OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DENTRO DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. ÁGIO CONTÁBIL. DEDUÇÃO DO IRPJ E DA CSLL. ARTS. 385 e 386 DO DECRETO N.º 3.000/99. IMPOSSIBILIDADE. ORIENTAÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE E DA CVM. 1. O direito de deduzir os valores de ágio registrados contabilmente na operação de incorporação, para efeitos de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, tem previsão legal, nos termos dos arts 385 e 386 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99). 2. Não obstante, in casu, o reconhecimento do ágio não é factível, visto que decorrente de transação albergada no âmbito de grupo econômico, especialmente considerando a operação de aquisição de 99% das ações da Viação S/A (impetrante) pela empresa Participações Ltda., com posterior registro de incorporação desta pela impetrante. 3. Tal entendimento tem gênese na ciência contábil e foi consagrado pelo Conselho Federal de Contabilidade, que editou a Resolução n.º 1.110/2007, cujo item 120 prevê que o reconhecimento do ágio decorrente de rentabilidade futura, gerado internamente (goodwill interno) é vedado pelas normas nacionais e internacionais. Assim, qualquer ágio dessa natureza anteriormente registrado precisa ser baixado. 4. O reconhecimento de ágio em operações realizadas por empresas que compõem determinado grupo econômico também é vedado pela Comissão de Valores Mobiliários, consoante se depreende do Ofício Circular CVM/SNC/SEP nº 01/2007, que trata de normas contábeis das companhias abertas. 5. Não merece guarida a pretensão da impetrante, especialmente considerando que a configuração do ágio pressupõe operação entre partes independentes com a real intenção de investimento, e não uma negociação consigo mesmo. 6. Como bem ressaltou a magistrada singular, não restou demonstrado o efetivo pagamento do valor investido e posteriormente escriturado como ágio, sem esquecer que a realização da operação por empresas envoltas por determinado grupo econômico impede o seu reconhecimento contábil. 7. Apelação improvida. TRF 3, Apel. 0027143-60.2009.4.03.6100, julg. 02-02-2017.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2017.
PAULO SARNO
Juiz Federal Convocado
Trata-se de apelação em mandado de segurança, com pedido de liminar, para garantir seu direito, previsto no art. 5º, II e 150, I, da Constituição Federal e nos arts. 385 e 386 do Decreto nº 3.000/99, ágio registrado contabilmente em operação de incorporação, para efeitos fiscais e apuração do Imposto de Renda e da Contribuição sobre o Lucro Líquido a pagar.
Alega a impetrante, para tanto, que a empresa Participações Ltda., adquirente de suas ações no passado, passou a ser sua controladora do ponto de vista societário, registrando ágio de investimento no valor de R$ 23.703.332,07. Em 23/09/2009, foi celebrado Instrumento de Protocolo e Justificativa de Incorporação, no qual a impetrante incorporou a empresa Viação, vale dizer, a empresa controlada incorporou a empresa controladora. Realizado laudo contábil, foi registrado o ágio contabilmente, com relação ao qual a impetrante requer o aproveitamento durante o prazo mínimo de cinco anos, na proporção máxima de 1/60 (um sessenta avos) ao mês.
O r. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, denegando a segurança.
Apelou a impetrante para pleitear a reforma da r. sentença, de modo que lhe seja garantido o direito de deduzir, na apuração do IRPJ e da CSLL, o ágio registrado contabilmente.
Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.
Manifestou-se o Ministério Público Federal opinando pelo improvimento da apelação.
É o relatório.
Não assiste razão ao apelante.
O direito de deduzir os valores de ágio registrados contabilmente na operação de incorporação, para efeitos de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, tem previsão legal, nos termos dos artigos 385 e 386 do Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/99:
Art. 385 – O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20):
I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo seguinte; e
II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o inciso anterior.
…
Tratamento Tributário do Ágio ou Deságio nos Casos de Incorporação, Fusão ou Cisão
Art. 386 – A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no artigo anterior (Lei nº 9.532, de 1997, art. 7º, e Lei nº 9.718, de 1998, art. 10):
I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso I do § 2º do artigo anterior, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;
II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso III do § 2º do artigo anterior, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;
III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;
IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados durante os cinco anos-calendário subsequentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no mínimo, para cada mês do período de apuração.
…
§6º – O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, quando (Lei nº 9.532, de 1997, art. 8º):
I – o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor do patrimônio líquido;
II – a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária.
Não obstante, in casu, o reconhecimento do ágio não é factível, visto que decorrente de transação albergada no âmbito de grupo econômico, especialmente considerando a operação de aquisição de 99% das ações da Viação S/A (impetrante) pela empresa Participações Ltda, com posterior registro de incorporação desta pela impetrante.
Tal entendimento, como bem esclarecido nas informações (fls. 91/110) tem gênese na ciência contábil e foi consagrado pelo Conselho Federal de Contabilidade, que editou a Resolução nº 1.110/2007, que assim prevê em seu item 120: O reconhecimento do ágio decorrente de rentabilidade futura, gerado internamente (goodwill interno) é vedado pelas normas nacionais e internacionais. Assim, qualquer ágio dessa natureza anteriormente registrado precisa ser baixado.
O reconhecimento de ágio em operações realizadas por empresas que compõem determinado grupo econômico também é vedado pela Comissão de Valores Mobiliários, consoante se depreende do Ofício Circular CVM/SNC/SEP nº 01/2007, que trata de normas contábeis das companhias abertas:
20.1.7 “Ágio” gerado em operações internas
A CVM tem observado que determinadas operações de reestruturação societária de grupos econômicos (incorporação de empresas ou incorporação de ações) resultam na geração artificial de “ágio”. Uma das formas que essas operações vêm sendo realizadas, iniciasse com a avaliação econômica dos investimentos em controladas ou coligadas e, ato contínuo, utilizar-se do resultado constante do laudo oriundo desse processo como referência para subscrever o capital numa nova empresa. Essas operações podem, ainda, serem seguidas de uma incorporação. Outra forma observada de realizar tal operação é a incorporação de ações a valor de mercado de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico. Em nosso entendimento, ainda que essas operações atendam integralmente os requisitos societários, do ponto de vista econômico contábil é preciso esclarecer que o ágio surge, única e exclusivamente, quando o preço (custo) pago pela aquisição ou subscrição de um investimento a ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial, supera o valor patrimonial desse investimento. E mais, preço ou custo de aquisição somente surge quando há o dispêndio para se obter algo de terceiros. Assim, não há, do ponto de vista econômico, geração de riqueza decorrente de transação consigo mesmo. Qualquer argumento que não se fundamente nessas assertivas econômicas configura sofisma formal e, portanto, inadmissível. Não é concebível, econômica e contabilmente, o reconhecimento de acréscimo de riqueza em decorrência de uma transação dos acionistas com eles próprios. Ainda que, do ponto de vista formal, os atos societários tenham atendido à legislação aplicável (não se questiona aqui esse aspecto), do ponto de vista econômico, o registro de ágio, em transações como essas, somente seria concebível se realizada entre partes independentes, conhecedoras do negócio, livres de pressões ou outros interesses que não a essência da transação, condições essas denominadas na literatura internacional como “arm’s length”. Portanto, é nosso entendimento que essas transações não se revestem de substância econômica e da indispensável independência entre as partes, para que seja passível de registro, mensuração e evidenciação pela contabilidade.
Assim, não merece guarida a pretensão da impetrante, especialmente considerando que a configuração do ágio pressupõe operação entre partes independentes com a real intenção de investimento, e não uma negociação consigo mesmo.
De fato, como bem ressaltou a magistrada singular, não restou demonstrado nos autos o efetivo pagamento do valor investido e posteriormente escriturado como ágio, sem esquecer que a realização da operação por empresas envoltas por determinado grupo econômico impede o seu reconhecimento contábil.
Em face de todo o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
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