente a este processo de execução, demonstrar, ao Supremo Tribunal Federal, que o ora executado não proporciona, em seu próprio território, ao Brasil, o exercício dessa mesma garantia de intributabilidade, em ordem a tornar possível, desde que configurado eventual tratamento discriminatório, a aplicação, na espécie, da cláusula de reciprocidade. […]
Em consequência da orientação que tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal, e embora reafirmando respeitosa divergência, devo ajustar a minha compreensão da matéria ao princípio da colegialidade […]
12.2. No que interessa à resolução da questão, cumpre destacar que os Estados estrangeiros dispõem de imunidade de jurisdição tributária. Essa imunidade decorre não apenas da legislação interna (a partir da internalização dos tratados ao ordenamento interno), mas também de uma norma do costume internacional. A imunidade é baseada no princípio da igualdade entre os Estados e, ainda, na reciprocidade de tratamento que deve pautar as relações internacionais.
13. Ressalte-se que a imunidade de jurisdição tributária não é absoluta. Logo, limita-se ao disposto nos tratados internacionais. Daí decorre que, para aplicação da não incidência prevista no art. 23 da Convenção de Viena de 1961 deve ser observada a exceção prevista naquele dispositivo, a prever a tributação do “pagamento de serviços específicos”. Nesse sentido, colaciona-se trecho de julgado do Superior Tribunal de Justiça: Recurso Ordinário 138/RJ, Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, publicado em 19 de março de 2014:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ESTADO ESTRANGEIRO. CONVENÇÕES DE VIENA DE 1961 E DE 1963. IPTU E TAXA DE COLETA DOMICILIAR DE LIXO. SÚMULA VINCULANTE 19 DO STF. CABIMENTO EM TESE DE COBRANÇA DA TAXA. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. POSSÍVEL RENÚNCIA. NECESSIDADE DA CIÊNCIA DA DEMANDA.
1. Encontra-se pacificado na jurisprudência do STJ o entendimento de que os Estados estrangeiros possuem imunidade tributária e de jurisdição, segundo os preceitos das Convenções de Viena de 1961 (art. 23) e de 1963 (art. 32), que concedem isenção sobre impostos e taxas, ressalvadas aquelas decorrentes da prestação de serviços individualizados e específicos que lhes sejam prestados (RO 102/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 1°/7/2010; RO 45/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 28/11/2005, p. 240; EDcl no RO 43/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 14.4.2008).
2. Desse modo, inadmissível o prosseguimento do processo em relação ao IPTU. Contudo, solução diversa merece ser dada à exigência da Taxa de Coleta Domiciliar de Lixo, que decorre da prestação de serviço específico, conforme a hipótese de incidência descrita no art. 1° da Lei Municipal 2.687/1998. […] (grifou-se)
13.1 Assim, no caso, parte-se do pressuposto de que a liberação do pagamento de tributos aduaneiros observa os limites do art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
14. Em conclusão, a entrada de objetos livres do pagamento de direitos aduaneiros, com base no art. 36 Convenção de Viena de 1961, decorre da imunidade de jurisdição tributária, baseada no princípio da reciprocidade e na igualdade de tratamento entre os Estados, estando limitada à prática de atos de império ou diplomáticos e ao fixado pelos tratados de regência.
15. A interpretação da matéria deve ter por base também o costume internacional e o disposto no art. 98 do Código Tributário Nacional, que impõe a recepção sistemática das normas dispostas em tratados internacionais.
16. A interpretação deve levar em consideração a finalidade da imunidade de jurisdição tributária. Como exposto por G. E do Nascimento e Silva e Hidelbrando Accioly (Manual de Direito Internacional Público, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 104-105), uma dentre as principais consequências da igualdade entre os Estados é a de que nenhum Estado tem o direito de reclamar jurisdição sobre outro Estado soberano. Tem-se, portanto, que dentre os atos praticados pelo Estado, enquanto pessoa pública, os bens do Estado estrangeiro não devem ser sujeitos à jurisdição de outro Estado para evitar que o exercício da jurisdição seja utilizado como mecanismo de pressão de um Estado contra o outro. Daí decorre a necessária reciprocidade de tratamento e a igualdade para preservação da soberania de cada Estado.
17. A partir do exposto, pode-se depreender que a “entrada livre do pagamento de direitos aduaneiros” e “de acordo com leis e regulamentos que adote”, a que se refere o art. 36 da Convenção de Viena de 1961, não deve atrair a aplicação do disposto no art. 119 do Regulamento Aduaneiro (abaixo transcrito), e, tampouco, sua interpretação literal:
Art. 119. A concessão e o reconhecimento de qualquer incentivo ou benefício fiscal relativo ao imposto ficam condicionados à comprovação pelo contribuinte, pessoa física ou jurídica, da quitação de tributos e contribuições federais (Lei no 9.069, de 29 de junho de 1995, art. 60).
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: (Redação dada pelo Decreto nº 7.315, de 2010)
I – às importações efetuadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal, pelos Territórios e pelos Municípios; e (Incluído pelo Decreto nº 7.315, de 2010)
II – às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público, relativamente às importações vinculadas a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. (Incluído pelo Decreto nº 7.315, de 2010)
18. O caput do art. 119 é reprodução do art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995. O dispositivo prevê a comprovação de quitação de tributos federais como condição à concessão de qualquer incentivo ou benefício fiscal. O parágrafo único excepciona as hipóteses em que não se aplica o disposto no caput, sem se referir à hipótese do art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
19. O que ocorre é que há uma lacuna no parágrafo único do art. 119 do Regulamento Aduaneiro. O rol ali previsto não é exaustivo. A mera ausência de previsão no parágrafo único do art. 119, não basta para que se exija a certidão negativa. O dispositivo deve ser interpretado de forma sistêmica, em consonância com as demais normas do sistema tributário, aí incluídas as imunidades constitucionais tributárias e a imunidade de jurisdição de Estados estrangeiros.
20. Logo, deve prevalecer a interpretação sistemática dos artigos 23 de 36 da Convenção de Viena de 1961, consentânea com a prerrogativa de imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros.
21. Ademais, para o deslinde da controvérsia basta esclarecer que a norma do art. 36 da Convenção de Viena de 1961 não se enquadra no conceito de incentivo ou benefício fiscal para fins do disposto no art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995.
22. O art. 18 da Lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013, dispõe que a comprovação deve ser feita por meio de Certidão Negativa de Débitos – CND ou de Certidão Positiva de Débito com Efeitos de Negativa – CPD-EN válida, mas não traz limites conceituais aos conceitos de ” benefícios ou incentivos fiscais”. Não há, portanto, um conceito legal ou doutrinário uníssono quanto ao que seria um benefício ou incentivo fiscal.
22.1 Ainda assim, sabe-se que os benefícios fiscais devem vir previstos em lei específica, conforme art. 150, § 6º, da Constituição Federal. Ademais, os benefícios devem constituir tratamento diferenciado, em caráter não geral, conforme se depreende do art. 14, §1 º, da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF).
22.2 A tratar da matéria no âmbito do Direito Financeiro, sob a ótica dos gastos tributários, Elcio Fiori Henriques (O Gasto Tributário no Direito Brasileiro. Dissertação. Universidade de São Paulo. Tópicos Especiais de Finanças Públicas. Finanças Públicas. Tema II. XIV Prêmio Tesouro Nacional, 2009, p. 18) cita que o art. 14, §1º da LRF contribui para a construção de um conceito legal de benefícios fiscais no Brasil, conceito que não abrange as isenções concedidas em caráter geral.
22.3 A par da ausência de critérios doutrinários ou jurisprudenciais unânimes sobre a matéria, cita-se decisão do Supremo Tribunal Federal, em que se considerou que o benefício fiscal decorre de escolhas legislativas, instituindo-se por lei tratamento diferenciado com finalidades extrafiscais:
[…] AGRAVO DE INSTRUMENTO – IOF/CÂMBIO – DECRETO-LEI 2.434/88 (ART. 6.) – GUIAS DE IMPORTAÇÃO EXPEDIDAS EM PERÍODO ANTERIOR A 1º DE JULHO DE 1988 – INAPLICABILIDADE DA ISENÇÃO FISCAL – EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO – ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONÔMIA – INOCORRÊNCIA – NORMA LEGAL DESTITUIDA DE CONTEUDO ARBITRÁRIO – ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO – INADMISSIBILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO. – A isenção tributária concedida pelo art. 6º do DL 2.434/88, precisamente porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica, tendo presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes, como instrumento de ilegítima outorga de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes. A concessão desse benefício isencional traduz ato discricionário que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, destina-se, a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. – A exigência constitucional de lei formal para a veiculação de isenções em matéria tributária atua como insuperável obstáculo a postulação da parte recorrente, eis que a extensão dos benefícios isencionais, por via jurisdicional, encontra limitação absoluta no dogma da separação de poderes. Os magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário […]
(AI 138344 AgR, Relator(a):Min. Celso de Mello, Primeira Turma, julgado em 02.08.1994)
22.4 O próprio termo “benefício” traz a conotação de um tratamento diferenciado e favorecido, de leis específicas que pressupõem a liberalidade legislativa para alterar a regra-matriz de incidência tributária de forma discriminada.
22.5 Como cita Marcus Abraham (Curso de Direito Financeiro Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 364 e 365), os benefícios fiscais possuem caráter de exceção. Das renúncias fiscais decorrem, como efeitos concretos: a redução na arrecadação potencial, o aumento na disponibilidade econômico e financeira do contribuinte, um sistema de exceção à regra jurídica geral.
23. A imunidade de jurisdição tributária em que se baseia o disposto no art. 36 da Convenção de Viena de 1961, por sua vez, é instituto que atende ao princípio da igualdade e de tratamento recíproco. Nesse sentido, guardadas as diferenças conceituais, possui finalidade análoga à da imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. Não há a concessão da isenção a determinado Estado estrangeiro em detrimento de outro, tampouco tratamento diferenciado entre os países. Trata-se de norma imunizante que reafirma a reciprocidade e a igualdade de tratamento entre os Estados.
24. A norma que afasta a tributação é adotada em caráter geral, alcança todos os Estados estrangeiros indistintamente, pois, conforme exposto, decorre de princípios do Direito Internacional, e está diretamente ligada aos conceitos da soberania e da imunidade de jurisdição entre os Estados. Logo, não há que se falar na concessão de incentivo ou benefício fiscal.
25. Por fim, apenas a título de corroborar a argumentação, não há adequação, tampouco resultado útil, em se exigir a certidão negativa de débitos (com base no art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995) como condição à aplicação do art. 36 da Convenção de Viena de 1961, quando o Direito Internacional assegura aos Estados estrangeiros a imunidade de jurisdição tributária para os atos de império e a imunidade de execução quanto à cobrança desses créditos.
Conclusão
26. Por todo o exposto, conclui-se que não é exigível a comprovação de quitação de tributos federais por meio de certidão negativa, para fins de importação de objetos a que se aplique a norma do art. 36 da Convenção de Viena de 1961:
a) a vedação à tributação prevista no art. 36 da Convenção de Viena de 1961 decorre da imunidade de jurisdição tributária que se confere aos Estados estrangeiros.
b) a imunidade de jurisdição tributária é aplicável em caráter geral e indistintamente a todos os Estados estrangeiros, o que se estende às suas representações diplomáticas, e não caracteriza a concessão de incentivo ou benefício fiscal para fins do disposto no art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995;
c) ausente a concessão de incentivo ou benefício fiscal, não é aplicável a exigência do art. 60 da Lei nº 9.069, de 1995, para fins de importação de objetos com a aplicação do art. 36 da Convenção de Viena de 1961.
MAÍRA ACOTIRENE DARIO DA CRUZ
Auditora- Fiscal da RFB
De acordo. À consideração da Coordenadora da Copen.
EDUARDO GABRIEL DE GÓES VIEIRA FERREIRA FOGAÇA
Auditor-Fiscal da RFB
Chefe da Dinog
De acordo. À consideração do Coordenador-Geral de Tributação.
MIRZA MENDES REIS
Auditora-Fiscal da RFB
Coordenadora da Copen
De acordo. À consideração do Subsecretário de Tributação e Contencioso.
FERNANDO MOMBELLI
Auditor-Fiscal da RFB
Coordenador-Geral de Tributação
De acordo. Encaminhe-se ao Secretário da Receita Federal do Brasil, para aprovação.
LUIZ FERNANDO TEIXEIRA NUNES
Auditor-Fiscal da RFB
Subsecretário de Tributação e Contencioso
Aprovo.
JORGE ANTONIO DEHER RACHID
Secretário da Receita Federal do Brasil