Acusados de sonegação de impostos em importações de produtos (crime de descaminho) não serão mais obrigados a recorrer até o Supremo Tribunal Federal (STF) para obter absolvição por meio da aplicação do princípio de insignificância. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou entendimento sobre a questão, por meio de repetitivos, para passar a seguir os ministros do STF, que têm perdoado dívidas fiscais de até R$ 20 mil.
Até então, o STJ utilizava o limite de R$ 10 mil, previsto no artigo 20 da Lei nº 10.522, de 2002. O teto menor foi adotado em 2009 e mantido em 2014, mesmo depois de o STF passar a utilizar o valor de R$ 20 mil, estabelecido em 2012 como o mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais pelas portarias 75 e 130, do Ministério da Fazenda.
O entendimento anterior dos ministros da 3ª Seção (5ª e 6ª Turma), especializada em processos criminais, era o de que o limite não poderia ser alterado por norma hierarquicamente inferior. O que obrigava, na prática, advogados e a Defensoria Pública da União (DPU) a levar casos até o Supremo para obter absolvição a acusados.
Na semana passada, porém, por maioria de votos, a 3ª Seção decidiu se render ao entendimento do Supremo, com base em pedido de revisão de tese proposto pelo ministro Sebastião Reis Júnior, da 6ª Turma.
Relator dos repetitivos, ele levou em consideração os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos dos artigos 927, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, e 256-S do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (Emenda Regimental nº 24/2016).
A tese adotada foi a de que “incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20 mil, a teor do disposto no artigo 20 da Lei nº 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda”.
Ficaram vencidos os ministros Ribeiro Dantas, Felix Fischer e Maria Thereza de Assis Moura, que consideraram o valor adotado exagerado. Mesmo entendimento tem o Ministério Público Federal (MPF), que foi chamado a se pronunciar nos recursos repetitivos.
O órgão defendia a manutenção do valor de R$ 10 mil pelo STJ. Na manifestação, a subprocuradora-geral da República, Maria das Mercês de Castro Gordilho Aras, afirma que o montante de R$ 20 mil “se mostra excessivamente vultoso, sobretudo quando comparado ao valor do salário mínimo vigente no país, inferior a R$ 1 mil”.
O MPF também considera que as portarias do Ministério da Fazenda – meros atos administrativos – não poderiam modificar dispositivos de lei federal, que só podem ser alterados mediante o processo legislativo previsto na Constituição da República, cuja competência é exclusiva do Congresso Nacional.
Uma das decisões foi dada em recurso da Defensoria Pública da União. No caso (REsp nº 1. 709.029), a Receita Federal estimou os tributos devidos em R$ 12.169,00. Em primeira instância, o juiz absolveu sumariamente o acusado, com base no princípio da insignificância. O Ministério Público Federal, porém, interpôs recurso e conseguiu reverter a decisão, com a aplicação do valor de R$ 10 mil utilizado pelo STJ.
No outro caso analisado pela 3ª Seção (REsp nº 1.688.878), a acusada foi condenada, em primeira instância, a dois anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos. Ao recorrer, a defesa obteve aplicação do princípio da insignificância, com base no teto de R$ 20 mil.
Para especialistas, a decisão do STJ acaba com o problema e não teria mais sentido o Ministério Público Federal levar nem mesmo casos para a segunda instância. Tudo poderia ser resolvido pelo juiz de primeira instância.
“O que é dito por uma Corte constitucional deve ser seguido pelas demais instâncias”, diz o advogado Artur Ricardo Ratc, do Ratc & Gueogjian Advogados. “Vai ao encontro da política da celeridade processual e da duração razoável do processo.”
Por Arthur Rosa | De São Paulo
Fonte : Valor-05/03/2018