É notório o aumento das atividades relacionadas ao fomento das chamadas startups, em especial o fenômeno do investimento-anjo. Nesse sentido, os legisladores têm corrido para normatizar essa questão, o que resultou na promulgação da Lei Complementar n° 155, de 27 de outubro de 2016 (LC 155/16), a qual acrescentou os artigos 61-A, 61-B, 61-C e 61-D à Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006, por sua vez conhecida como o “Estatuto da Micro e Pequena Empresa”.
Tal alteração acabou por normatizar o que é considerado investimento-anjo – o que parecia ser um alento ao mercado e aos investidores-anjos, principalmente no que se refere à limitação de responsabilidade desses últimos em relação às obrigações das startups investidas.
Como não poderia deixar de ser, logo veio a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) para tratar sobre a tributação desse tipo de investimento, até mesmo porque isso era uma decorrência da própria Lei Complementar acima referida, em vista do § 10 do artigo 61-A, pelo qual o “Ministério da Fazenda poderá regulamentar a tributação sobre a retirada do capital investido”.
O problema não é se haverá incidência de tributos sobre o investimento-anjo, mas sim a definição legal do que vem a ser esse tipo de investimento
Foi aí que todo o imbróglio começou. A RFB editou a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (IN/RFB) n° 1.719, de 19 de julho de 2017, pela qual os rendimentos obtidos pelos investidores-anjos estariam sujeitos à tributação pelo imposto sobre a renda de pessoa física, devendo, pois, tal imposto ser retido na fonte com base em alíquotas entre 15% e 22,5%, conforme o tempo decorrido do investimento.
A partir da edição dessa IN/RFB, o ecossistema formado por startups, investidores-anjos e venture capitalists entrou em ebulição, tornando-se palco para todo tipo de manifestação no sentido de que a tributação atrapalharia o fomento das startups.
No fim do ano de 2017, o Senador Álvaro Dias propôs um Projeto de Lei Complementar, PLS n° 494/2017, pelo qual, se aprovado na íntegra, os rendimentos auferidos pelos investidores-anjos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, não poderão ser tributados pelo Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas (IRPF) e de pessoas jurídicas (IRPJ), nem tampouco pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ou pela Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
O ecossistema voltou a reagir, agora de maneira positiva, aplaudindo a iniciativa do ilustre senador, que, realmente teve a melhor das intenções.
Todavia, tanto na época da edição da IN/RFB quanto agora, o que muita gente deixou de observar é a pouca efetividade da tributação ou da pretensa desoneração sobre a realidade do investimento-anjo no Brasil. Isto porque, tanto uma norma quanto a outra versam exclusivamente sobre o “investimento-anjo” definido em lei, ou seja, é o investimento feito apenas em startups enquadradas como empresas de pequeno ou microempresas e mediante a utilização, exclusiva, do “contrato de participação” previsto no artigo 61-A da LC 123/06.
Importante destacar, entretanto, que o “investimento-anjo” descrito na lei não é o investimento-anjo que conhecemos na prática e amplamente utilizado no ecossistema, pois os critérios e limitações definidos na LC 123/06, por si só, desestimulam os investidores-anjos a arriscarem suas reservas nesse modelo ora definido em lei.
Apenas para ilustrar um desses desestímulos, o § 7º do artigo 61-A da Lei Complementar em comento prevê que, na hipótese de “resgate” do investimento, o investidor-anjo só poderá reaver o valor investido, acrescido de correção por índice de inflação elegido contratualmente. Isto vai em direção contrária aos interesses dos investidores, pois esses normalmente objetivam retorno equivalente a, no mínimo, o dobro ou triplo do capital, sendo essa uma das razões pelas quais tal instrumento contratual não vingou no ecossistema.
Em outras palavras, tanto a IN/RFB quanto a eventual desoneração fiscal trazida por uma futura aprovação do PLS n° 494/2017 não se aplicam aos rendimentos oriundos dos contratos de mútuo conversível – instrumento jurídico de praxe utilizados pelos investidores-anjos – nem aos ganhos de capital e dividendos recebidos por investidores na qualidade de sócios de uma startup.
Portanto, o problema não é se haverá a incidência ou não de tributos sobre o investimento-anjo, mas sim a definição legal do que vem a ser esse tipo de investimento. E isso deve ser revisto urgentemente pelos legisladores, pois do contrário, todos os esforços legislativos terão sido em vão.
Por Rafael Younis Marques
Rafael Younis Marques é sócio de sócio de Machado Nunes Advogados e autor do livro “Notas Conversíveis no Equity Crowdfunding”
Fonte : Valor Econômico – 23/02/2018.