Os planos de opções de compra de ações, ou stock options plans (SOP), foram desenvolvidos e aplicados por empresas nos Estados Unidos ao longo de décadas[1].O conceito é simples:conceder ao empregado a oportunidade de adquirir parte da empresa para que participem do negócio como donos, envolvendo todos diretamente aos resultados financeiros obtidos e, consequentemente, aos riscos do mercado.
De acordo com o Barron’s Dictionary of Legal Terms, o stock options, de maneira sintética, se resume a ‘’outorga a um indivíduo do direito de comprar, em uma data futura, ações de uma sociedade por um preço especificado ao tempo em que a opção lhe é conferida, e não ao tempo em que as ações são adquiridas’’[2].
Nesse sentido, as SOP são opções de compra de ações concedidas aos empregados, administradores ou prestadores de serviços de determinada empresa, que têm por função conceder ao colaborador a possibilidade de adquirir ações da empresa por valor prefixado, com ou sem desconto sobre o preço de mercado, podendo vendê-las no mercado aberto depois de concretizada a aquisição (período de carência).
No Brasil, a primeira norma a tratar sobre as opções de compra de ações, de forma genérica,foi disciplinada através do artigo 48 da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965[3]. Posteriormente, com a edição do parágrafo 3º, do artigo 168 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976[4], foi estabelecido que o estatuto da empresa poderá prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opções de compra de ações a seus administradores ou empregados ou pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.
Em geral, para a formação do plano de opções de ações, são definidas regras, procedimentos e critérios para a sua produção de efeitos. Os planos são detalhados, na maioria das vezes, com informações acerca do tipo de ação a ser concedida, período de carência a ser respeitado, prazo de exercício da opção, dentre outros procedimentos a serem cumpridos para a execução do plano.
Cumpre salientar ainda que, a decisão em participar ou não do plano de opções de ações oferecido pela empresa é de cunho do empregado – elegível ao plano – que, por sua vez, na figura de investidor, deve considerar a conjuntura política e econômica e a volatilidade do mercado de ações que o país percorrerá durante o período de carência do plano.
As SOPs foram muito utilizadas nas décadas de 90 e 2.000 como instrumento de partilhar lucros e disseminar a cultura de o empregado se sentir dono da empresa. Recentemente, porém, as empresas se viram forçadas a rever a forma de remuneração variável dos seus empregados, especialmente das SOPs, após algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) terem mantido as autuações lavradas contra as empresas por não terem oferecido à tributação da folha de pagamentos os valores correspondentes às ações ou o valor de sua venda.
Com efeito, a revisão e aprimoramento dos SOPs se fez necessária em razão da implementação do eSocial, da reforma trabalhista, e, principalmente, da elevada carga tributária incidente sobre a remuneração, que gira entre 30% e 40% do valor dos rendimentos do trabalho auferidos pelo empregado.
Essa tributação elevada é composta pela contribuição previdenciária patronal[5], contribuição destinadas ao Seguro Acidente do Trabalho (SAT)[6] e as contribuições destinadas a terceiras entidades (Sistema S)[7], além do FGTS em favor do empregado.
Para o Direito do Trabalho, os “rendimentos do trabalho” são gênero, do qual o salário (contraprestação paga pelo empregador ao empregado), a gorjeta (contraprestação paga por terceiro ao empregado) e os rendimentos do trabalho não assalariado (contraprestação paga pelo tomador ao avulso ou autônomo e pela entidade a seu dirigente ou administrador) são espécies.
Em todas as modalidades (espécies) possíveis, o “rendimento do trabalho” deve ter necessária natureza de contraprestação por um serviço por parte do empregado, autônomo, avulso, dirigente ou administrador. Por tal motivo, quando se fala em contribuição incidente sobre a folha de salário e demais rendimentos do trabalho[8], deve-se considerar que a competência da União para tributar o empregador ou tomador do serviço circunscreve-se aos montantes pagos por eles como contraprestação a um serviço que lhe fora executado.
A relação de emprego a que se refere o artigo 22 da Lei 8.212/91 é formada por contrato de trabalho, consistente em acordo tácito ou expresso no qual a contratante e contratado estabelecem direitos e obrigações recíprocas[9].
Não obstante a relação entre as partes se iniciarem através de um contrato de trabalho, as operações e seus ganhos e/ou perdas decorrentes do plano de opções de ações da empresa não são regidas pelo contrato de trabalho, motivo pelo qual não há o que se falar incidência de contribuições sobre a folha de salários. Senão vejamos.
Os planos de opções de compra de ações nada mais são do que oportunidades de investimentos sujeitos aos riscos e volatilidade do mercado inerentes às referidas operações financeiras. Nesse sentido, se posicionam Amauri Mascaro do Nascimento[10] e Sérgio Pinto Martins[11], justificando que a relação estabelecida no âmbito dos SOP trata-se de relação mercantil ligada a uma operação financeira.
Desta feita, é preciso analisar sobre qual prisma está sedimentada a relação entre as partes no âmbito dos planos de opções de compra de ações. A depender do objeto do contrato, este poderá assumir caráter administrativo, consumerista, civil (mercantil) ou trabalhista[12].
A questão controvertida nos tribunais administrativos e judiciais resta no reconhecimento da relação mercantil, para os contribuintes, e trabalhista para órgãos fazendários. Assim, de forma concisa, a análise em voga deve-se restringir entre o contrato mercantil e trabalhista.
Os contratos mercantis revestem-se de ajustes de vontades decorrentes de relações empresariais em que uma das partes tem por objetivo benefício econômico por meio de negócio jurídico celebrado com a outra parte. Tem-se, assim, por principal característica a atividade econômica empresarial, que gera obrigação de dar às partes contratantes.
Por outro lado, no plano do contrato de trabalho, é requisito crucial que as partes estejam enquadradas nos requisitos impostos pelo artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho[13]. Ou seja, para que exista vínculo trabalhista, é necessário analisar se no contrato há subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade. Ausente qualquer destes requisitos, não há contrato de trabalho.
Outrossim, diferentemente do contrato mercantil, o trabalhista se resolve pela obrigação de fazer do empregado.
Nos SOPs, uma das partes (vendedor – condição exercida pelo empregador) é obrigada a transferir o domínio de uma coisa (obrigação de dar referente as ações da empresa) a outra (comprador – condição exercida pelo empregado), mediante pagamento (definido no plano), por esta, de certo preço em dinheiro e em momento definido (exercício). Ademais, o comprador (condição do empregado) elegível ao plano tem autonomia em adquirir ou não as ações oferecidas mediante exercício de seu direito de opção, uma vez que esse tipo de operação oferece risco de perda patrimonial.
Nessa relação não estão presentes as características vislumbradas pelo artigo 3º da CLT, uma vez que a condição para a concretização do objeto não está na prestação do serviço pelo empregado, mas sim da paga por este ao empregador. Não bastasse isso, ante ao risco patrimonial advindo da volatilidade do mercado, é inequívoca a independência do empregado em relação ao empregador, não configurando-se a subordinação, requisito essencial para a existência de um contrato de trabalho.
Mostra-se, portanto, cristalino que os pagamentos realizados no plano de opções de ações tenham caráter puramente comercial, estando sob o prisma de um contrato mercantil firmado entre empregador e empregado/prestador de serviços.
Entretanto, cumpre esclarecer que se a opção de compra de ações for concedida de forma gratuita, por óbvio, não existe desembolso (compra) pelo empregado, descaracterizando-se o objeto do contrato mercantil e, ainda, eliminando-se o risco da volatilidade do mercado compartilhado com o empregado, podendo, assim, ser caracterizado pelo fisco como salário-utilidade[14] ou como bônus/prêmio e, portanto, como remuneração sujeita à tributação da folha de pagamentos acima apontada.
Por outro lado, como dito, nos planos os quais o empregado ou prestador de serviços precisa desembolsar certa quantia para a aquisição da ação, com ou sem desconto no preço do papel adotado pela empresa, não se trata de pagamento de verba remuneratória e sim de um contrato mercantil. Essa tem sido a interpretação feita pelos tribunais administrativos e judiciais. Confira-se:
“STOCK OPTION PLANS. PLANO OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES SEM PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DA EMPREGADORA. NATUREZA NÃO REMUNERATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
Nos casos de opção de compra de ações das empregadoras pelos empregados ou diretores sem apoio financeiro daquelas, mediante preço representativo ao de mercado, não considera-se remuneração, nem fato gerador de contribuições previdenciárias, pois representam apenas um ato negocial da esfera civil/empresarial.”
(Acórdão Carf 2803-03.815 – 3ª Turma Especial – Sessão de 05.11.2014)
“Embora o contrato de concessão da opção por ações possa ser decorrido da prestação de serviços,trata-se, em sua origem conceitual, em regra, de típico contrato mercantil,desde que envolva riscos desde a sua concepção, submetendo o trabalhador à volatilidade do mercado e a risco que estaria totalmente fora do controle da empresa e do próprio trabalhador(…).”
(Acórdão CARF 2401003.891 – 4ª Câmara/1ª Turma Ordinária – Sessão de 11.02.2015)
PROCESSO CIVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO. INADMISSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS.
(..) 2. A decisão monocrática foi ratificada pela 5ª Turma no julgamento do agravo legal (fls. 336/339). Dessa forma, houve decisão colegiada que fixou o entendimento que o Programa de Opção de Compra de Ações (stock options) praticada pela parte autora não importa em retribuição laboral, não integrando a base de cálculo da contribuição, sob o fundamento de que o caráter voluntário da adesão ao referido benefício descaracteriza a sua alegada natureza salarial. (…)
(TRF 3 – 0021090-58.2012.4.03.6100 – 5ª Turma – Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW – 16.03.2017)
“Stock options consiste na possibilidade do empregado comprar ações da empresa em que ele trabalha, por valor prefixado em valor geralmente menor que o de mercado, após um período de carência estipulado previamente. Tal possibilidade decorre da relação de emprego existente entre a empresa e seus empregados, sugerindo a ocorrência de uma retribuição pelo trabalho.
No entanto, o acréscimo patrimonial percebido decorre de um contrato mercantil, não cuidando de uma remuneração pelo trabalho realizado pelo empregado, afastando a incidência da contribuição previdenciária estabelecida pelo artigo 22, I, da Lei 8.212/91.
Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA […]STOCK OPTIONS.[…]
XI – Stock options correspondem a opção de compra futura de ações da empresa pelo empregado, por valor prefixado, em geral abaixo do preço de mercado, após período de carência previamente estipulado. O acréscimo patrimonial percebido a final decorre do contrato mercantil e não da remuneração pela força de trabalho do empregado, o que afasta a incidência da contribuição previdenciária estabelecida pelo art. 22, I, da Lei nº 8.212/91.[…]
XXIII – Remessa oficial e apelação do impetrante parcialmente providas. Apelação da União desprovida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AMS 00177625220144036100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, Julgado em 19/07/2016, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/07/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO).
Diante do exposto, dou parcial provimento à remessa oficial para explicitar os critérios de compensação, dou parcial provimento à apelação da impetrante por reconhecer a inexigibilidade da exação em debate sobre verba a título de ausência permitida ao trabalho, ticket lanche e refeição, salário contribuição na forma de “Stock Options”,(…)”
(TRF3- DES.FED.COTRIM GUIMARAES – Proc. Nº 0007172-79.2015.4.03.6100/SP – 07.04.2017)
Portanto, em consonância ao ordenamento jurídico brasileiro e ao posicionamento dos tribunais administrativos e judiciais, os pagamentos realizados no âmbito dos planos de opções de compra de ações (SOP) não podem ser oferecidos à tributação previdenciária, uma vez que o acréscimo patrimonial percebido decorre de contrato de natureza puramente mercantil e não de contraprestação pelo trabalho realizado.
[1] http://www.menke.com/blog/the-origin-and-history-of-the-esop-and-its-future-role-as-a-business-succession-tool/; https://hbr.org/1987/09/how-well-is-employee-ownership-working
[2] Britto, Felipe Lorenzi de. Stock Options: os planos de opção de compra de ações/ Felipe Lorenzi de Britto, Fernanda Balieiro Figueiredo, Iva Maria Souza Bueno. São Paulo: Almedina, 2017.
[3] Art. 48 – Nas condições previstas no estatuto ou aprovadas pela assembleia geral, a sociedade poderá assegurar opções para a subscrição futura de ações do capital autorizado.
[4] Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária. § 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.
[5] Lei 8.212/91: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.”
[6] Lei 8.212/91: “Art. 22, inciso II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.”
[7] Artigos 149 e 201 da Constituição Federal.
[8] Artigo 195, I, “a” da Constituição Federal: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.
[9] Simões, Thiago Taborda. Stock Options – Os planos de opções de ações e sua tributação. São Paulo: Noeses, 2016.
[10] Nascimento, Amauri Mascaro. Salário, Conceito e Proteção, Ed. LTr, 2008, pág. 378/379.
[11] Martins, Sergio Pinto. Natureza do Stock Option no Direito do Trabalho. Suplemento OT – Legislação, Jurisprudência e Doutrina, ano XXIV, n.11, p.3, São Paulo: Thomson IOB, nov. 2005.
[12] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. V.2, p.172.
[13] Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
[14] Martins, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012; e Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas. 24 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1063.
Por Henrique Wagner de Lima Dias
Henrique Wagner de Lima Dias é bacharel pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas, coordenador jurídico da Associação Brasileira de Provedores de Outsourcing e advogado no WFaria Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-fev-25/henrique-dias-nao-incide-contribuicao-previdenciaria-stock-options