A Lei 13.540/2017 é a conversão da Medida Provisória 789/2017, que altera aspectos da exigência conhecida como Compensação Financeira pela Exploração de Minerais (CFEM).
Anteriormente, as Leis 7.990/89 e 8.001/90 estabeleciam, regra geral, que a CFEM seria devida na venda do produto mineral, e seria calculada pela aplicação de uma alíquota sobre o faturamento líquido, compreendido como “o total das receitas de vendas, excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as de seguros” (redação anterior do artigo 2º da Lei 8.001/90).
Várias discussões são travadas acerca dessa exigência ainda na redação anterior das leis 7.990/89 e 8.001/90, a exemplo do direito à dedução dos custos com transporte “dentro da mina” (dedução não admitida pelo STJ no REsp 756.530/DF); não incidência da CFEM sobre a transferência entre estabelecimentos e, subsidiariamente, a respectiva base de cálculo (valor de saída ou custo incorrido até a descaracterização mineralógica do produto); dedução do débito de tributos não cumulativos (alíquota x base de cálculo) e não do seu saldo devedor (valor devido após a apuração dos créditos); dentre outras.
A MP 789/2017, agora convertida na Lei 13.540/2017, regula diversos desses pontos. Contudo, ao contrário da que anunciado em sua exposição de motivos, o novo regime está longe de encerrar as discussões a respeito da exigência da CFEM. Pelo contrário, novas discussões certamente surgirão em razão dos diversos pontos questionáveis da Lei 13.540/2017.
Dentre esses pontos, analisaremos aqui as discussões a respeito da invalidade da exigência da CFEM decorrente das bases de cálculo eleitas pela lei 13.540/2017.
O artigo 20, parágrafo 1º, da Constituição outorgou a faculdade de adoção de dois modelos, atribuindo à lei a tarefa de assegurar aos entes federativos a “participação no resultado da exploração de recursos minerais” ou “compensação financeira por essa exploração”.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal nunca definiu de forma consistente em qual modelo constitucional se enquadrava a exigência sobre o “faturamento líquido”, tal como definido no regramento anterior.
No RE 228.800/DF, entendeu que não se tratava de “compensação financeira”, pois esta opção teria por pressuposto uma cobrança mensurada pelas perdas ambientais, sociais, econômicas e produtivas decorrentes da exploração. Sendo assim, apesar de ter sido chamada de “compensação financeira” pela Lei 7.990/89, a exigência seria verdadeira “participação nos resultados da exploração”.
Com essa fundamentação, concluiu-se que a Lei 7.990/89 não instituiu uma compensação financeira pela exploração dos recursos minerais, mas sim a participação dos entes federativos no resultado dessa exploração, e que a eleição do faturamento líquido como base de cálculo da obrigação seria expressão válida do “resultado da exploração” sobre o qual recai a participação dos entes federativos.
Em sentido diametralmente oposto está o RE 381.830/DF. Nos termos do voto do relator, após ser afirmada a abrangência do artigo 20, parágrafo 1º, da Constituição, o entendimento foi o de que a disciplina da CFEM é “estranha ao campo tributário e pertinente ao indenizatório”, concluindo que “o faturamento pode servir de base ao cálculo da parcela indenizatória referida, já que indica o alcance da exploração do produto natural”.
Fica clara a inconsistência do julgado, principalmente porque depois da passagem referida acima é citado o RE 228.800, que lhe contradiz. Enquanto o RE 381.830 afirma que o faturamento é medida da indenização pela exploração, no RE 228.800 se afirma que o faturamento é medida da participação no resultado da exploração.
A nosso ver, o faturamento líquido não guarda nenhuma relação de pertinência ou coerência com a compensação indenizatória. Basta verificar que, independentemente da extensão da inevitável degradação ambiental causada pela exploração, o faturamento pode ser maior ou menor a depender da situação do mercado, principalmente quando o valor do produto é cotado internacionalmente. Daí a afirmativa, no RE 228.800/DF, de que o modelo adotado foi o de participação no resultado da exploração, resultado definido em termos de faturamento líquido.
Nessa visão, a Lei 13.540/2017 não adotou o modelo compensatório, pois nenhuma base de cálculo nela prevista guarda relação com a degradação ambiental. Mas também se distanciou do modelo de participação nos resultados previsto como alternativa pelo artigo 20, parágrafo 1º da Constituição.
Embora o faturamento possa ser expressão do resultado, desde que “líquido”, conforme conceito adotado na legislação anterior, fato é que a exigência sobre receita bruta, apenas com dedução de tributos (como faz o novo artigo 2º, inciso I, da Lei 8.001 para o caso de venda do bem mineral), não representa resultado da exploração, por ignorar importantes gastos necessários para a execução da exploração.
Logo, ao ampliar a base de cálculo da CFEM, retirando deduções antes permitidas, a nova lei viola o art. 20, §1º da Constituição.
Não que o legislador tenha compromisso com o conceito de faturamento líquido anteriormente adotado. Mas, se antes o conceito de faturamento líquido foi visto (não sem controvérsias) como uma aproximação do “resultado da exploração” por partir da receita bruta e estabelecer a dedução de importantes e significativos gastos para se realizar a exploração (tributos, transporte e seguro), a atual base de cálculo consistente na receita bruta com dedução apenas dos tributos incidentes certamente se distancia de qualquer sentido mínimo da expressão “resultado da exploração”.
Além disso, deve ser reforçado que o artigo 20, parágrafo 1º, da Constituição prevê a participação nos resultados da exploração, e a participação demanda a presença de um resultado positivo do qual o poder público participe. A exigência sem resultado positivo deixa de ser participação e se transforma em mais um gasto da atividade.
Não é sequer necessário encontrar um conceito unívoco de “resultado da exploração” para se concluir nesse sentido. A inconstitucionalidade da exigência decorre do fato de se adotar uma base de cálculo que certamente não representa o resultado da exploração, pois consiste na receita bruta deduzida de tributos incidentes, sendo certo que nenhuma sociedade empresária tem como resultado pretendido apenas obter receita bruta e não se cogita de participação sem resultado positivo, que não existirá caso os gastos não sejam superados pela receita bruta.
Com mais razão é inconstitucional a exigência sobre as bases previstas para as demais hipóteses, quais sejam:
- “receita bruta calculada” consistente no “preço corrente do bem mineral, ou de seu similar, no mercado local, regional, nacional ou internacional, conforme o caso, ou o valor de referência, definido a partir do valor do produto final obtido após a conclusão do respectivo processo de beneficiamento” (nova redação art. 2º, II da Lei 8.001/90), para o caso de consumo, definido como “a utilização de bem mineral, a qualquer título, pelo detentor ou arrendatário do direito minerário, assim como pela empresa controladora, controlada ou coligada, em processo que importe na obtenção de nova espécie” (art. 6º, §4º, III da Lei 7.990/89);
- receita calculada apurada pela aplicação do regime de preço de transferência (PECEX) para o caso de exportação para partes relacionadas (art. 2º, III da Lei nº 8.001/90) também padece do mesmo vício presente no modelo geral de se considerar esse próprio preço como base de cálculo, sem consideração de nenhuma outra despesa que não os tributos incidentes, afastando-se de qualquer significado plausível de um “resultado da exploração” do qual participe o poder público;
- o valor da arrematação no caso de aquisição em hasta pública (art. 2º, IV da Lei 8.001/90);
- valor da primeira aquisição no caso de lavra garimpeira (art. 2º, IV da Lei 8.001/90).
Trata-se sempre de exigência com base no valor do bem mineral, seja ele um preço arbitrado (valor de referência ou preço parâmetro), da operação (valor da arrematação) ou de mercado (preço corrente), sem nenhuma dedução que permita a mínima aproximação de um “resultado da exploração” do qual participe o poder público. A exigência recai pura e simplesmente sobre as operações desenvolvidas no exercício da atividade, e não sobre o seu resultado.
Diante desse cenário posto pela Lei 13.540/2017, podemos concluir que as novas bases de cálculo representam uma ampliação da cobrança da CFEM que acarretará majoração do valor exigido das empresas mineradoras.
Contudo, a exigência, tal como formulada, não é válida, pois as bases de cálculo adotadas para as hipóteses de venda, consumo e exportação para partes relacionadas não representam medida de compensação pelos impactos inexoráveis da atividade de exploração mineral, e também se afasta de qualquer sentido mínimo de “resultado da atividade” por não representar medida de retorno econômico positivo decorrente da atividade da qual possa participar o poder público, padecendo de inconstitucionalidade por incompatibilidade com o artigo 20, parágrafo 1º, da Constituição.
Por Frederico Menezes Breyner
Frederico Menezes Breyner é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Mestre e doutorando em Direito Tributário (UFMG). Professor da Faculdade de Direito Milton Campos.
Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2017.
https://www.conjur.com.br/2017-dez-22/frederico-breyner-novas-bases-calculo-cfem-sao-inconstitucionais