O anteprojeto do governo federal que altera a Lei de Falências (Lei nº 11.101/05) inaugura os debates sobre a sua reforma.
Entre os temas em que há necessidade de avanços estão os concernentes ao passivo tributário anterior ao ajuizamento da recuperação judicial e às contingências tributárias que têm como fato gerador a remissão das dívidas privadas.
O texto original da Lei de Falências e a Lei Complementar nº 118/2005 – que alterou o Código Tributário Nacional (CTN), para regular matérias que dependem de lei complementar – tentaram resolver o problema do passivo tributário com: (i) a instituição do direito ao parcelamento especial para empresas em recuperação judicial; e (ii) a exigência da apresentação de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa de dívidas tributárias, após a aprovação do plano de recuperação judicial. Sem sucesso.
Para o equacionar o passivo das empresas é necessário o comprometimento do Fisco
A apresentação de certidão negativa de dívida tributária revelou-se impraticável, por não editadas as leis instituindo o parcelamento especial. Isso levou a jurisprudência a consolidar-se no sentido da inexigibilidade da apresentação de certidões fiscais, enquanto não editadas leis especiais de parcelamento para empresas em recuperação judicial (nesse sentido REsp 1.187.404 – MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial do STJ).
A falta de lei dispondo válida e eficazmente sobre o parcelamento ensejou o problema do prosseguimento de execução fiscal, com penhora de bens e/ou receitas que inviabilizem o soerguimento da empresa. O STJ resolveu o impasse com a atribuição ao Juízo da Recuperação Judicial de competência para decidir sobre tais constrições (nesse sentido CC 149.827 – RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção).
No âmbito federal, foi editada a Lei nº 13.043/2014, que introduziu o artigo 10-A à Lei nº 10.522/2002, instituindo parcelamento escalonado, para empresa em recuperação judicial, com prazo de 84 meses, com a fixação de percentuais reduzidos para as parcelas a serem pagas nos primeiros anos. Essa Lei não resolveu o problema, dada a exigência de consolidação de todas as dívidas tributárias do devedor e a renúncia ao direito de discuti-las, tendo o STJ decidido que a sua edição não afasta a competência do Juízo da Recuperação Judicial para decidir sobre constrição de bens do patrimônio da empresa em recuperação judicial (nesse sentido CC 150.844 – GO, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção).
Nesse cenário, o governador do Distrito Federal ajuizou a ADC nº 46, cujo objeto abrange a declaração da constitucionalidade dos arts. 57 da Lei de Falência e 191-A do CTN, ainda não julgada. Sem pretender exaurir a matéria, o fato é que há evidente incompatibilidade entre meios e fins na exigência de certidões fiscais para concessão de recuperação judicial, e, portanto, violação ao princípio da razoabilidade, já que o crédito tributário não está sujeito à recuperação judicial.
Além disso, a exigência é meio indireto de compelir o contribuinte a pagar tributo, violando o principio do devido processo legal.
Em suma, melhor seria revogar os artigos 57 da Lei de Falência e 191-A do CTN.
A ideia do parcelamento é boa, mas para proporcionar o equacionamento do passivo tributário das empresas em recuperação judicial – o que é condição econômica para o êxito na superação da crise – é necessário que haja efetivo comprometimento do Fisco com o soerguimento da empresa. Deve-se pensar na edição de leis que estabeleçam parâmetros para permitir a concessão de parcelamentos diferenciados e condicionados, por exemplo, à manutenção das atividades, manutenção de empregos etc… Pode-se pensar na edição de lei complementar que permita aos Estados e ao Distrito Federal concederem anistia e parcelamentos, independentemente de convênio. A solução do passivo pretérito, por empresa em recuperação judicial, nos termos de leis que anistiem as multas e concedam parcelamentos diferenciados é tema sem relação com guerra fiscal. Por isso, a lei complementar pode criar exceção à regra do convênio, já que o objetivo da Constituição ao atribuir à lei complementar a função de regular a forma como incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, foi evitar a guerra fiscal.
Por fim, a questão dos efeitos tributários da redução das dívidas obtida em negociação bem-sucedida: os descontos obtidos na renegociação de dívidas são considerados receitas operacionais e, portanto, fato gerador da Cofins e da Contribuição PIS/Pasep e têm repercussão no lucro líquido e, portanto, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Sob os aspectos jurídico e econômico, esse problema é de fácil equacionamento com a instituição de isenção em favor da empresa em recuperação judicial, pelos descontos obtidos no plano de recuperação judicial homologado pelo juiz.
No caso do IRPJ e da CSLL, em que há limite de 30% para compensar o lucro de um exercício com o prejuízo fiscal de exercícios anteriores, independentemente da sua constitucionalidade – tema que voltou à discussão com o reconhecimento pelo STF de repercussão geral no RE 591.340 – a possiblidade de compensar o lucro obtido com a redução das suas dívidas, sem o limite de 30%, já seria uma contribuição relevante para o soerguimento da empresa e de fácil implementação, porque não onera os cofres públicos.
Por Paulo Penalva Santos e Vanilda Maioline Hin.
Paulo Penalva Santos e Vanilda Maioline Hin são sócios do escritório Rosman, Penalva, Souza Leão, Franco e Vale Advogados
Fonte : Valor – 08-11-2017.