Dificilmente alguém, em pleno 2017, não tenha ouvido falar das moedas virtuais ou criptomoedas. Cada vez mais expressivo o destaque dado em mídia a essas unidades de trocas digitais. No Brasil, fora objeto de recentíssimo comunicado do Banco Central (BC) em que se proibiu, por meio transverso, a remessa internacional de criptomoedas.
A par, porém, das recomendações e/ou regulamentações eventualmente emitidas, o fato é que as moedas virtuais adquirem cada vez mais valor econômico real. Por conseguinte, muitos varejistas passam a aceitar as criptomoedas como meio de pagamento. Daí a necessidade em se discutir seus eventuais efeitos tributários.
A preocupação não é recente. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio da Ação 1 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), projeto que visa identificar e desenvolver soluções para os principais obstáculos à tributação internacional no contexto da economia digital, já ponderava ser necessário aprofundar-se o assunto. Adverte, em seu relatório final, que a economia digital, incluindo as criptomoedas, está em contínua evolução e desenvolvimento, motivo pelo qual precisa ser monitorada para avaliar seu impacto nos sistemas tributários.
Não nos parecem suficientes as informações sobre moedas virtuais prestadas pela Receita Federal
Questão relevante já foi decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Referimo-nos a um litígio entre a administração fiscal sueca e um particular, em que discutida a incidência do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nas operações de câmbio de divisas tradicionais pela divisa virtual bitcoin, ou vice-versa. A Corte pontuou que tais operações constituem prestações de serviços efetuadas a título oneroso e, consequentemente, compõem o campo de incidência do IVA.
No entanto, o ponto mais relevante no julgamento do TJUE foi a confirmação de que as operações de câmbio de divisas tradicionais por bitcoin (ou vice-versa) são isentas. O motivo? O fato de as operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, serem isentas na União Europeia.
A Corte entendeu que a divisa virtual bitcoin não tem outra finalidade senão servir de meio de pagamento, sendo aceito, para esse efeito, por determinados operadores. Daí a conclusão do TJUE de que o conceito de divisas, presente na norma de isenção, não alcança somente as divisas tradicionais, mas, também, as virtuais.
Criticável, porém, o entendimento proferido pela Corte Europeia. É de se questionar se teria o bitcoin apenas a função de servir como meio de pagamento. Percebe-se facilmente o seu caráter de “moeda” quando se presta a cumprir a função de meio de pagamento. No entanto, é possível ainda que se transmude em “valor mobiliário”, caso exerça funções própria de tal ativo, o que tem ocorrido, por exemplo, por intermédio de “Initial Coin Offering” (oferta inicial da moeda).
É dizer, essa criptomoeda, assim como as criptomoedas em geral, manifesta verdadeira natureza jurídica “camaleão”, adaptando-se ao meio e contexto em que usada. E tal constatação não pode ser ignorada por quem pretende tributar e regulamentar o fenômeno.
Nos Estados Unidos, o Internal Revenue Service (IRS) já se manifestou sobre o assunto, e o fez de forma distinta à da Corte Europeia. Para a entidade, a moeda virtual deve ser tratada como propriedade para fins de impostos federais americanos. Entre outras implicações, ficou consignado que os salários pagos aos empregados, por meio de moedas virtuais, estão sujeitos à retenção na fonte federal e aos impostos sobre a folha de pagamento. E as discussões não para por aí. Observam-se debates sobre a extensão de alguns benefícios conferidos às propriedades tradicionais relativamente às “propriedades bitcoins”.
No Brasil, a matéria ainda carece de maiores conclusões. Vale destacar o recente posicionamento da Receita Federal que, em seu campo de perguntas e respostas sobre a declaração do IRPF, orienta que as moedas virtuais sejam informadas na declaração do Imposto de Renda. A entidade esclarece que, apesar de não serem consideradas “moedas” nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas pelo valor de aquisição, na Ficha “Bens e Direitos”, como “outros bens”.
São, portanto, equiparadas a um ativo financeiro. A administração tributária brasileira compreende ainda que os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais, cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35 mil, devem ser tributados, a título de ganho de capital, calculado sob uma alíquota de 15%.
Todavia, não nos parecem suficientes as informações prestadas pela Receita Federal do Brasil. Outras situações envolvendo as criptomoedas carecem de esclarecimentos. Por exemplo, não se sabe como proceder no caso dos mineradores de bitcoin, caso em que a moeda virtual não é “adquirida” (comprada ou trocada), mas, sim, recebida como contraprestação pela “disponibilização” de seu equipamento. Enfim, indubitável a natureza fluida das criptomoedas, natureza essa que não pode ser esquecida por aqueles que se aventuram a regulamentá-la.
Por Cassius Lobo e Dayana Uhdre
Cassius Lobo e Dayana Uhdre são, respectivamente, mestrando em direito tributário pela Universidade Católica de Lisboa e advogado tributarista no Escritório Küster Machado; e mestre em direito tributário pela Universidade Federal do Paraná e professora de graduação da Faculdade de Pinhais (Fapi) e professora de pós-graduação no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
Fonte : Valor-18/12/2917