A atual discussão sobre reforma tributária no Brasil tem abordado distintas dimensões. As principais são a simplificação do sistema e a priorização dos tributos indiretos ou sobre as receitas. Quanto ao Imposto de Renda (IR), limitamo-nos a discutir a tributação ou não sobre os dividendos e a mudança da sua incidência sobre o lucro presumido e sobre as pequenas e médias empresas – em um viés claro de aumento de carga desse tributo, o que ora foi posto em xeque pela reforma tributária norte-americana.
Há uma tendência à valorização da tributação indireta como um meio para ampliar a base tributária, partindo da premissa de que o imposto direto por excelência, o IR, estaria perdendo seu potencial arrecadatório. Paralelamente, há uma macrotendência de absorção das diretrizes do BEPS/OCDE (iniciativa de prevenção da erosão de bases tributárias e do deslocamento de lucros para países de menor tributação) na legislação interna de cada país, porém com um viés anti-elisivo.
A recente reforma tributária norte-americana, mais que promover uma guerra fiscal de amplitude global pela redução das alíquotas, deve ser antes percebida como um exemplo do que a criatividade do legislador pode alcançar ao aperfeiçoar um sistema antes considerado semiobsoleto, tornando-o moderno, e possivelmente mais eficaz.
A reforma tributária dos EUA, mais que promover uma guerra fiscal de amplitude global, deve ser antes percebida como um exemplo
Obviamente devemos relativizar a realidade econômica de cada país, mas é óbvio a todos que a nossa política de tributação da renda internacional, firmada a partir de 1996, é um entrave à internacionalização de nossas empresas, afetando diretamente a sua competitividade global. Nossa legislação é indiferente à economia digital e a riqueza dos intangíveis.
A leitura dos textos discutidos na Câmara e no Senado dos EUA nos apresentam as ideias que enriqueceriam o nosso debate. Exemplificando: adotaram três diretrizes relacionadas ao BEPS, quais fossem, a tributação sobre a renda diferida em outros países, a tributação sobre a renda futura acumulada em outros países e a tributação sobre a renda presumida de pagamentos efetuados a partes relacionadas, buscando reduzir os desequilíbrios existentes entre empresas de diferentes matizes.
Primeiramente, os legisladores debruçaram-se sobre a acumulação de lucros em países com baixa tributação, cuja importância cresceu tanto quanto os lucros auferidos pelas empresas da denominada economia digital. Optaram por reduzir a carga final incidente, pois a maior parte das multinacionais não tinha reservas ou provisões para fazer frente a tais pagamentos imediatamente. O resultado é que foi dado um grande incentivo para que houvesse a repatriação de lucros no curto prazo.
Quanto à segunda, buscaram evitar que tal situação ocorresse no futuro. Estudou gatilhos para a incidência de alíquotas mais elevadas, em função dos ativos fixos (tangíveis) depreciáveis. A partir de determinado nível percentual de retorno agregado das CFC’s (empresas controladas no exterior), calculado sobre essa base de ativos, incidiria a alíquota adicional, independentemente de sua repatriação. Isso resultaria em que as empresas que tivessem transferido não apenas lucros, mas também ativos (substância), teriam tratamento tributário melhor.
Finalmente, outras soluções foram apresentadas para prevenir a erosão da base tributária. Exemplo interessante do texto da Câmara foi prescrever a indedutibilidade dos juros que superassem 30% do Ebitda (lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização), o que se não fora uma inovação per si, fora uma solução.
Eliminaria, por exemplo, a distorção contida na regra de thin capitalization brasileira, que calcula os limites de isenção sobre o patrimônio líquido, esse que sofre ajustes principalmente em função de lucros não realizados. Outro exemplo, a vedação da dedutibilidade dos juros quando o nível de alavancagem da empresa superasse o teto de 10%, calculado sobre a média da alavancagem de todo o grupo empresarial.
Outra interessante ideia foi a criação do denominado GILTI, ou “imposto sobre intangíveis globais”, em tradução livre, e que foi aprovado ao final. Pelo texto, o acionista norte-americano de qualquer CFC deve incluir na renda tributável o excesso de renda, denominada tested income (renda testada), correspondente a um percentual do somatório da sua participação pro rata do denominado “investimento qualificado em ativos”.
A taxa futura do GILTI seria determinada pela alíquota geral (21%) permitindo-se uma dedução de até 50%, inclusive de créditos tributários decorrentes de pagamentos feitos no exterior. Isso significa que empresas da economia digital, por exemplo, deveriam pagar mais impostos que as empresas com maiores ativos tangíveis no exterior, já que sua renda em maior parte seria derivada de intangíveis.
Além dessas – apenas alguns exemplos da riqueza da discussão -, há outras inovações em matéria de legislação tributária que foram discutidas e que poderiam ser estudadas pelos nossos legisladores, bastando para tanto que pensem “fora da caixa” e desprovidos dos conceitos e preconceitos contra empresas, lucros e seus países de origem.
Por Gileno Barreto.
Gileno Barreto é advogado, MBA e mestrando em direito tributário internacional e ex-conselheiro do Carf e da CSRF.
Fonte : Valor – 05/03/2018.