Nada obstante a tentativa de demonstrar que as novidade introduzidas pela Lei nº 13.606, publicada no DOU de 10 de janeiro deste ano, que, alterando a Lei nº 10.522/02, acrescentou os arts. 20-B, 20-C, 20-D e 20-E àquele diploma, seriam campo fértil à mudança de paradigma na relação contribuintes e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a prematuridade do debate prejudicou o necessário diálogo.
Efetivamente, houvesse espaço e tempo para diálogo antes da regulamentação da lei, indispensável por expressa disposição legal (artigo 20-E) para dar os contornos das inovações, especialmente à controvertida averbação pre-executória (artigo 20-B, § 3º, b), a Portaria recém editada poderia ter sido debatida e construída a partir de audiências públicas ou consultas públicas (tal qual definidas pelo Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014).
A cruzada iniciada com a promulgação da Lei, resultou, em menos de um mês de vigência da norma, desprovida de efeitos concretos, em três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizadas no Supremo Tribunal Federal.
Esse movimento prematuro impôs à PGFN a premência de regulamentar a lei, para atribuir o exato delineamento da averbação pre-executória e demonstrar sua aderência à Constituição Federal.
Era necessário contextualizar a medida, enquanto mera engrenagem de um novo modelo de cobrança, cuja construção parte da sua fundação, promovida pelo Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos – RDCC, instituído pela Portaria PGFN nº 396/2016. Isso fica claro na Portaria PGFN nº 33/2018, que disciplina desde o nascimento da inscrição em dívida ativa até a sua extinção pelo decurso do tempo, na hipótese de arquivamento do executivo fiscal futuro, com base no artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais.
Imperioso, ainda, era a demonstração de que a averbação pré-executória, não isolada, seria adotada no bojo de procedimento administrativo com irrestrito contraditório e ampla defesa.
Necessário ressaltar que a averbação pré-executória não será adotada de forma irrestrita, e que faz parte da fase de um procedimento de cobrança extrajudicial, onde, conforme a medida implementada, reduzem-se ou ampliam-se as alternativas até o ato derradeiro da cobrança judicial, com a expropriação patrimonial realizada no processo de execução fiscal.
A regulamentação traz a procedimentalização do novo modelo cobrança, prevendo o prévio exame de legalidade; a notificação legal da inscrição do débito; além de outras medidas que podem ser realizadas antes da averbação, como a possibilidade de efetuar o pagamento débito ou parcelar seu valor integral; de ofertar antecipadamente garantia (para execução fiscal) ou apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita.
Nas relações obrigacionais o dever de boa-fé se impõem tanto ao devedor quanto ao credor e, em determinadas circunstâncias, a terceiros, necessariamente concretizado dentro dos limites e condições que objetivamente se apresentem.
Para afastar qualquer pecha de sanção política ou meio coercitivo para cobrança de tributo, a regulamentação trouxe, desde logo, que a medida não tem prazo indeterminado, servindo ao inequívoco objetivo de impedir a prática de atos em fraude à execução, concretizando a garantia do crédito tributário consubstanciada no artigo 185 CTN, e atribuindo eficácia a futura execução fiscal, postergada momentaneamente em razão do ajuizamento seletivo (artigo 20-C).
Não por outra razão, decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da efetivação da averbação, na hipótese de não impugnação ou do fim desse procedimento, se não for ajuizada a respectiva execução fiscal, cancela-se o registro.
A regulamentação também demonstrou que se assegura a não averbação, ou seu cancelamento, nas hipóteses em que não configurado o seu desiderato de impedir a fraude à execução e de atribuir eficácia ao executivo fiscal futuro. Tanto que há farta previsão das causas de impugnação e cancelamento da averbação, seja pelo devedor, seja por terceiros.
Estão previstas opções ao contribuinte (à exceção daqueles que devem, não negam, mas não pretendem pagar ou adotar qualquer providência) com inegáveis avanços em questões que antes demandavam o socorro ao judiciário para reconhecimento, como a pretensão legítima de apresentar garantia antecipada de futura execução fiscal (arts. 8º e 9º), viabilizando ao contribuinte a Certidão Positiva com efeitos de Negativa – CPDN (art. 206 CTN). O contribuinte poderá oferecer administrativamente a garantia antecipada, consistente em depósito em dinheiro para fins de caução; ou apólice de seguro-garantia ou carta de fiança bancária ou quaisquer outros bens ou direitos sujeitos a registro público, passíveis de arresto ou penhora, observando a regulamentação da PGFN.
A regulamentação indica que a PGFN está clamando pelo diálogo, por meios alternativos para a solução do litígio, razão pela qual, para além de todas as opções, há menção expressa à possibilidade de celebração de negócio jurídico processual, que mesmo não importando em concessão de direito material, permite amoldar o procedimento de cobrança as peculiaridades do devedor que, não contumaz ou sonegador, apenas atravessa dificuldades financeiras momentâneas e pretende solucionar o passivo, sem que, com isso, reste inviabilizada sua atividade econômica.
Para concretização de todos os avanços da regulamentação, inegável que deverá ser implementado melhorias no atendimento dos contribuintes, aprimorando a sistemática de requerimentos por meio eletrônico, sem burocracia, bem como a previsão de atendimento presencial aos advogados dos contribuintes, pleito histórico da advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
A vacatio de 120 (cento e vinte) dias é louvável sob o prisma da não-surpresa e da possibilidade de exercício de compliance pelos devedores, para adequação ao novo procedimento que será aplicável às novas inscrições, o período de vacância da referida Portaria abre respeitável janela para o diálogo qualificado em busca dos pontos de convergência, cooperando para que o exercício do poder de regulamentar possa atender os interesses dos contribuintes e da PGFN.
Como dito, a abertura ao diálogo antes da regulamentação se tornou inviável em razão do prematuro debate judicial à respeito das inovações legais.
Agora surge nova esperança de que seja construído dialogo entre contribuinte e PGFN, permitindo que a regulamentação editada de forma unilateral, seja aprimorada com a participação de todos os interessados, convergindo com a realização de audiência pública e, para além dela, de consulta pública, objetivando colher sugestões de aprimoramento/aperfeiçoamento.
Se a regulamentação era necessária para atribuir a exata moldura ao procedimento e as ferramentas introduzidos pelo artigo 25 da lei nº 13.606, de 2018, seu aprimoramento por meio de participação dos demais interessados é medida democrática que pode instaurar o ciclo-virtuoso, de ganha-ganha, no relacionamento entre contribuintes-devedores e PGFN.
Com a audiência pública e/ou consulta pública viabilizada os envolvidos poderão contribuir com boas sugestões alinhadas ao novo modelo de cobrança da dívida ativa mais justo e efetivo, valorizando aqueles que agem dentro da legalidade e cumprem seus deveres, aproveitando-se a oportunidade inaugurada pela vacatio que antecede à entrada em vigor da regulamentação prevista no art. 20-E da Lei nº 10.522/02 para o real aprimoramento da Portaria PGFN nº 33, de 2018.
Por Rita Dias Nolasco e Rogério Campos
Rita Dias Nolasco é doutora em Direito pela PUC/SP. Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro) e procuradora da Fazenda Nacional. Diretora da Escola da Advocacia-Geral da União na 3ª Região.
Rogério Campos é procurador da Fazenda Nacional, Coordenador-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional (2016/17), com atuação no escritório avançado de consultoria e estratégia da representação judicial da PGFN na 3ª Região – SP/MS.
Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-fev-14/opiniao-portaria-pgfn-33-dialogo-aprimorada