IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE (IRRF). ALÍQUOTA. REMESSA DE VALORES. DISTINÇÃO ENTRE JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO (JCP) E DIVIDENDOS. TRATADO INTERNACIONAL BRASIL-ESPANHA. DECRETO N. 76.975, DE 02/01/1976. ARTIGO 9º DA LEI Nº 9.249, DE 26/12/1995. ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO SRF 4/06. INCIDÊNCIA SOBRE DIVIDENDOS. INAPLICABILIDADE.
1.Trata-se de apelação em mandado de segurança com o objetivo de afastar a exigência do recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre o pagamento de juros sobre capital próprio (JCP), devidos à sócia majoritária da impetrante, com sede na Espanha, calculado à alíquota de 15% em 2015, com base na Lei nº 9.249/95 e de 18% a partir de 2016, nos termos da Medida Provisória n. 694/15 e assegurar o direito de recolhimento do IRRF à alíquota de 10%, nos termos do art. 10 do Tratado Internacional para evitar dupla tributação e evasão fiscal, e do item 3 de seu Protocolo Anexo, firmados entre o Brasil e a Espanha, tal como dispõe o art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 4/06.
2. O cerne da questão cinge-se à análise da distinção entre juros sobre capital próprio (JCP) e dividendos, para fins de definição da alíquota que compõe o elemento quantificativo da hipótese de incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
3. No direito interno, consta do artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, que à pessoa jurídica é dado deduzir, da apuração do lucro real, os juros pagos aos sócios e aos acionistas a título de remuneração sobre o capital próprio, bem assim que o pagamento dos JCP submete-se à alíquota de 15% (quinze por cento) a título do IRRF por ocasião do efetivo crédito ao beneficiário, que se condiciona à existência de lucro.
4. A tese defendida pela apelante, com a qual não se pode concordar, fundamenta-se no entendimento de que os JCP e os dividendos têm a mesma essência. E que seriam, portanto, ambos dividendos, pois compõem a distribuição de lucros da sociedade e visam remunerar o capital dos acionistas.
5. O tema foi enfrentado pela E. Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.373.438, da relatoria do Eminente Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, sob os auspícios da sistemática dos repetitivos, prevista no artigo 503-C do CPC de 1973 (em 11/06/2014, DJe 17/06/2014), que concluiu que a natureza jurídica do instituto JCP tem caráter sui generis.
6. Os juros pagos aos acionistas pelo investimento de capital próprio têm a mesma natureza dos juros pagos a terceiros, razão pela qual devem ser escriturados sob o crivo de despesas financeiras para a companhia e como receita financeira para os beneficiários, conforme se depreende do art. 29, da Instrução Normativa SRF nº 11/96.
7. No que toca à inclusão dos JCP na base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS o C. STF manifestou-se no julgamento do Recurso Especial n. 1.200.492 (em 14/10/2015, DJe 22/02/2016), sob o regime dos repetitivos, previsto no artigo 503-C do CPC de 1973, na forma do entendimento do Eminente Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, prestigiando o entendimento já externado por aquela C. Corte quanto à diferença entre o regime dos dividendos e dos JCP, merecendo destaque, do voto de Sua Excelência, o quadro comparativo entre os dois institutos:
– Em relação ao beneficiário: não estão sujeitos ao imposto de renda na fonte pagadora nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário (art. 10, da Lei n. 9.249/95).
– Em relação à pessoa jurídica que paga: não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do imposto de renda).
– Obedecem necessariamente ao disposto no art. 202, da Lei n. 6.404/76 (dividendo obrigatório).
– Têm limite máximo fixado apenas no estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/76.
– Estão condicionados apenas à existência de lucros (arts. 198 e 202, da Lei n. 6.404/76).
– Em relação ao beneficiário: estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte na data do pagamento do crédito ao beneficiário (art. 9º, §2º, da Lei n. 9.249/95).
– Em relação à pessoa jurídica que paga: quando pagos são dedutíveis do lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).
– Podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito de a sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202, da Lei n. 6.404/76).’
– Têm como limite máximo a variação da TJLP (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).
– Estão condicionados à existência de lucros no dobro do valor dos juros a serem pagos ou creditados (art. 9º, §1º, da Lei n. 9.249/95).(reprodução da tabela comparativa)”.
8. Os artigos 10 e 11 do tratado internacional, consistente na “Convenção entre a República Federativa do Brasil e o Estado Espanhol Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda”, firmada em 14/11/1974, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 62, de 07/08/1975, promulgada no Brasil por meio do Decreto n. 76.975, de 02/01/1975 (sic), publicada em 02/01/1976, bem assim do item 3 do Protocolo Anexo, não contêm elementos que possam infirmar o regramento tributário nacional quanto aos JCP e aos dividendos.
9. A interpretação do disposto pelo artigo 98 do CTN determina que a eventual existência de antinomia entre o direito tributário interno e a norma do tratado internacional deve ser resolvida segundo a regra da especialidade.
10. Não se disputa o reconhecimento do caráter obrigatório do Tratado Brasil-Espanha no direito interno, bem assim da observância do princípio lex specialis derrogat generalis (lei especial derroga a geral), que autoriza a não aplicação da norma interna, a qual deve ceder lugar ao comando inserido em tratado internacional do qual o Brasil é parte, em homenagem ao princípio da força vinculante dos tratados e convenções internacionais.
11. Não há, contudo, discrepância entre o direito interno e o tratado internacional, que não confere disciplina especial ao tema. Evidenciando-se, portanto, ausência de conflito, quanto à disciplina dos dividendos e do JCP, entre o disposto pelo artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, e pelos artigos 10 e 11 do Tratado, e pelo item 3 de seu Protocolo Anexo, celebrados entre o Brasil e a Espanha.
12. Ausente, outrossim, previsão legal da incidência da limitação pleiteada, descabe ao Poder Judiciário criar tal situação tributária por interpretação analógica de Lei, Decreto ou Tratado, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
13. Negado provimento à apelação. TRF 3, Apel. 0024416-21.2015.4.03.6100, julg. 28/09/2017.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 28 de setembro de 2017.
Trata-se de apelação em mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por (…), com o objetivo de afastar a exigência do recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre o pagamento de juros sobre capital próprio (JCP), devidos à (…), acionista majoritária com sede na Espanha, calculados à alíquota de 15% em 2015, com base na Lei nº 9.249/95 e de 18% a partir de 2016, nos termos da Medida Provisória n. 694/15 e obter o reconhecimento do direito de recolhimento do IRRF à alíquota de 10%, nos termos do art. 10 do Tratado Internacional para evitar dupla tributação e evasão fiscal, e do item 3 de seu Protocolo Anexo, firmados com a Espanha, tal como dispõe o art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 4/06.
Da decisão que indeferiu o pedido de liminar, foi interposto o Agravo de Instrumento 0029157-71.2015.40.03.0000, que teve seguimento negado por fundamento processual.
O r. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, denegando a segurança. Sem condenação em honorários advocatícios.
Apelou a impetrante, pleiteando a reforma da r. sentença, requerendo o reconhecimento da incidência da alíquota de 10% do IRRF sobre as remessas de JCP efetuadas à (…), nos termos do art. 10 do Tratado firmado entre o Brasil e a Espanha, combinado com o item 3 de seu protocolo anexo, tal como dispõe o art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 4/06, em virtude da qualificação do JCP como dividendos para efeitos do art. 10, §4º, do referido Tratado Internacional, bem como a suspensão da exigibilidade dos valores correspondentes à diferença de IRRF (5%) incidente sobre os JCP remetidos ao acionista espanhol, objeto de depósito judicial, vinculado ao presente feito.
Com contrarrazões, requerendo a manutenção da r. sentença, subiram os autos a este Tribunal.
Manifestou-se o Ministério Público Federal, opinando pelo improvimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA (RELATORA):
O cerne da questão cinge-se à análise da distinção entre juros sobre capital próprio (JCP) e dividendos, para fins de definição da alíquota que compõe o elemento quantificativo da hipótese de incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
O fato concreto tributável consiste nas remessas efetuadas pela impetrante, ora apelante, destinadas a sua acionista (…), uma sociedade holding com sede na Espanha, a título de pagamento de rendimento do respectivo período, constituído por dividendos e JCP, conforme deliberação em assembleia geral, sendo que quanto aos valores dos JCP, a apelante defende que devem ser equiparados, para fins da tributação, aos dividendos para fins de, que sobre o montante incidir o IRRF à alíquota máxima de 10% (dez por cento) em observância à Convenção entre a República Federativa do Brasil e o Estado Espanhol Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda.
Pois bem.
Do tratamento do JCP no direito interno
A disciplina normativa tributária dos JCP, enquanto hipótese de incidência do imposto de renda, foi tratada pela Lei nº 9.249, de 26/12/1995, que em sua Exposição de Motivos indica que dentre os objetivos do projeto de lei consta a busca do incentivo ao investimento de capitais próprios no financiamento da atividade produtiva.
Consta do artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26/12/1995 que à pessoa jurídica é dado deduzir, da apuração do lucro real, os juros pagos aos sócios e aos acionistas a título de remuneração sobre o capital próprio, bem assim que o pagamento dos JCP submete-se à alíquota de 15% (quinze por cento) a título do IRRF por ocasião do efetivo crédito ao beneficiário, que se condiciona à existência de lucro. Veja-se, in verbis:
“Art. 9º. A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
§ 1º. O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados
§ 2º. Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.
§ 3º O imposto retido na fonte será considerado:
I – antecipação do devido na declaração de rendimentos, no caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real;
II – tributação definitiva, no caso de beneficiário pessoa física ou pessoa jurídica não tributada com base no lucro real, inclusive isenta, ressalvado o disposto no § 4º;
§ 4º (Revogado pela Lei nº 9.430, de 1996)
§ 5º No caso de beneficiário sociedade civil de prestação de serviços, submetida ao regime de tributação de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, o imposto poderá ser compensado com o retido por ocasião do pagamento dos rendimentos aos sócios beneficiários.
§ 6º No caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real, o imposto de que trata o § 2º poderá ainda ser compensado com o retido por ocasião do pagamento ou crédito de juros, a título de remuneração de capital próprio, a seu titular, sócios ou acionistas.
§ 7º O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do disposto no § 2º.
§ 8o Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, serão consideradas exclusivamente as seguintes contas do patrimônio líquido:(Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014)
I – capital social; (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
II – reservas de capital; (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
III – reservas de lucros; (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
IV – ações em tesouraria; e (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
V – prejuízos acumulados. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
§ 9º (Revogado pela Lei nº 9.430, de 1996)
§ 10. (Revogado pela Lei nº 9.430, de 1996)
§ 11. O disposto neste artigo aplica-se à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
§ 12. Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, a conta capital social, prevista no inciso I do § 8o deste artigo, inclui todas as espécies de ações previstas no art. 15 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que classificadas em contas de passivo na escrituração comercial. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)”.
A tese defendida pela apelante, com a qual não se pode concordar, fundamenta-se no entendimento de que os JCP e os dividendos têm a mesma essência. E que seriam, portanto, ambos dividendos, pois compõem a distribuição de lucros da sociedade e visam remunerar o capital dos acionistas, de sorte que o tratamento fiscal distinto dispensado a cada um dos institutos não teria o condão de diferenciá-los.
Segundo a doutrina de Fabio Ulhoa Coelho: “Os juros sobre o capital, com certeza, são um tipo de remuneração dos acionistas, feita em razão do investimento que eles realizam na atividade empresarial explorada pela companhia pagadora; mas uma remuneração de natureza diferente da dos dividendos. Em outros termos, o acionista, ao subscrever ou adquirir a ação, realiza na empresa explorada pela sociedade um investimento, e o faz, por evidente, visando a adequada remuneração aos recursos empregados.
(…) No plano conceitual, cada espécie remunera o investimento por motivos próprios. Enquanto os juros remuneram o investidor pela indisponibilidade dos recursos, os dividendos remuneram-nos pelo particular sucesso do empreendimento social. O acionista, ao subscrever ações, emprega dinheiro diretamente na companhia, pagando-lhe o preço de emissão, nas condições do boletim de subscrição. Ao adquirir ações, por outro lado, emprega também dinheiro na companhia, mas de forma – por assim dizer – indireta, na medida em que, desembolsando o valor de negociação ao alienante da participação societária, assume a titularidade dos recursos sociais correspondentes. De um modo ou de outro, o dinheiro empregado no investimento fica temporariamente indisponível, no sentido de que o acionista não pode, enquanto for o titular da ação subscrita ou adquirida, fazer outro uso dele. A limitação dos juros sobre o capital à TJLP, estabelecida pelo legislador tributário (Lei n. 9.249/95, art. 92 ,caput), estabelece uma equivalência genérica entre essa espécie de remuneração do acionista e a que ele, normalmente, encontraria no mercado, caso destinasse os mesmos recursos a investimento diverso. Os dividendos representam, por sua vez, a remuneração proporcionada ao investimento, pelo sucesso da empresa explorada pela companhia. Se a sociedade anônima, em determinado exercício, paga juros no limite legal da TJLP, e ainda delibera a distribuição de dividendos, os acionistas podem distinguir, com clareza, a parcela da remuneração de seu capital, que seria também obtida, em média, noutros investimentos oferecidos no mercado (juros), da parcela gerada de modo particular pela concreta alternativa de investimento por eles adotada (dividendos). (Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 355)
Portanto, não se confundem os JCP e os dividendos.
O tema foi enfrentado pela E. Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.373.438, da relatoria do Eminente Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, sob os auspícios da sistemática dos repetitivos, prevista no artigo 503-C do CPC de 1973 (julgado em 11/06/2014, DJe 17/06/2014), que concluiu que a natureza jurídica do instituto JCP, tem caráter sui generis. Importa para o deslinde do tema em análise a transcrição do excerto do voto de Sua Excelência, in verbis:
“A primeira questão que emerge desse dispositivo legal diz com a natureza jurídica dos juros sobre capital próprio – JCP.
O nome de “juros” e a referência à Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP sugere que estaríamos diante de uma modalidade de juros compensatórios, devidos como remuneração pela indisponibilidade do capital investido pelos acionistas na companhia.
Porém, a condicionante da existência de lucro (§ 1º, supra) é incompatível com a noção de juros, fazendo-se supor que o JCP constituem, na verdade, parcela do lucro distribuído aos acionistas (a par dos dividendos), tendo como fundamento o êxito econômico companhia, não a indisponibilidade do capital investido.
A natureza dos JCP tem consequências relevantes do ponto de vista tributário e societário.
Do ponto de vista tributário, se os JCP são considerados juros, a contabilidade registrará a saída como despesa da companhia, reduzindo o lucro real, que é a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL (no caso de companhias de grande porte, para as quais não se admite a tributação pelo lucro presumido). Ao contrário, se os JCP forem considerados parcela do lucro a ser distribuída aos acionistas, entrarão na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Do ponto de vista societário, as diferenças também são evidentes.
Se os JCP têm natureza de juros e, consequentemente, de despesa da companhia, eles não entram na base de cálculo dos dividendos obrigatórios, pois estes, em regra, são calculados sobre o lucro líquido (cf. art. 202, inciso I, da Lei 6.404/76).
O resultado é uma diminuição da parcela obrigatória dos dividendos. Diversamente, tendo natureza de lucro, os JCP são computados na base de cálculo dos dividendos obrigatórios.
(…)
Além dessas duas linhas opostas de entendimento, existe uma terceira corrente, propondo uma cisão no conceito de JCP, de modo que ele possa apresentar, do ponto de vista tributário, caráter de juros, e, do ponto de vista societário, caráter de lucro a ser distribuído.
(…)
optando-se por um conceito único de JCP, sacrificam-se, necessariamente, ou os propósitos tributários da Lei 9.249/95, ou os princípios societários, protegidos pelas Deliberações CVM nº 207/96 e 683/12.
A melhor solução, portanto, é a cisão dos efeitos produzidos pelo instituto jurídico para efeitos tributários e para efeitos societários.
Mas, como pode um ente ter, ao mesmo tempo, duas naturezas opostas? Na verdade, ontologicamente, os JCP são parcela do lucro a ser distribuído aos acionistas.
Apenas por ficção jurídica, a lei tributária passou a considerar que os JCP tem natureza de juros.
Ressalte-se que o Direito Tributário não é avesso a ficções jurídicas, que alteram a natureza de institutos jurídicos(…)”.
Assim, tratando-se de contribuinte tributado pelo regime do lucro real, para fins de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), os juros sobre capital próprio devem ser registrados contabilmente como receita financeira.
Nesse diapasão, os juros pagos aos acionistas pelo investimento de capital próprio tem a mesma natureza dos juros pagos a terceiros, razão pela qual devem ser escriturados sob o crivo de despesas financeiras para a companhia e como receita financeira para os beneficiários, conforme se depreende do art. 29, da Instrução Normativa SRF nº 11/96:
Juros Sobre Capital Próprio
“Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observando o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualmente ao titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio liquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
(…)
§ 4º Os juros a que se refere este artigo, inclusive quando exercida a opção de que trata o § 1º ou quando imputados aos dividendos, auferidos por beneficiário pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no:
a) – lucro real, serão registrados em conta de receita financeira e integrarão lucro real e a base de cálculo da contribuição social sobre o lucro;(…)”.
Sobre o tema dos JCP e a sua inclusão na base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS a E. Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça manifestou-se sob o regime dos repetitivos, prevista no artigo 503-C do CPC de 1973, na forma do entendimento do Eminente Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.200.492 (julgado em 14/10/2015, DJe 22/02/2016), conforme a seguinte ementa que trago à colação:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. PIS/PASEP E COFINS. INCIDÊNCIA SOBRE JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO – JCP.
1. A jurisprudência deste STJ já está pacificada no sentido de que não são dedutíveis da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS o valor destinado aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio, na vigência da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n.
10.833/2003, permitindo tal benesse apenas para a vigência da Lei n.
9.718/98. Precedentes da Primeira Turma: AgRg nos EDcl no REsp 983066 / RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 01.03.2011;
AgRg no Ag 1209804 / RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16.12.2010; REsp 1018013 / SC, Rel. Min. José Delgado, julgado em 08.04.2008; REsp 952566 / SC, Rel. Min. José Delgado, julgado em 18.12.2007; REsp 921269 / RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22.05.2007. Precedentes da Segunda Turma: REsp 1212976 / RS, Rel.
Min. Castro Meira, julgado em 9.11.2010; AgRg no Ag 1330134 / SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19.10.2010; REsp 956615 / RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13.10.2009; AgRg no REsp 964411 / SC, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 22.09.2009.
2. Tese julgada para efeito do art. 543-C, do CPC: “não são dedutíveis da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS o valor destinado aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio, na vigência da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003”.
3. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1.200.492/RS, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 22/02/2016)
Destaque-se o quadro comparativo contido no voto do Eminente Ministro Mauro Campbell, cujo teor espanca quaisquer dúvidas acerca da diferença entre os institutos:
“Ora, em que pese os juros sobre o capital próprio, a exemplo dos lucros ou dividendos, serem destinações do lucro líquido, para fins tributários sua semelhança acaba aí, havendo uma série de tratamentos distintos na legislação que evidencia a diferença de sua natureza jurídica, a saber:
“LUCROS OU DIVIDENDOS:
– Em relação ao beneficiário: não estão sujeitos ao imposto de renda na fonte pagadora nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário (art. 10, da Lei n. 9.249/95).
– Em relação à pessoa jurídica que paga: não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do imposto de renda).
– Obedecem necessariamente ao disposto no art. 202, da Lei n. 6.404/76 (dividendo obrigatório).
– Têm limite máximo fixado apenas no estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/76.
– Estão condicionados apenas à existência de lucros (arts. 198 e 202, da Lei n. 6.404/76).
JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO:
– Em relação ao beneficiário: estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte na data do pagamento do crédito ao beneficiário (art. 9º, §2º, da Lei n. 9.249/95).
– Em relação à pessoa jurídica que paga: quando pagos são dedutíveis do lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).
– Podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito de a sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202, da Lei n. 6.404/76).’
– Têm como limite máximo a variação da TJLP (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).
– Estão condicionados à existência de lucros no dobro do valor dos juros a serem pagos ou creditados (art. 9º, §1º, da Lei n. 9.249/95).(reprodução da tabela comparativa)”.
Veja-se, no mesmo sentido, a jurisprudência desta Egrégia Sexta Turma:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PIS E COFINS: INCIDÊNCIA SOBRE OS CHAMADOS “JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO”, DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INAPLICABILIDADE DAS LEIS Nº 10.637/02 E 10.833/03. EFETIVA EXISTÊNCIA DE OMISSÃO. DISTINÇÃO DOS “JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO” EM RELAÇÃO AOS DIVIDENDOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA SANAR OMISSÃO, SEM EFEITOS INFRINGENTES.
1. São possíveis embargos de declaração somente se a decisão judicial ostentar pelo menos um dos vícios elencados no artigo 535 do Código de Processo Civil.
2. O acórdão embargado apresenta omissão quanto ao art. 8º, I, da Lei nº 10.637/02 e art. 10, I, da Lei nº 10.833/03, que expressamente excluem as instituições financeiras das suas disposições, permanecendo sujeitas às normas da legislação anterior do PIS e da COFINS. Portanto, inaplicável a embargante o art. 1º, § 3º, da Lei nº 10.833/03 e o Decreto nº 5.164/04, utilizados como fundamento do acórdão.
3. A embargante, instituição financeira, impetrou mandado de segurança objetivando o reconhecimento do direito líquido e certo de não incluir na base de cálculo das contribuições PIS e COFINS os valores relativos aos juros sobre capital próprio recebidos em virtude da participação societária em outras empresas. Como causa de pedir, defendeu que os juros sobre o capital próprio possuem natureza jurídica de dividendos e, sendo assim, não podem ser incluídos na base de cálculo do PIS e da COFINS, nos termos do inciso II do § 2º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, sob pena de ofensa ao Princípio da Legalidade Tributária (arts. 5º, II, 150, I, da Constituição Federal e 97 do Código Tributário Nacional) e de violação ao art. 110 do Código Tributário Nacional.
4. Dividendos e juros sobre o capital próprio não se confundem, já que os primeiros são pagos ao sócio em decorrência dos lucros obtidos pela empresa (Lei nº 6.404/76), ao passo que os últimos são rendimentos pagos pela empresa àquele que nela investiu o seu capital (tem por finalidade remunerar o investidor pela indisponibilidade do capital aplicado na companhia). Conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, os juros sobre capital próprio correspondem à remuneração de capital, e não lucro ou dividendo, constituindo, desta forma, receita financeira tributável pelo PIS e pela COFINS (precedentes).
5. Além disso, restou claro do acórdão embargado que os juros sobre o capital próprio têm natureza de receita financeira, por constituírem remuneração do capital investido, conforme previsto na Lei nº 9.249/95, arts. 9º, § 9º e 10.
6. Daí porque os juros sobre o capital próprio não se enquadram na previsão do inciso II do § 2º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 e devem integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS.
7. Os §§ 5º e 6º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, que se aplicam especificamente às instituições financeiras, estabelecem exclusões e deduções da base de cálculo do PIS e da COFINS, não havendo qualquer menção aos juros sobre o capital próprio.
8. Destarte, os juros sobre capital próprio devem integrar a base de cálculo da contribuição ao PIS e a COFINS, não havendo nisso qualquer ofensa ao art. 110 do Código Tributário Nacional, eis que, ressalte-se uma vez mais, os juros sobre o capital próprio não são equivalentes a dividendos.
9. A causa de pedir do embargante consiste na subsunção dos juros sobre o capital próprio ao disposto no art. 3º, § 2º, II, da Lei nº 9.718/98. Em nenhum momento discutiu nos autos o conceito de faturamento para as instituições financeiras. Aliás, na petição de fls. 300/303 informa que esta questão é objeto de outra relação jurídica processual (MS nº 2005.61.00.011085-0). Sendo assim, não há que se cogitar em omissão quanto ao art. 3º, caput, da Lei nº 9.718/98.
10. Embargos de declaração providos para sanar omissão, sem efeitos infringentes.
(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AMS – APELAÇÃO CÍVEL – 320038 – 0005035-71.2008.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 10/10/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/10/2013 )
Do tratamento do JCP no bojo do Tratado Internacional Brasil-Espanha
A apelante invoca os termos da “Convenção entre a República Federativa do Brasil e o Estado Espanhol Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda”, firmada em 14/11/1974, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 62, de 07/08/1975, promulgada no Brasil por meio do Decreto n. 76.975, de 02/01/1975 (sic), publicado em 02/01/1976, que em seus artigos 10 e 11 estabelece:
“Artigo 10 -Dividendos
1. Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado.
2. Todavia esses dividendos podem ser tributados no Estado Contratante onde reside a sociedade que os paga, e de acordo com a legislação desse Estado. Mas o imposto assim estabelecido não poderá exercer 15% do montante bruto dos dividendos.
Este parágrafo não afetará a tribulação da sociedade com referência aos lucros que deram origem aos dividendos pagos.
3. (…)
4. O termo “dividendos” usado no presente Artigo, designa os redimentos provenientes de ações, ações ou direitos de fruição, partes de empresas mineradoras, ações de fundador ou outros direitos que permitam participar, bem como redimentos de outras participações de capital assemelhados aos rendimentos de ações pela legislação tributária do Estado Contratante em que a sociedade que os distribuir seja residente”.
Artigo 11 – Juros
1. Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado.
2. Todavia, esses juros podem ser tributos no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder 15% do montante bruto dos juros.
3. O imposto sobre os juros pagos a instituições financeiras de um Estado Contratante em decorrência de empréstimos e créditos concedidos por um prazo mínimo de 10 anos e com o objetivo de financiar a aquisição de bens de equipamento não poderá exceder, no Estado Contratante de que procedam os juros, 10% do montante bruto dos juros.
4. Não obstante o disposto nos §§ 1º e 2º:
a) os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos ao Governo do outro Estado Contratante,ou a uma de suas subdivisões políticas ou a qualquer agência (inclusive uma instituição financeira) de propriedade exclusiva daquele Governo, ou de uma de suas subdivisões políticas são isentos de imposto no primeiro Estado Contratante:
b) os juros da dívida pública, dos títulos ou debêntures emitidos pelo Governo de um Estado Contratante ou por qualquer agência (inclusive uma instituição financeira) de propriedade desse Governo, só são tributáveis nesse Estado.
5. O termo “juros” usado no presente Artigo compreende os rendimentos da Divida Pública, dos títulos ou debêntures, acompanhados ou não de garantia hipotecaria ou de cláusula de participação nos lucros, e de créditos de qualquer natureza, bem como qualquer outro rendimento que, pela legislação tributária do Estado Contratante de que provenham, seja assemelhado aos rendimentos de importância emprestadas.
6. O disposto nos §§ 1º e 2º não se aplica se o beneficiário dos juros, residente de um Estado Contratante, tiver, no outro Estado Contratante de que provenham os juros, um estabelecimento permanente ao qual se ligue efetivamente o crédito gerador dos juros, Neste caso, aplicar-se-á o disposto no Artigo 7º.
7. A limitação estabelecida no § 2. não se aplica aos juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um estabelecimento permanente de uma empresa do outro Estado Contratante situado em um terceiro Estado.
8. Os juros serão considerados como provenientes de um Estado Contratante quando o devedor for o próprio Estado, uma de suas subdivisões políticas, uma de suas entidades locais ou um residente desse estado. No entanto, quando o devedor dos juros, residente ou não de um Estado Contratante, tiver num Estado Contratante, tiver num Estado Contratante um estabelecimento permanente pelo qual haja sido contraída a obrigação que dá origem aos juros e caiba a esse estabelecimento permanente o pagamento dos juros, esses juros serão considerados provenientes do Estado Contratante em que o estabelecimento permanente estiver situado.
9. Se, em conseqüência de relações especiais existentes entre o devedor e o credor, ou entre ambos e terceiros, o montante dos juros pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder àquele que seria acordado entre o devedor e o credor na ausência de tais relações, as disposições deste Artigo se aplicam apenas a este último montante. Neste caso, a parte excedente dos pagamentos será tributável conforme a legislação de cada Estado Contratante e tendo em conta as outras disposições da presente Convenção”.
A apelante defende que, ainda na ordem jurídica interna o instituto do JCP seja considerado distinto dos dividendos, essa interpretação não poderia prevalecer no caso dos autos, pois iria de encontro aos termos do Tratado Brasil-Espanha, tendo em vista que a convenção teria equiparado os JCP aos dividendos, e, portanto, deveria ser observada em homenagem ao artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN).
Todavia, não há fundamento jurídico válido que justifique esse raciocínio.
Muito embora não se questione que por força da norma inserta no artigo 98 do CTN – a eventual existência de antinomia entre o direito tributário interno e a norma da convenção deva ser resolvida segundo a regra da especialidade -, a interpretação da apelante não tem o alcance pretendido e não conduz ao direito invocado.
Não se disputa o reconhecimento do caráter obrigatório do Tratado Brasil-Espanha ao direito interno, bem assim da observância do princípio lex specialis derrogat generalis (lei especial derroga a geral), que autoriza a não aplicação da norma interna, a qual deve ceder lugar ao comando inserido em tratado internacional do qual o Brasil é parte. Esse princípio decorre do efetivo prestígio que se concede à força vinculante dos tratados e convenções internacionais.
Entretanto, a pretendida antinomia não ocorre, pois para tanto seria imprescindível que o tratado internacional dispusesse, expressamente, sobre os temas dos dividendos ou dos JCP, disciplinando-os de forma diversa ao direito interno. No caso concreto, contudo, não existe tensão – entre o disposto pelas normas do artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, e dos artigos 10 e 11 do Tratado celebrado entre o Brasil e a Espanha, e do item 3 de seu Protocolo Anexo, cujo cerne, vale dizer, encontra-se em harmonia com as normas do direito interno.
Deveras, conforme já pontuado, a interpretação sistemática e teleológica do sistema tributário nacional conduz à distinção entre dividendos e os JCP, sendo que sobre estes incide o IRRF à alíquota de 15% (quinze por cento) por ocasião do crédito ao beneficiário. Esse regramento não colide com o disposto em face da Convenção Brasil-Espanha, cujo teor não traz norma de caráter especial que viesse a disciplinar de forma distinta a questão.
A norma inserta no artigo 10, item 4, do Tratado multicitado estabelece que “o termo “dividendos” usado no presente Artigo, designa os rendimentos provenientes de ações, (…) ou outros direitos que permitam participar, bem como rendimentos de outras participações de capital assemelhados aos rendimentos de ações pela legislação tributária do Estado Contratante em que a sociedade que os distribuir seja residente”, fazendo referência clara somente à distribuição de valores a título de remuneração dos lucros da empresa, e não à remuneração do capital próprio investido pelos acionistas.
Nesse mesmo sentido, quanto aos juros, extrai-se do item 5 do artigo 11 da Convenção Internacional que: “O termo “juros” usado no presente Artigo compreende os rendimentos da Divida Pública, dos títulos ou debêntures, acompanhados ou não de garantia hipotecaria ou de cláusula de participação nos lucros, e de créditos de qualquer natureza, bem como qualquer outro rendimento que, pela legislação tributária do Estado Contratante de que provenham, seja assemelhado aos rendimentos de importância emprestadas“.
A apelante alega que a natureza dos JCP deveria ser interpretada como se dividendos fosse, nos termos da Convenção supracitada, o que faria incidir sobre o fato jurídico tributável o comando do art. 1º do Ato Declaratório Interpetativo SRF nº 4 de 17 de março de 2006, in verbis:
Art. 1º. Ressalvado tratamento mais benéfico estabelecido em lei interna, a tributação na fonte de dividendos será efetuada mediante a aplicação da alíquota máxima de dez por cento, incidente sobre o valor bruto da remessa, sempre que a sociedade residente da Espanha possuir pelo menos vinte e cinco por cento do capital com direito a voto da sociedade residente do Brasil.
Todavia, a abordagem dos dois institutos – JCP e dividendos – deve guardar pertinência com as respectivas áreas tributária ou societária. O Colendo Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se manifestar no RESP n. 1.373.438, acima citado, que “(…) além dessas duas linhas opostas de entendimento, existe uma terceira corrente, propondo uma cisão no conceito de JCP, de modo que ele possa apresentar, do ponto de vista tributário, caráter de juros, e, do ponto de vista societário, caráter de lucro a ser distribuído”.
Ora, sob esse ponto de vista, observa-se que a distinção justifica e valida o teor das normas fiscais que tratam dos dois institutos, conforme prevê o artigo 9º, § 7º, da Lei n. 9.249, de 26/12/1995 (§ 7º O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do disposto no § 2º.). Isso porque se possuíssem a mesma natureza jurídica a distinção disciplinar realizada pelo Legislador federal seria em vão, o que não se admite.
Ademais, insista-se, que as normas do artigo 10, § 4º, do Tratado Brasil-Espanha dizem respeito aos dividendos e não poderiam, principalmente para fins de exoneração tributária, conceder respaldo à interpretação extensiva do texto da Convenção para fins de dela extrair norma tributária que concede favor fiscal.
Deveras, como já demonstrado, os JCP, por terem como finalidade a remuneração do capital do investidor, calculados sobre as contas do patrimônio líquido da pessoa jurídica, não se confundem com dividendos, que representam a parcela do lucro distribuído pela empresa aos seus sócios, recebendo, por essa razão, tratamento tributário diferenciado, não podendo, portanto, ser equiparados para a finalidade da incidência de limitação da alíquota de Imposto de Renda conforme requerido.
Ausente, outrossim, previsão legal da incidência da limitação pleiteada, descabe ao Poder Judiciário criar tal situação tributária por interpretação analógica de Lei, Decreto ou Tratado, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
Deixo anotado, ainda, em relação à alíquota de 18% para o imposto sobre a renda incidente sobre juros de capital próprio, fixada pela MP 694 de 30 de setembro de 2015, verifica-se que o seu prazo de vigência foi encerrado em 8 de março de 2016, nos termos do Ato Declaratório do Congresso Nacional nº 5, de 09/03/2016, já tendo retornado à alíquota vigente, de 15%.
Dessa forma, a r. sentença recorrida deve ser integralmente mantida.
Em face de todo o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
LEILA PAIVA
Juíza Federal Convocada