ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER do agravo retido e DAR PROVIMENTO PARCIAL à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 30 de novembro de 2017.
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de apelação interposta nos autos da ação de rito ordinário ajuizada em face da União, com intuito de que seja afastada a pena de perdimento aplicada pelas autoridades aduaneiras com a consequente liberação das mercadorias importadas.
O pedido de tutela antecipada foi deferido em parte para determinar que a União se abstenha de entregar as mercadorias em questão a terceiros que eventualmente venham adquiri-las por meio do leilão CTMA n. 0817800/000006/2008 (f. 185-187).
Dessa decisão a União interpôs agravo de instrumento, o qual foi convertido, posteriormente, em agravo retido.
Ao final, o MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido “de modo a manter hígida a pena de perdimento aplicada no bojo do Procedimento Administrativo n. 11128.006623/2008-31” e condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 9.000,00 (nove mil reais) (f. 464-467).
A parte autora apelou sustentando, em síntese, que:
a) “o preço médio das matérias primas apurado para a confecção das mercadorias importadas geraram um preço médio totalmente arbitrário e sem qualquer fundamentação legal, não correspondendo, portanto, ao preço a ser aplicado aos produtos importados” (f. 483);
b) “o simples fato da Recorrida apurar um valor inferior como preço médio do produto importado não demonstra que a Recorrente falsificou documentos, agindo com dolo, a fim de provocar o subfaturamento, e portanto, causar danos ao erário” (f. 484), sendo inaplicável a pena de perdimento das mercadorias importadas;
c) diante da inexistência de preço mínimo fixado para o tipo de produto importado, a apelante procurou um fabricante que pudesse fazer a mercadoria com qualidade e preço mais baixo, para que pudesse ser posteriormente comercializada a preço popular;
d) o procedimento administrativo não pode ser considerado legítimo, pois a aplicação da pena de perdimento, in casu, não encontra respaldo em lei, ainda mais quando há possibilidade de cobrança do tributo com aplicação de multa, não tendo sido tampouco esclarecida a apuração do preço pelo valor médio;
e) o artigo 68 da MP 2.158-35/01 conferiu à Secretaria da Receita Federal apenas o poder de regulamentar o prazo de retenção das mercadorias sujeitas à pena de perdimento, mas não elencou as hipóteses de aplicação da referida sanção;
f) em caso de disponibilização dos produtos adquiridos no leilão, sejam os mesmos descaracterizados, para que a apelante não tenha qualquer responsabilidade por eventuais defeitos encontrados nessas mercadorias colocadas no mercado por terceira pessoa.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
A autora requereu a designação de audiência conciliatória com intuito de substituir o leilão pela doação das mercadorias contrafeitas, bem como a concessão da tutela recursal para salvaguardar seus direitos (f. 420-424).
O então Relator, Desembargador Federal Márcio Moraes, indeferiu os pedidos (f. 431-432).
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): De início, ausente o requerimento expresso da União em suas contrarrazões, conforme disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, não conheço do agravo retido por ela interposto.
A questão dos autos diz respeito à possibilidade ou não de serem liberadas as mercadorias (malas manufaturadas com materiais têxteis, com carrinho em material plástico, com 03 estágios de regulagem e rodinhas emborrachadas de diversos tamanhos e cores) advindas da República Popular da China, registradas no Siscomex por meio das Declarações de Importação n. 08/0106882-1, 08/0112950-2, 08/0112975-8 e 08/0123211-7, e apreendidas pela autoridade aduaneira, em razão da lavratura do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n. 0817800/04924/08 (Processo Administrativo n. 11128.006623/2008-31).
De acordo com o auto de infração, os bens importados ficaram sujeitos à apreensão, “uma vez que o preço praticado pela empresa Primícia estava abaixo do preço de custo das matérias-primas utilizadas na confecção daquelas mercadorias” (f. 90). Constatou-se, naquela ocasião, que a “relação Valor FOB da Mercadoria/Peso Líquido nestas operações de importação é de respectivamente: US$ 1,7/Kg, para as três primeiras D.I., e, US$ 1,8/Kg, para a última D.I. registrada. Se essa relação for comparada com a mesma relação obtida a partir da média de todas as operações de importação de mercadorias similares, desembaraçadas e registradas entre novembro de 2007 a janeiro de 2008 enquadradas na NCM 4202.12.20 e procedentes da República Popular da China, constata-se que a relação obtida na importação promovida pela empresa PRIMÍCIA é inferior à média encontrada no sistema LINCEFISCO” (f. 91).
Cabe destacar que não foram considerados no cálculo outros elementos do processo produtivo que contribuem para a formação do preço, tais como mão-de-obra e gastos com energia e transporte, revelando ainda mais a inconsistência das faturas.
Ademais, os atos praticados pela Administração Pública gozam de presunção de legitimidade, sendo elidida somente por prova inequívoca em sentido contrário, a qual não restou demonstrada nos autos.
Sendo assim, não há dúvidas de que o ato da autora é considerado infração às normas aduaneiras, consistente na intenção de reduzir a tributação devida pela importação de mercadorias.
Uma vez comprovado que o preço declarado pela autora está 26% (mala pequena), 24% (mala média) e 28% (mala grande) abaixo do custo médio das matérias-primas utilizadas na confecção dos produtos, bem como diante da declaração do exportador de que os preços cotados para a autora são os preços de mercado, e não preços especiais ou com desconto, a Secretaria da Receita Federal apreendeu os produtos importados e aplicou a pena de perdimento, levando-os a leilão.
Sabe-se que o desembaraço é atribuição da autoridade administrativa que, no seu mister, aplicando o direito, deve não só enquadrar a mercadoria, dentro do regime aduaneiro em vigor, de modo a viabilizar uma eventual exigência tributária, como certificar-se da correta valoração aduaneira, para o desembaraço pretendido, caso a importação se dê de forma irregular.
A legislação aduaneira adotou no seu contexto vários tipos de sanções, destinadas não só ao controle administrativo como também ao controle fiscal, dentre eles o de perdimento de bens, introduzido no ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n. 1.455/76.
No entanto, a pena de perdimento não é aplicável a todas as hipóteses de ilícito administrativo, como concluiu a autoridade alfandegária.
No caso em apreço, nota-se que o auto de infração foi lavrado com fundamento no artigo 105, inciso VI, do Decreto-Lei 37/1966, verbis:
“Art.105 – Aplica-se a pena de perda da mercadoria:
Ocorre, porém, que o artigo 108, parágrafo único, do mesmo diploma legal, prevê o seguinte:
“Art.108 – Aplica-se a multa de 50% (cinqüenta por cento) da diferença de imposto apurada em razão de declaração indevida de mercadoria, ou atribuição de valor ou quantidade diferente do real, quando a diferença do imposto for superior a 10% (dez por cento) quanto ao preço e a 5% (cinco por cento) quanto a quantidade ou peso em relação ao declarado pelo importador.
“TRIBUTÁRIO. DIREITO ADUANEIRO. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO DO VALOR DA MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI Nº 37/66. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA NORMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. CONSIDERAÇÃO. 1. A falsidade ideológica consistente no subfaturamento do valor da mercadoria na declaração de importação dá ensejo à aplicação da multa prevista no art. 105, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 37/66, que equivale a 100% do valor do bem, e não à pena de perdimento do art. 105, VI, daquele mesmo diploma legal. 2. Interpretação harmônica com o art. 112, IV, do CTN, bem como com os princípios da especialidade da norma, da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes. 3. Recurso especial da Fazenda Nacional a que se nega provimento”. (REsp 1218798/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 01/10/2015)
A própria ré, em sua contestação, afirma que os exames laboratoriais concluíram pela ocorrência de fraude, haja vista que as faturas comerciais que instruíram as D.I. não refletem a realidade das operações de importação no que tange ao valor declarado para as mercadorias, comprometendo, assim, a credibilidade do documento, por inserção de informação inexata.
Enquadrando-se o subfaturamento (diferença entre o valor real e o declarado pelo importador na declaração de importação) no crime de falsidade ideológica, e não tendo sido noticiada nos autos a apuração de falsidade material da D.I. ou da fatura comercial que a instruiu, revela-se inaplicável a pena de perdimento às mercadorias apreendidas, sendo cabível somente a aplicação da pena de multa, conforme previsto em norma específica.
A Terceira Turma deste Tribunal, em julgamento recente, seguiu a linha do mesmo entendimento:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADUANEIRO. FRAUDE. SUBFATURAMENTO DE IMPORTAÇÃO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. PERDIMENTO. FALSIDADE IDEOLÓGICA (VALOR, QUANTIDADE OU NATUREZA DA MERCADORIA). MULTA. ARTIGOS 105 E 108 DO DECRETO 37/1966. RETOMADA DO PROCEDIMENTO FISCAL. 1. Apurado, pelo acervo probatório, tratar-se, segundo declaração de importação, de carga de 610 (seiscentos e dez) pares de ‘lentes progressivas’, sem discriminação de marca ou modelo, com intuito de ocultar informações relevantes para tornar possível a fraude de valor no objeto da importação. 2. Para configurar fraude, à luz do artigo 72 da Lei 4.502/1964, necessário o dolo como elemento subjetivo e, para a aplicação da pena de perdimento, essencial a materialidade concreta e específica do artigo 105, VI, do Decreto-Lei 37/1966 (“Aplica-se a pena de perda da mercadoria (…) estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado”), reproduzido no inciso VI do artigo 689 do Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto 6.759/2009). 4. O enquadramento não se confunde com a hipótese do artigo 108, parágrafo único, do Decreto-Lei 37/1966 (“Será de 100% (cem por cento) a multa relativa a falsa declaração correspondente ao valor, à natureza e à quantidade”), assentando, a propósito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o artigo 105, VI, trata de falsidade material, ao passo que o artigo 108, parágrafo único, trata de falsidade ideológica, por subfaturamento de valores. 5. O caso dos autos não noticia qualquer apuração de falsidade material da DI ou da fatura comercial que a instruiu, tratando-se de imputação de fraude por meio de declaração ideologicamente falsa, sujeita, pois, em tese, à aplicação de multa, e não de perdimento. 6. Apelação desprovida”. (AMS 00247903720154036100, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifei)
Deixo de condenar as partes ao pagamento de honorários advocatícios diante do reconhecimento da sucumbência recíproca.
Pelo exposto, voto por NÃO CONHECER do agravo retido e DAR PROVIMENTO PARCIAL à apelação para determinar a liberação das mercadorias apreendidas, e para condenar a autora ao pagamento do tributo devido e da multa de 100% sobre a diferença entre o preço declarado na importação e o preço efetivamente apurado.
É como voto.