O sistema tributário brasileiro é caótico, principalmente à luz das sucessivas emendas constitucionais, que o maltrataram, com superposições de incidências e elevado nível de complexidade. Gera um custo fantástico de administração para contribuintes e para os diversos Erários, facilitando a sonegação dolosa e impondo, para muitos setores, a inadimplência sobrevivencial, como forma de evitar a falência. A primeira revolução tributária no Brasil deu-se com a edição da E.C. n. 18/65, do Código Tributário Nacional, em 1966, e da Constituição de 1967. Sistematizou-se o novo ramo do direito, com normas hierarquizadas. Assim é que à maior explicitação do sistema pela Constituição (E.C. 18/65, CF 67 e EC n. 1/69) correspondeu a criação de uma lei – com eficácia de lei complementar – destinada a ordenar a legislação dos diversos entes federativos.
Em 1988, a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro, conformou de vez uma ordem tributária – dividida em seis partes: cinco no sistema tributário propriamente dito (artigos 145 a 156) e uma na ordem social (artigo 195) – com princípios gerais (145 a 149), limitações constitucionais ao poder de tributar (artigos 150/152), impostos federais (153 e 154), estaduais (155), municipais (156) e contribuições sociais (195). Tão logo promulgada a lei suprema, já começaram as críticas, não à parte principiológica, mas à dos tributos em espécie, diversos projetos tendo sido apresentadas pelos governos Collor, Itamar, FHC e Lula, mas nenhum deles logrou êxito. Atribuo esses fracassos ao fato de tais projetos trazerem conformações globais do sistema, gerando uma “cadeia de anticorpos”, no Parlamento, contrária à sua aprovação, visto que os grupos de parlamentares opositores se auto apoiavam e se revezavam no torpedeamento a qualquer proposta. Os principais problemas então detectados, disseram respeito ao princípio da não cumulatividade, complexidade fiscal, guerra fiscal entre estados e municípios (ICMS e ISS), a superposição de incidências (IPI, ICMS, ISS, Cofins, PIS e CIDES), além de outros de menor magnitude. A Emenda Constitucional nº 42/03 foi mais um remendo que a Constituição recebeu do Congresso Nacional, com poderes constituintes derivados, que sempre trouxeram permanente “contribuição de pioria” ao texto aprovado em 1988. Sua origem reside no PEC 41/03, que sofreu alterações profundas, desde sua apresentação e discussão na Câmara e no Senado, com algumas amputações necessárias (progressividade do imposto sobre operações não onerosas e imposto sobre transmissão imobiliária onerosa) e alterações de ocasião, tendo sido reduzido, de rigor, à prorrogação da CPMF e à desvinculação da receita da União, assim como transferência de parte da CIDE para Estados e Municípios, além da inserção de alguns dispositivos “explicitadores” do que já existia no texto constitucional. Prorrogou-se, por outro lado, a discussão do grande desafio, que é equacionar os problemas provocados pelo ICMS. Aliás, tenho para mim que o maior problema reside na guerra fiscal entre os Estados. Um imposto de vocação nacional, como é o caso do ICMS, não poderia ter sido regionalizado, como foi, desde o antigo IVC, eis que, pelo princípio da não cumulatividade, incentivos dados em um Estado terminam refletindo, nas operações interestaduais, em outros. Em consequência, o Estado que os concede oferta melhores condições de competitividade às empresas estabelecidas em seu território, em detrimento das que se encontram sediadas em outros Estados. Outro problema é a acumulação de incidências. A União Europeia adota um único tributo circulatório sobre bens e serviços para todas os estados que a compõem, ou seja, o IVA (imposto sobre o valor agregado).
No Brasil, temos, sobre a circulação de bens e serviços, a incidência de variados tributos (IPI, ICMS, ISS, COFINS, PIS, CIDES) além dos impostos regulatórios de importação e exportação. Uma simplificação neste sentido seria interessante. Talvez a criação de um IVA nacional pertencente à Federação, com a incorporação do IPI, ICMS e ISS – como propus ao tempo da revisão constitucional de 1993 – e partilhado entre União, estados e municípios pudesse ser a solução. Alemanha tem no IVA, no Imposto de Renda e no tributo das corporações mais de 90% de sua receita. Portugal segue praticamente o mesmo percentual. Nada justifica no Brasil tal complexidade, com 12 impostos, no sistema, com esferas de tributação autônomas (União, Estados e Municípios) e, muitas vezes, superposição de incidências, como no IPI, ICMS, COFINS, PIS, estes últimos tributos incidentes também sobre operações sujeitas ao ISS. Desoneração da folha de pagamentos é, além disso, um outro caminho relevante, visto que o Brasil, em encargos sociais, bate todos os emergentes e a maior parte dos países desenvolvidos. Não é possível concorrer com a China, Rússia e Índia, onde os encargos sociais e a carga tributária são quase a metade dos do Brasil, se considerarmos a média dos três países em conjunto (visto que é maior na Rússia e menor na China e na Índia). Coreia do Sul, EUA tem pouco mais de 2/3 da carga brasileira e são dos países mais competitivos. Por fim, descomplicar a legislação e simplificar o sistema é fundamental, para que não se perca tanto tempo para cumprir obrigações tributárias. O sistema necessita, pois, urgentemente, ser mudado.
Ives Gandra da Silva Martins é Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e Rio Grande do Sul, Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO – SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS.