Ainda que o foco principal do presente estudo esteja direcionado para as questões tributárias, é preciso advertir para que não se deixe de lado a avaliação dos negócios jurídicos em que esses efeitos (“ganhos” ou “perdas” de capital) são experimentados. Essa mesma advertência precisa ecoar pelo universo coberto pela ciência contábil, pois não é concebível avançar na investigação dessa matéria sem que estejam presentes os critérios contábeis para a quantificação desses resultados, assim como os efeitos das mutações patrimoniais decorrentes desses negócios jurídicos e de suas condicionantes. Essas ponderações iniciais não buscam isolar o resultado das conclusões alcançadas em cada uma dessas análises. Pelo contrário, é preciso que essa avaliação seja integrada, conjugando-se a investigação do negócio jurídico praticado pela empresa tanto no plano da existência, como também no plano da eficácia dos atos que o formalizam. Isto porque, é da abstração desse conteúdo e da natureza dos fatos revelados em cada negócio jurídico que o intérprete deve revelar os comandos que vão nortear o adequado relato pela linguagem contábil, assim como dessa completa avaliação é que pode extrair a norma tributária pertinente para abarcar os seus efeitos. Evidente que toda essa reflexão não pode descurar das peculiaridades que caracterizam o sistema tributário brasileiro como extremamente rígido, de estrutura ímpar, não comparável a qualquer outro sistema tributário que se tem conhecimento. Essa rigidez começa pela excessiva particularização, por meio de regras deliberadamente colocadas no plano constitucional, não só das matérias passíveis de serem tomadas como base de incidência dos distintos tributos ali previstos, como também dos sujeitos passivos que devem ser alcançados pelas diferentes regras de incidência a serem criadas pelos respectivos legisladores competentes. Sim, há um estreito caminho a ser percorrido pelo legislador ordinário de cada ente tributante, delimitado por barreiras constitucionais especialmente colocadas para impedir qualquer abuso ou criatividade. É nesse contexto que aparecem as diretrizes constitucionais para a tributação da “renda” pelo legislador da União, vocábulo (“renda”) que, na perspectiva da pessoa jurídica, é traduzido pelo conceito lato de lucro. Ainda que não tenha o constituinte avançado para explicitar o que se deve entender por “renda”, é convergente o entendimento na doutrina e na jurisprudência no sentido de que há um conceito constitucional pressuposto para esse vocábulo, podendo ser anunciado como o acréscimo de riqueza nova, medido em determinado período de tempo, que assegure disponibilidade ao seu titular e beneficiário. Portanto, acréscimo, periodicidade e disponibilidade são notas qualificadoras do conceito constitucional pressuposto para “renda”, no seu sentido amplo.
A anunciada rigidez constitucional impõe outras diretrizes que têm como primeiro destinatário o legislador da União, ao determinar que a lei voltada para criar a regra de incidência do imposto sobre a renda seja estruturada de forma a observar os critérios da generalidade (alcançar todas as pessoas dotadas de capacidade contributiva), da universalidade (incidir sobre todas as rendas do sujeito passivo, sendo irrelevante o lugar em que é exteriorizada), assim como da progressividade (alíquotas não podem ser proporcionais, e sim majoradas na medida em que aumenta a base de cálculo).
É com olhos voltados para essas amarras de nosso sistema tributário que avançamos nessa breve reflexão sobre o tratamento da legislação tributária vigente para os “ganhos” e “perdas” de capital, na perspectiva da interferência desses resultados na determinação do lucro das pessoas jurídicas, sujeito à tributação pelo imposto de renda (IRPJ).
José Antonio Minatel é Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-São Paulo (SP); professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC-Campinas. Advogado.