- INTRODUÇÃO
A atividade tributária se insere no contexto das atividades financeiras do Estado, caracterizando-se como importante fonte de arrecadação de recursos para o desenvolvimento de suas atividades e objetivos constitucionais em prol da sociedade.
Tamanha é a importância da captação de recursos para o desenvolvimento das atividades públicas que a legislação nacional – desde o nível constitucional até as diversas normas infralegais – prevê diversas prerrogativas e privilégios para assegurar a efetividade da arrecadação tributária.
Contudo, a despeito das proteções jurídicas à tributação, é certo que se trata de atividade que excepciona o direito de propriedade constitucionalmente assegurado no art. 5º, XXII e, por tal razão, o sistema jurídico brasileiro também estabelece uma série de regras cuja finalidade é assegurar uma tributação justa e de acordo com os princípios constitucionais.
Assim, de um lado, ao Estado são atribuídas diversas ferramentas (principalmente a competência tributária em sentido amplo) para captar recursos junto aos súditos particulares, por outro lado, aos súditos é oferecida uma série de proteções que lhe asseguram a sujeição a uma tributação proporcional, clara e previsível. Tal distribuição de prerrogativas e direitos fomenta a coexistência pacifica entre Estado e contribuintes em um Estado Democrático de Direito.
Ocorre que, sob o pretexto de uma suposta supremacia absoluta do interesse público sobre o privado, comumente se verifica na prática da aplicação do direito a desconsideração das proteções dos contribuintes e a ampliação exacerbada dos poderes de arrecadação, com a finalidade de abastecer os cofres públicos com a maior efetividade possível.
Nesse contexto é que se insere o uso indiscriminado da atribuição de responsabilidade tributária de pessoas jurídicas inadimplentes perante o Poder Público aos seus sócios diretores, nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional (CTN – Lei nº 5.172/66), e a consequente atribuição de sujeição processual a estes no âmbito das execuções fiscais.
Com base neste dispositivo legal, é comum vermos as Procuradorias, responsáveis por buscar judicialmente a satisfação do crédito tributário por meio do processo de execução fiscal, buscarem ampliar o rol de pessoas responsáveis pela satisfação do crédito tributário por meio da inserção na Certidão de Dívida Ativa (CDA) do nome de sócios de pessoas jurídicas inadimplentes.
Dessa forma, partindo de créditos tributários constituídos exclusivamente contra a pessoa jurídica, as Procuradorias prontamente incluem no polo passivo da relação jurídico-tributária os sócios dessas pessoas jurídicas, de forma que respondam pessoalmente com seu patrimônio pela dívida tributária.
Vê-se um abuso evidente em ora se aceitar a ficção jurídica da pessoa jurídica nas hipóteses em que há um interesse do Estado e, de outro lado, a desconsideração ou repulsa desta ficção jurídica quando há outros interesses deste mesmo Estado. O critério da ficção jurídica não pode ser o interesse estatal a qualquer preço, mas deve observar as regras impostas pelo sistema jurídico.
Ressaltamos que, de forma alguma, negamos a aplicabilidade do art. 135 do CTN, pois respeitada a sua hipótese legal, é medida justa e útil para assegurar a arrecadação tributária em situação de conduta antijurídica dolosa. O que nos insurgimos contra, todavia, é o uso indiscriminado desta prerrogativa de responsabilidade tributária, conforme oportunamente esclareceremos.
O que propomos neste estudo é avaliar os enunciados pertinentes à responsabilidade tributária de terceiros, identificando suas hipóteses de cabimento e limites para sua aplicação.
Outrossim, além de analisarmos a má aplicação do instituto da responsabilidade tributária de terceiros, teceremos comentários acerca do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos arts. 133 a 136 do Novo Código de Processo Civil (NCPC – Lei nº 13.105/15), já ventilado por muitos como ferramenta para impor a responsabilidade pessoal de crédito tributário a sócios de pessoas jurídicas inadimplentes.
- A Norma Jurídica e o Processo de Positivação
Partindo das precisas lições de Paulo de Barros Carvalho[1], podemos tomar como certo que o direito positivo é um complexo de normas jurídicas voltada à disciplina do comportamento humano, dirigindo a uma finalidade tida como valiosa em determinado momento histórico[2]. Contudo, o direito não consegue atingir diretamente o comportamento humano, de forma que aludida disciplina se dá por meio da indução coercitiva de comportamentos posta pelas normas jurídicas.
Assim, por meio de textos de direito positivo, produzidos por agentes competentes eleitos pelo próprio ordenamento jurídico, são produzidos enunciados prescritivos de condutos, a partir dos quais os intérpretes extraem conteúdos de significação denominados de normas jurídicas, cuja função é regular condutas sociais, buscando estabelecer um dever ser do mundo social ao qual pertence.
A norma jurídica apresenta uma estrutura hipotético-condicional básica, composta por um antecedente e por um consequente, onde dada a ocorrência do fato previsto no antecedente, deverá ser o quanto previsto no consequente. No antecedente encontramos uma hipótese descritiva de um fato, a qual se realizada no mundo fenomênico por um sujeito, ensejará uma relação jurídica prescrita no consequente da norma jurídica, cujo objeto se consubstancia numa obrigação, permissão ou proibição de certa conduta. Assim, realizado um determinado fato descrito no antecedente, irromperá a relação jurídica prescrita no consequente.
Em suma, podemos estruturar a norma jurídica da forma abaixo, onde temos a “H” como a hipótese prevista no antecedente, “→” como um dever ser neutro e o “C” como a relação jurídica prescrita no consequente normativo, onde encontramos uma conduta consubstanciada numa permissão, proibição ou obrigação. Portanto, dada a ocorrência de “H”, deve ser (“→”) “C”.
{H→C}
Ocorre que, conforme as clássicas lições de Hans Kelsen[3], o direito é uma ordem coercitiva, de forma que suas normas instituem coações aplicáveis àqueles que resistem à sua efetivação, reagindo contra condutas indesejáveis. Assim, temos que o atributo marcante das normas jurídicas é justamente a sua coercibilidade, segundo o qual o cumprimento de suas prescrições pode ser imposto por meio do uso da força (coerção).
Nesse contexto surge a noção de norma jurídica primária e secundária, sendo a primeira prescritiva de uma determinada conduta cujo descumprimento se constitui na hipótese da segunda, que legitima o uso da força estatal para fazer valer o dever ser da norma primária. A conjugação destas duas normas é o que se denomina de norma jurídica completa, pois a norma jurídica somente o será se for uma regra acompanhada de uma correlata sanção decorrente de sua inobservância.
Segundo Aurora Tomazini de Carvalho[4], a norma secundária prescreve que no caso de descumprimento, inobservância ou inadimplência, por parte do sujeito passivo, do dever jurídico prescrito no consequente da norma jurídica primária, o sujeito ativo desta relação, na qualidade de titular do direito subjetivo não satisfeito, pode exigir coativamente a prestação não adimplida.
Contudo, continua Aurora Tomazini de Carvalho, a coação jurídica não é autoaplicável, pois o uso da força é de monopólio estatal e em casos autorizados pelo ordenamento jurídico. Com efeito, verificado o inadimplemento do dever jurídico prescrito na norma jurídica primária, deverá ser a relação jurídica sancionatória, onde o titular do direito lesado apresentará capacidade processual ativa (autor) para requerer ao Estado-Juiz que utilize a coação para se fazer o sujeito passivo (réu) cumprir o dever não observado. Portanto, temos que a relação jurídica da sanção é uma relação de natureza processual.
A esse respeito, Rodrigo Dalla Pria[5] bem pontua que existem dois sistemas normativos paralelos e interdependentes: (a) o sistema primário, que regula as condutas dos sujeitos; e (b) o sistema secundário que regula as condutas dos juízes e demais órgãos jurisdicionais. Assim, temos que o sistema primário é aquele pertinente ao direito material e o secundário diz respeito ao direito processual.
Estes sistemas mantêm a dita relação de interdependente pois a efetivação do direito material, quando resistido, dependerá de tutela jurisdicional regulada pelas normas do sistema secundário, as quais, por sua vez, somente poderão ser aplicadas se houver uma violação das normas do sistema primário.
Dessa forma, conforme aponta de Aurora Tomazini de Carvalho[6], podemos sumarizar a estrutura da norma jurídica completa da forma abaixo:
Np v Ns
{[H→C] v [H’ (- C)→S]}
Na estrutura acima temos a “Np” como norma jurídica primária, composta por uma hipótese “H” e uma consequência “C”, ligadas por um dever ser “→”; em sequência temos a norma jurídica secundária “Ns”, composta pela hipótese “H’”, consistente no descumprimento da consequência “C” da norma jurídica primária, ou seja, o “-C”, e sua consequência “S”, composta pela sanção que legitimará o uso da força estatal para fazer valer “C”. Note-se que ambas as normas jurídicas (primária e secundária) são ligadas por um disjuntor includente “v” que, segundo Paulo de Barros Carvalho[7], tem por finalidade mostrar que ambas são simultaneamente válidas, mas a aplicação de uma exclui a da outra.
Em linhas gerais, a norma jurídica completa é estruturada de forma que, dada a ocorrência de um fato previsto em “H”, deverá ser a relação jurídica prescrita em “C”, que se desrespeitada (-C), caracterizará “H’”, fazendo irromper a relação jurídica de sanção (“S”), onde o titular da prestação não adimplida (objeto de “C”) poderá exigir do Estado-Juiz o uso da coação estatal para fazer valer o seu direito.
Nessa medida, o inadimplemento de uma relação jurídica integrada pelos sujeitos ativo e passivo caracterizará a hipótese da norma jurídica secundária, cujo consequente será a relação jurídica processual de caráter tríplice, onde o mencionado sujeito ativo se torna autor, pleiteando junto ao Estado-Juiz a satisfação de seu direito em face do outrora sujeito passivo que agora se torna réu.
Contudo, tais relações jurídicas não surgem automaticamente. Ao contrário, é necessário todo um desencadeamento normativo, desde os enunciados constitucionais, até a produção de uma norma individual e concreta que faça irromper o vínculo relacional do consequente normativo e, se necessário, permitir a persecução do adimplemento da obrigação objeto.
Assim, parte-se de normas gerais (dirigidas a um conjunto indefinido de indivíduos) e abstratas (não referente a nenhum fato concreto) para se chegar a normas individuais (dirigidas a indivíduos determinados) e concretas (referente a um fato concreto ocorrido no mundo fenomênico e vertido em linguagem jurídica), prescritivas de relações jurídicas que se extinguem, em regra, com o adimplemento. Tal caminho a ser percorrido é o que se denomina “processo de positivação”.
A esse respeito, transcrevemos as elucidativas lições de Paulo de Barros Carvalho[8]:
Na hierarquia do direito posto, há forte tendência de que as normas gerais e abstratas se concentrem nos escalões mais altos, surgindo as gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas à medida que o direito vai se positivando, com vistas à regulação efetiva das condutas interpessoais. Caracteriza-se o processo de positivação exatamente por esse avanço em direção aos comportamentos das pessoas. As normas gerais e abstratas, dada sua generalidade e posta sua abstração, não têm condições efetivas para atuar materialmente num caso definido. Ao projetar-se em direção à região das interações sociais, desencadeiam uma continuidade de regras que progridem para atingir um caso especificado. E nessa sucessão de normas, baixando incisivamente para o plano das condutas efetivas, que chamamos de “processo de positivação do direito”, entre duas unidades estará sempre o ser humano praticando aqueles fatos conhecidos como fontes de produção de normas.
Ocorre que, seguindo o referencial teórico do Constructivismo Lógico-Semântico de Paulo de Barros Carvalho, temos que somente haverá normas jurídicas onde houver uma linguagem própria que as materialize[9], sendo que, para que haja incidência normativa, há de ser produzida uma linguagem competente, que atribua juridicidade ao fato, imputando-lhe efeitos na ordem jurídica, constituindo a relação jurídica.
É dizer, a incidência normativa não ocorrerá de forma automática, mas dependerá de um ato de aplicação. Nesse sentido, ocorrido o evento, caberá ao aplicador do direito a sua verificação e constituição em fato jurídico, mediante a linguagem das provas, partindo deste para a imputação das consequências previstas na ordem jurídica, ou seja, igualmente constituindo a consequente relação jurídica. Nesse sentido, somente haverá fato jurídico e relação jurídica se esta for constituída mediante a constituição do enunciado relacional, o que se dará por um ato de aplicação.
Em sequência, constituída a relação jurídica, delimitando seus sujeitos e objeto, juridicamente se espera que o sujeito passivo cumpra com a prestação prescrita no consequente normativo. Caso não o faça, o processo de positivação continua por meio da incidência da norma secundária, onde o sujeito ativo passa a poder exigir junto ao Estado-Juiz a satisfação forçada de seu direito creditório em face do sujeito passivo.
- A Relação Jurídico-Tributária
No direito tributário, como sub-ramo didaticamente autônomo do direito, também se verifica a mesma estrutura básica da norma jurídica completa, tal como exposta acima, inclusive no tocante à estrutura das relações jurídicas a ela inerente. Contudo, por ser um ramo do direito com um conjunto próprio de princípios e normas a ele inerentes, é certo que é dotado de certas particularidades, como passamos a expor brevemente.
Primeiramente, é de se ter em mente que, segundo as elucidativas lições de Geraldo Ataliba[10], baseada nas disposições do art. 3º do CTN, o tributo é obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou por ela delegado em forma de lei), e cujo sujeito passivo é alguém que é posto nessa situação por força de lei. Nessa medida, como tônica da hipótese normativa da na Regra-Matriz de Incidência Tributária teremos obrigatoriamente no critério material a descrição de um fato lícito e o objeto da relação prescrita há de ser uma prestação pecuniária obrigatória.
Outra particularidade que nos interessa para o presente estudo diz respeito aos sujeitos da relação prescrita no consequente, a relação jurídico-tributária. Em relação ao sujeito ativo, este é, usualmente, o titular da competência tributária. Já no polo passivo, em consonância com o art. 121 do CTN, este poderá ser contribuinte, quando possuir relação pessoal e direta com o fato jurídico-tributário da materialidade do tributo, ou responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Retornaremos ao sujeito passivo mais adiante quando formos tratar da figura do responsável tributário.
Em linhas gerais, podemos verificar que na relação jurídico-tributária prescrita no consequente da Regra-Matriz de Incidência Tributária haverá um sujeito passivo (primariamente o contribuinte e/ou, por força de lei, o responsável) que deverá pagar ao sujeito ativo (usualmente o ente público titular da competência tributária) uma determinada parcela de seu patrimônio a título de tributo em decorrência da realização de um fato lícito.
Dessa forma, o liame obrigacional é composto por três elementos, sujeito ativo, sujeito passivo e objeto, estando os dois sujeitos em polos opostos, porém voltados ao objeto (tributo). Vejamos a representação de tal vínculo jurídico:
SA → O ← SP
Temos, portanto, no centro da relação o objeto (O), para onde convergem os direitos e obrigações dos sujeitos ativo (SA) e passivo (SP). Nesse contexto, o sujeito ativo é detentor do direito subjetivo de exigir a prestação objeto da relação, ao que se denomina de “crédito” ou “direito creditório”; já o sujeito passivo é detentor do dever jurídico de prestar o objeto, ao que se denomina “débito”.
Assim, podemos concluir que crédito e débito são contrapostos, mas voltados para um mesmo ponto, o objeto, de forma que um exige o seu cumprimento e o outro deve o seu cumprimento.
A relação jurídico-tributária surge com a realização do fato lícito previsto no antecedente da Regra-Matriz de Incidência Tributária e se extingue, em regra, com a satisfação de sua obrigação objeto pelo sujeito passivo. Em caso de inadimplemento da obrigação tributária, surgirá então a possibilidade de incidência da norma jurídica secundária, onde o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, na qualidade de autor, pleiteará junto ao Estado-Juiz a satisfação de seu direito creditório em face do sujeito passivo, na qualidade de réu.
Como esclarecido linhas acima, contudo, a incidência normativa e o surgimento da relação jurídica prescrita no consequente normativo não são automáticos, visto que requer um ato humano de aplicação normativa, constituindo em linguagem jurídica competente o mero evento num fato jurídico.
Especificamente no direito tributário, o ordenamento jurídico prevê o denominado “lançamento tributário” que, à luz dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho[11], pode ser definido como um ato jurídico administrativo, simples, constitutivo e vinculado, mediante o qual se insere na ordem jurídica normas individuais e concretas, cujo antecedente é a realização do fato jurídico-tributário descrito no antecedente da regra-matriz de incidência tributária (norma geral e abstrata) e, no consequente, a formalização da relação jurídico-tributária prescrita no consequente da norma geral e abstrata.
Ou seja, o lançamento é o ato de aplicação da norma geral e abstrata, que introduz a norma individual e concreta, juridicizando o evento tributário em fato jurídico-tributário, constituindo a partir daí a relação jurídico-tributária. É justamente o que dispõe o art. 142 do CTN, in verbis:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Cumpre-nos ressaltar que a constituição do crédito tributário também pode ser realizada pelo particular sujeito passivo. É o que ocorre no denominado “auto-lançamento” ou, na terminologia do CTN, “lançamento por homologação”, previsto no art. 150 deste diploma.
Nos termos do art. 150 do CTN, no lançamento por homologação compete ao particular a individualização do evento tributário e sobre ele aplicar a norma geral e abstrata, constituindo o fato jurídico-tributário e a consequente relação jurídico-tributária, estruturando de forma denotativa todos os seus elementos, prosseguindo com seu adimplemento e, ao final, permanecendo tal produção normativa sujeita à posterior homologação das autoridades fiscais.
Evidente que diante de qualquer discordância da norma jurídica produzida pelo particular, cabe à autoridade fiscal administrativa apurar os fatos e constituir outra norma jurídica individual e concreta por meio do lançamento tributário.
Numa modalidade de lançamento ou noutra, temos como ponto comum a produção de uma norma individual e concreta, com a consequente constituição da relação jurídico-tributária. Nesse contexto, para a produção e tal norma, faz-se necessário que o aplicador do direito identifique no mundo fenomênico a ocorrência de todos os aspectos do antecedente normativo (material, espacial e temporal), juridicizando o evento em fato jurídico-tributário, para então identificar também no mundo fenomênico os critérios do consequente normativo (pessoal – sujeitos ativo e passivo – e quantitativo – base de cálculo e alíquota), constituindo a relação jurídico-tributária.
Com feito, não haverá a incidência da norma jurídica se não forem preenchidos todos os elementos conotativos da hipótese da normativa geral e abstrata e não haverá relação jurídico-tributária se não forem vertidos em linguagem competente todos os elementos da relação jurídica (nisso incluído o sujeito passivo) indicados no consequente normativo.
- A Responsabilidade Tributária dos Sócios Diretores
Como visto, a relação jurídico-tributária é composta por dois polos opostos, mas direcionados a um mesmo objeto: sujeito ativo, titular do direito creditório do tributo, e sujeito passivo, titular do dever subjetivo de satisfazer o mencionado direito creditório. Portanto, tem-se um sujeito com o direito de exigir a prestação e outro com o dever de cumprir a prestação, encontrando-se no meio justamente a prestação objeto.
Nesse contexto, especificamente com relação ao sujeito passivo, podemos defini-lo como a pessoa de quem se exige o cumprimento da obrigação tributária[12]. Ocorre que, como visto linhas acima, nos termos do art. 121 do CTN, o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser “contribuinte” (parágrafo único, inciso I) ou “responsável” (parágrafo único, inciso II), a depender da relação com o fato jurídico-tributário constante da materialidade do tributo. A esse respeito, transcrevemos as lições de Maria Rita Ferragut[13]:
Os dois sujeitos passivos, por terem obrigação de adimplir com o objeto da prestação, são responsáveis considerando-se a acepção lata do termo. Entretanto, dada a ambigüidade presente no referido vocábulo, daqui por diante passaremos a designar “responsabilidade tributária” somente a obrigação de terceiro fundada no inciso II do referido parágrafo.
Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário, e que cumulativamente encontra-se no pólo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver ausente, ou o sujeito será responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas insuficiente.
Das disposições do art. 121, parágrafo único, do CTN, e dos ensinamentos acima transcritos, podemos concluir que o responsável tributário preenche o polo passivo da relação jurídico-tributária, integrando esta, por força de disposição legal, contudo, não é ele quem realizou o fato jurídico-tributário. Com efeito, o responsável é incumbido com a obrigação de adimplir com o crédito tributário decorrente de fato jurídico-tributário praticado por outrem.
Diante destas considerações, temos que as expressões “sujeição passiva” e “contribuinte” não são sinônimas, ao contrário, aquela (sujeição passiva) é gênero da qual este (contribuinte) é espécie juntamente com os responsáveis, cuja classe pode ser subdividida em diversas outras (por sucessão, de terceiros, por infração, solidariedade e substituição).
No contexto da responsabilidade tributária de terceiros – subdivisão da espécie “responsável tributário” –, surge a questão pertinente à responsabilidade tributária dos sócios diretores, objeto do presente estudo, prescrita no art. 135 do CTN, in verbis:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior[14];
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Conforme se depreende da leitura do dispositivo legal acima transcrito, nota-se verdadeira hipótese de responsabilidade tributária de terceiros, na medida em que o rol de pessoas ali listadas será pessoalmente responsável pelo crédito tributário decorrente da realização por outrem do fato jurídico-tributário.
Especificamente com relação à figura do sócio diretor, vemos sua hipótese de responsabilidade pessoal especialmente no art. 135, III. Nessa medida, um primeiro aspecto que podemos notar acerca desta responsabilidade tributária pessoal é que não basta que o sujeito seja sócio da pessoa jurídica devedora (e realizadora do fato jurídico-tributário), mas é necessário que seja diretor, gerente ou representante desta; em outros termos, é necessário que o sócio possua poderes de gestão/representação da pessoa jurídica.
Em verdade, a responsabilidade de terceiros aqui avaliada sequer exige que o sujeito seja sócio da pessoa jurídica (apesar de sua remissão no inciso I, c/c art. 134, VII), podendo ser seu mandatário, preposto, empregado, diretor, gestor ou representante. Salientamos que o art. 134 do CTN prevê a responsabilidade solidária dos sócios, sem requerer que tenham poderes de gestão, contudo, trata-se de outra subdivisão da responsabilidade (responsabilidade por solidariedade) aplicável em casos de dissolução da sociedade.
Portanto, em relação à responsabilidade tributária do art. 135 do CTN, vale a advertência de Maria Rita Ferragut[15] no sentido de que “não deverão ser incluídas nesse conjunto de pessoas sem poderes para decidir sobre a realização de fatos jurídicos, ou se com poderes, que, no caso concreto, não tiveram qualquer participação no ilícito”.
O segundo (e talvez mais relevante) aspecto da responsabilidade tributária dos sócios diretores é que não basta o mero inadimplemento da obrigação tributária por parte da pessoa jurídica por ele gerida, mas é necessário que o crédito tributário decorra de “atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Assim, tem-se como tônica desta modalidade de responsabilidade a prática de conduta ilícitas e dolosa por parte do gestor, que leve ao nascimento da obrigação tributária.
A esse respeito, é de se ter em mente que o gestor de uma pessoa jurídica possui o poder de agir com cuidado e diligência nos melhores interesses da sociedade. Com efeito, tem o dever de zelar pelos interesses e finalidade da sociedade, ao mesmo tempo em que preserva o bem público e a função social[16].
Dessa forma, a prática de atos fora dos limites dos poderes que lhe foram atribuídos (hipótese de excesso de poderes), ou que levem a sociedade a infringir a legislação ou em desrespeito ao contrato social ou estatuto se caracterizará como um ato contrário ao dever de zelo do gestor e contrário à própria pessoa jurídica gerida, abrindo ensejo à responsabilização deste mau gestor
Nota-se um verdadeiro caráter sancionatório nesta espécie de responsabilidade, tendo em vista que o terceiro passa a responder pelo débito como forma de punição administrativa pelo descumprimento de seus deveres como gestor. Assim, como punição pela má gestão dolosa, o gestor é posto na qualidade de responsável pessoal e exclusiva pelo crédito tributário do qual deu causa com seus atos, substituindo a pessoa jurídica no polo passivo da relação jurídico-tributária.
Nesse sentido, trazemos à baila os ensinamentos de Aliomar Baleeiro[17] acerca do art. 135 do CTN:
Nesses casos, além das categorias de pessoas arroladas no art. 134, que passam a ser plenamente responsáveis pelos créditos tributários, e não apenas solidárias estritamente em caso de impossibilidade do cumprimento por parte do contribuinte, ficam na mesma situação os mandatários, prepostos e empregados, assim como os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado, em geral.
O caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser os responsáveis, em vez do contribuinte.
Alertamos, todavia, que a má gestão da sociedade e de seus negócios pela prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, podem ensejar a responsabilidade civil (e, em certos casos, até mesmo criminal) do mau gestor, mas por si só não acarretam a responsabilidade tributária.
Isso porque, o caput do art. 135 estabelece que a responsabilidade tributária recai sobre “créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes” dos mencionados atos dolosos. É dizer, os atos dolosos e contrários à sociedade devem acarretar a realização do fato jurídico-tributário por parte da pessoa jurídica, fazendo surgir um crédito tributário dele decorrente. Faz-se necessário, portanto, um nexo causal entre a conduta dolosa do gestor e o crédito tributário cuja responsabilidade lhe será atribuída.
E, justamente pela necessidade do ato doloso acabar por levar ao surgimento do crédito tributário é que, por decorrência lógica e cronológica, tal ato deve ser anterior ou, no máximo, concomitante à realização do fato jurídico-tributário. Acerca deste ponto, precisos são os ensinamentos de Misabel Abreu Machado Derzi[18], em atualização de clássica obra de Aliomar Baleeiro:
Já o art. 135 transfere o débito, nascido em nome do contribuinte, exclusivamente para o responsável, que o substitui, inclusive em relação às hipóteses mencionadas no art. 134. A única justificativa para a liberação do contribuinte, que não integra o polo passivo, nas hipóteses do art. 135, está no fato de que os créditos ali mencionados correspondem a “obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto”. O ilícito é, assim, prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação (mas exterior à norma tributária), e não posterior, como seria o caso do não pagamento do tributo. A lei a que se infringe é a lei comercial ou civil, não a lei tributária, agindo o terceiro contra os interesses do contribuinte. Daí se explica que, no polo passivo, se mantenha apenas a figura do responsável, não mais a do contribuinte, que viu, em seu nome, surgir a dívida não autorizada quer pela lei, quer pelo contrato social ou estatuto. (…)
A peculiaridade do art. 135 está em que os ilícitos ali mencionados, que geram a responsabilidade do terceiro que os pratica, são causas (embora externas) do nascimento da obrigação tributária, contraída em nome do contribuinte, mas contrariamente aos seus interesses. (…)
É importante, por mais redundante que pareça, deixar claro que a responsabilidade tributária do art. 135 do CTN não se caracteriza pelo mero inadimplemento do tributo pela pessoa jurídica, conforme consignado na Súmula nº 430 do Superior Tribunal de Justiça[19], que vem em linha com a acertada jurisprudência da Primeira Seção deste Tribunal, conforme EREsp nº 374.139/RS, cuja ementa transcrevemos abaixo:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. INADIMPLEMENTO.
- A ausência de recolhimento do tributo não gera, necessariamente, a responsabilidade solidária do sócio-gerente, sem que se tenha prova de que agiu com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.
- Embargos de divergência rejeitados.
(EREsp 374.139/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2004, DJ 28/02/2005, p. 181)
Assim, em apertada síntese, temos que a responsabilidade pessoal dos sócios diretores, nos termos do art. 135 do CTN, pressupõe os seguintes elementos indispensáveis: (a) que o sócio possua poder de gestão; (b) que pratique ato doloso com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos; (c) que o ato doloso acarrete a prática do fato jurídico-tributário pela pessoa jurídica gerida (nexo causal); e (d) a conduta dolosa deve ser anterior ou concomitante à realização do fato jurídico-tributário.
Evidente que todos estes elementos deverão ser verificados no mundo fenomênico e constituídos em linguagem competente, a fim de juridicizar a responsabilidade tributária pessoal do sócio diretor o que, a nosso ver, se dá por meio do lançamento tributário, que deverá estar acompanhado das provas acerca do substrato fático que o suporta.
- O Lançamento Tributário e a CDA: a positivação da obrigação tributária
Como vimos acima, a relação jurídico-tributária decorre da realização de um fato jurídico-tributário previsto no antecedente na norma jurídica tributária, sendo constituída por meio de um ato de aplicação do direito, o lançamento ou auto-laçamento.
Quando do lançamento, deve-se identificar factualmente todos os critérios da Regra-Matriz de Incidência Tributária, inclusive os sujeitos da relação jurídico-tributária, que somente poderão integrar está se forem juridicamente constituídos como seu participe. É dizer, a relação “sujeito passivo A deve pagar o tributo ao sujeito ativo B” somente existirá juridicamente se trazida para o mundo jurídico pelo lançamento. O mesmo se sucede em relação ao responsável tributário, que somente será responsável se juridicamente constituído como tal quando do lançamento, uma vez que nada existe juridicamente sem que uma linguagem assim o tenha constituído.
Em redundante síntese, especialmente para fins da presente análise, somente será sujeito passivo da relação jurídico-tributária se o lançamento juridicamente o constituir como tal. Outrossim, no caso da responsabilidade pessoal do art. 135 do CTN, requer-se ainda a constituição em linguagem jurídica dos elementos acima apontados, amparada pela linguagem das provas.
Percorrido este caminho, estando a relação jurídico-tributária constituída, caberá ao sujeito passivo satisfazer o direito creditório do sujeito ativo, extinguindo sua obrigação pela prestação do tributo.
Assim, conforme leciona Rodrigo Dalla Pria[20] a positivação no âmbito tributário
(…) tem início com o exercício da competência tributária, instituindo-se normas que prescrevem o nascimento de uma dada relação jurídica decorrente da verificação de um evento hipoteticamente previsto, o qual é constituído, como fato jurídico tributário, por meio de ato-norma de lançamento, cujo consequente substancia uma relação jurídica tributária com sujeitos e objeto concretamente determinados.
Conquanto condição, o ato-norma de lançamento não exaure o processo de positivação do direito tributário, o que somente ocorrerá se o contribuinte efetuar espontaneamente o pagamento da prestação objeto da obrigação tributária. Em caso de não pagamento espontâneo do crédito pelo sujeito passivo da obrigação tributária, uma série de outros atos se sucederão, prolongando a cadeia do processo de positivação (…)
Diante da norma jurídica completa, temos que o crédito tributário não satisfeito pelo sujeito passivo caracterizará o inadimplemento da relação jurídico-tributária consequente da norma jurídica primária e, como decorrência, também caracterizará a hipótese normativa da norma jurídica secundária que legitimará o sujeito ativo a requerer junto ao Estado-Juiz a satisfação de seu direito creditório.
Em matéria tributária, o meio processual adequado para que o sujeito ativo pleiteie a satisfação de seu direito é a execução fiscal, regulada pela Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal – LEF) e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. Trata-se de ação exacional que, conforme aponta Paulo Cesar Conrado[21], tem por objetivo a composição do conflito “inadimplemento da obrigação tributária já constituída” (pois se não constituída, juridicamente não existe e não pode ser inadimplida), o que se dá por meio da produção de uma norma individual e concreta que constitua o modo de efetivação, no plano fenomênico, da obrigação tributária inadimplida.
Elemento essencial da petição inicial da execução fiscal a ser proposta pelo sujeito ativo (agora autor) é a CDA, que deve instruir a peça inicial e dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita. Nos termos dos arts. 201 e 204, § único, do CTN, c/c art. 784, IX, do NCPC (correspondente ao art. 585, VI, do CPC/73 – Lei nº 5.869/73) a CDA é um título executivo extrajudicial que goza de presunção de certeza e liquidez.
É de se ressaltar que o sistema jurídico não admite a execução fiscal sem a prévia existência da CDA, conforme consigna o art. 783 do NCPC (correspondente ao art. 586 do CPC/73), o qual estabelece que “a execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”.
Assim, havendo um crédito tributário definitivamente constituído e inadimplido, deve o sujeito ativo proceder à inscrição do débito em dívida ativa, indicando os diversos elementos da relação jurídico-tributária não satisfeita, dentre os quais “o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros” (art. 202, I, do CTN).
A CDA, como título executivo, apresenta função de revelar o direito material de fundo, apontando os elementos desta, os quais, frise-se, já estavam previamente constituídos, balizando o alcance da tutela jurisdicional da execução fiscal. Em outros termos, a CDA não constitui o crédito tributário, mas apenas se reporta ao ato que o constituiu (lançamento)[22]. Assim, a obrigação tributária constituída, em não havendo qualquer óbice, será exigível, sendo que a CDA lhe conferirá a exiquibilidade.
Uma vez expedida a CDA, o autor (sujeito ativo da relação jurídico-tributária) poderá propor a execução fiscal. No que tange ao réu, o art. 4º da LEF dispõe que a execução fiscal poderá ser proposta em face do devedor (inciso I), do responsável (inciso II), nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado, dentre outras pessoas.
Diante das disposições do art. 202, I, do CTN, e arts. 2º, § 5º, I, e 4º, ambos da LEF, é clara a possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na condição de réu, o sócio diretor que tenha incidido no art. 135 do CTN. Contudo, tal inclusão não é livre e arbitrária por parte do sujeito ativo.
Comumente se vê a propositura de execuções fiscais em que constam os sócios de pessoas jurídicas devedoras como litisconsorte passivo, mas em situação absurda em que não há lançamento prévio que constitua a responsabilidade tributária de terceiros, apenas fazendo constar seu nome na CDA.
Ocorre que, como visto anteriormente, o primeiro ponto a ser superado para a responsabilização do sócio diretor é a caracterização fática dos elementos do art. 135 do CTN, quais sejam, a prática de ato doloso com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, que acarrete falta de recolhimento do tributo. Outrossim, não basta que estes elementos tenham ocorrido no mundo fenomênico, é necessário que sejam vertidos em linguagem jurídica, o que se dá por meio do lançamento, que formaliza os elementos da relação jurídico-tributária, inclusive seu sujeito passivo (contribuinte e responsável).
Assim, sendo a CDA um título executivo que remete a uma relação previamente constituída e inadimplida, é evidente que em nada pode inovar nesta relação, mas apenas a formaliza em uma nova norma jurídica, conferindo-lhe exequibilidade. Nessa medida, para que um responsável tributário conste da CDA é condição sine qua non que sua responsabilidade tenha sido previamente constituída, de forma a inclui-lo no polo passivo da mencionada relação, sob pena da CDA não poder se reportar a ele.
É dizer, a CDA somente se reporta a relações previamente constituídas e nos exatos termos em que foram constituídas, revelando-a e conferindo exequibilidade a seu objeto inadimplido. Portanto, não havendo a figura do responsável tributário na relação, não haverá a possibilidade lógica e jurídica dele constar da CDA.
Ademais, rememoramos que o débito tributário exigível do sócio diretor, nos termos do art. 135 do CTN, deve decorrer da prática dos mencionados atos dolosos, de forma que estes devem ser anteriores ou, no máximo, concomitantes à realização do fato jurídico-tributário. Nesse sentido, nos termos do art. 142 do CTN, o lançamento, como atividade administrativa vinculada constitutiva do crédito tributário (e de sua correlata relação jurídica), deve, obrigatoriamente, identificar o(s) sujeito(s) passivo(o), seja ele contribuinte ou responsável, assim como os elementos implicadores da responsabilidade.
Assim, se quando do lançamento tributário o possível responsável tributário assim não foi constituído, deixando de ser incluído no polo passivo da relação jurídico-tributária, mesmo que tenha realizado os aludidos atos dolosos, entendemos que não cabe à CDA trazer seu nome como devedor e, muito menos, a sua constituição em réu da execução fiscal, uma vez que não há uma linguagem prévia a que o título executivo possa se referir.
Contudo, infelizmente este não tem sido o entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende ser possível a inclusão do nome do sócio em CDA que se refere a débito constituído apenas contra a empresa. E pior, entende que, diante da presunção de certeza e liquidez de que se reveste a CDA, cabe ao sócio provar que não incorreu em nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, o que deve ser feito pela onerosa via dos embargos à execução. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA, CUJOS NOMES CONSTAM DA CDA, NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE DEFESA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
- A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.
- Por outro lado, é certo que, malgrado serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da execução fiscal, a orientação desta Corte firmou-se no sentido de admitir a exceção de pré-executividade nas situações em que não se faz necessária dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, como as condições da ação, os pressupostos processuais, a decadência, a prescrição, entre outras.
- Contudo, no caso concreto, como bem observado pelas instâncias ordinárias, o exame da responsabilidade dos representantes da empresa executada requer dilação probatória, razão pela qual a matéria de defesa deve ser aduzida na via própria (embargos à execução), e não por meio do incidente em comento.
- Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 – Presidência/STJ.
(REsp 1104900/ES, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 01/04/2009)
Lamentavelmente, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, em aparente influência das ideias de supremacia do interesse público e da essencialidade da arrecadação tributária em prol da sociedade, acabou por ignorar as demais regras do sistema jurídico e até mesmo a própria lógica da positivação jurídica, na medida em que: (a) desvirtua o efeito revelador da CDA, atribuindo-lhe efeitos constitutivos típicos do lançamento; e (b) inverte o ônus da prova acerca das causas da responsabilização, passando-o do sujeito ativo para o sujeito passivo, que deverá comprovar a sua inexistência.
Até este ponto, a despeito dos desvios jurisprudenciais, temos para nós ser muito clara a necessidade da constituição prévia da responsabilidade de terceiros para que um sócio diretor possa integrar a lide da execução fiscal como réu.
Contudo, ainda resta uma dúvida: com fundamento nos termos do art. 135 do CTN, é possível redirecionar a execução fiscal para um sócio diretor nos casos de dissolução irregular da sociedade, uma vez que este ato pode se verificar após a expedição da CDA? Quer nos parecer que não! Expliquemos.
Diz-se que há a dissolução irregular de uma sociedade quando uma sociedade encerra suas atividades sem a observância das normas regulatórias, principalmente do direito empresarial e seus reflexos, ocasionando situações como o inadimplemento de credores, dentre os quais o Poder Público em matéria tributária. Tal dissolução irregular, segundo a Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça, pode se dar, inclusive, de forma presumida:
Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.
Em relação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme já se verifica da análise do enunciado sumular acima transcrito, entende-se que a dissolução irregular da sociedade é um ato de infração à lei e, por tal razão, poder-se-ia redirecionar a execução fiscal ao sócio gerente, nos termos do art. 135 do CTN. E, pior ainda, tal redirecionamento poderia se dar em face do sócio diretor que integrava a sociedade quando da sua dissolução irregular, independentemente de integrar a sociedade, ou mesmo possuir poderes de gestão, à época do fato jurídico-tributário que originou o crédito inadimplido, conforme se verifica da ementa abaixo transcrita:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO PARA OS SÓCIOS-GERENTES. SÓCIO QUE NÃO INTEGRAVA A GERÊNCIA DA SOCIEDADE À ÉPOCA DO FATO GERADOR. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA.
POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. CAUSA SUSPENSIVA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO AUTÔNOMO. SÚMULA 283/STF.
- Hipótese em que o Tribunal local consignou: “ao redirecionamento da execução fiscal, na hipótese de dissolução irregular da sociedade, interessa a condição de sócio-gerente à época da dissolução irregular, e não do inadimplemento do tributo, porque é aquele fato, e não este, o que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Essa é, aliás, a jurisprudência dominante da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, do que é exemplo o seguinte julgado (…)” (fl. 471, e-STJ).
- A Segunda Turma do STJ passou a decidir que, se o motivo da responsabilidade tributária é a infração à lei consubstanciada pela dissolução irregular da empresa (art. 135, III, do CTN), é irrelevante para efeito de redirecionamento da Execução Fiscal ao sócio-gerente ou ao administrador o fato de ele não integrar a sociedade quando do fato gerador do crédito tributário. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.515.246/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.2.2016; REsp 1.520.257/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 23.6.2015.
(…)
- Agravo Interno não provido.
(AgInt na PET no AREsp 741.233/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2016, DJe 10/10/2016)
Tal posicionamento, em nosso entendimento, não poderia ser mais inconsistente. Isso porque, como vimos, a responsabilidade tributária do art. 135 do CTN pressupõe que o crédito tributário possua um nexo causal com a conduta ilícita. Com efeito, a despeito da dissolução irregular da sociedade ser um ato contrário à lei, é certo que se não deu causa à obrigação tributária, bem como pelo fato de se tratar de fato posterior a ela, não há que se falar na aplicação do mencionado art. 135 e, muito menos, em redirecionamento da execução fiscal sob tal fundamento.
Nesse cenário, pode-se, quando muito, requerer a constituição da responsabilidade solidária do sócio com fundamento no art. 134, VII[23], do CTN, mas não sua responsabilidade pessoal nos termos do mencionado art. 135.
Novamente, a jurisprudência se mostra cega com um ímpeto de assegurar a arrecadação tributária, ignorando a literalidade dos enunciados legais, impondo a responsabilidade tributária a sujeito que sequer possui qualquer relação com o fato jurídico-tributário que deu nascimento à obrigação tributária.
- O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica
Por fim, teceremos alguns comentários acerca do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, recém regulamentado pelos arts. 133 a 137 do NCPC, e a (im)possibilidade de sua aplicação em relação ao art. 135 do CTN.
Primeiramente, consignamos que a regulamentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pelo NCPC foi um dos aspectos mais felizes do labor legislativo que originou o NCPC. Isso porque, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica já existia no ordenamento jurídico pátrio, contudo, carecia de regulamentação quanto ao seu procedimento de aplicação.
A inédita regulamentação insere tal incidente sob o Título III do NCPC, denominado “Da Intervenção de Terceiros”. Nesse contexto, o art. 133 estabelece que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, e deverá observará e comprovar os pressupostos previstos em lei (os quais veremos mais adiante).Segundo o art. 134, tal incidente é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial (nisso incluídas as execuções fiscais), sendo dispensável sua instauração se requerido na petição inicial.
Nos termos do art. 135, uma vez instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para se manifestar e requerer as provas cabíveis, sendo então o incidente resolvido por meio de decisão interlocutória, conforme determina o art. 136.
Vejamos agora os pressupostos previstos em lei para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, na medida em que a pessoa jurídica possui personalidade e patrimônio próprio, distinta daquela de seus sócios. É o que leciona Caio Mário da Silva Pereira[24]:
Não obstante subsistir o princípio da distinção entre a sociedade e seus integrantes, em determinadas circunstâncias opera-se como levantado ou perfurado o véu – lifting or piercing the veil – para alcançar o sócio, o gerente, o diretor, o administrador, e trazê-lo à realidade objetiva da responsabilidade. Em oposição, portanto, à velha regra societas distat a singulis, uma nova concepção foi construída. De fato, a desconsideração da personalidade jurídica consiste em que, nas circunstâncias previstas, o juiz deixa de aplicar a mencionada regra tradicional da separação entre sociedade e seus sócios, segundo a qual é a pessoa jurídica que responde pelos danos e os sócios nada respondem.
(…)
Cumpre observar, todavia, que não se trata de decretar a nulidade ou a desconstituição da pessoa jurídica, senão em dadas circunstâncias, proclamando-lhe a ineficácia, continuando a personalidade jurídica a subsistir para todo e qualquer ato.
A esse respeito, o art. 50 do Código Civil (Lei nº 10.406/02), traz a figura da desconsideração da personalidade jurídica, assim dispondo:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Conforme se depreende da leitura deste artigo de lei, a desconsideração da personalidade jurídica requer: (a) o abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial; e (b) determinação judicial da desconsideração.
Segundo Maria Rita Ferragut[25], o desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica for indevidamente utilizada para fins diversos dos previstos no ato constitutivo, caracterizando a deliberada aplicação da sociedade em finalidade irregular e danosa, provocando lesão ao direito de terceiro. Já a confusão patrimonial, continua Maria Rita Ferragut, caracteriza-se como a impossibilidade de fixação de limite entre os patrimônios da pessoa jurídica e dos sócios e acionistas, dada a confusão que se estabelece entre ambos.
Numa primeira (e precipitada) análise, poder-se-ia dizer que a desconsideração da personalidade jurídica coincide com a responsabilidade tributária do art. 135 do CTN, uma vez que possuem hipóteses de cabimento semelhantes, especialmente no tocante ao desvio de finalidade. Nesse (equivocado) diapasão, sustentar-se-ia que os procedimentos dos arts. 133 a 137 do NCPC seriam plenamente aplicáveis para imputar a responsabilidade dos sócios diretores, com fundamento no art. 135 do CTN, quando este não tenha constado do lançamento tributário, já que o incidente em questão é cabível em qualquer fase do processo de execução fiscal. Nada mais absurdo!
Primeiramente, conforme expusemos acima, a aplicação do art. 135 do CTN deve observar todos os seus elementos indispensáveis e, em face do art. 142 do CTN, deve ser objeto de lançamento tributário, a fim de constituir a responsabilidade tributária pessoal do agente.
Outro aspecto relevante é que a responsabilidade tributária do art. 135 do CTN não se confunde com a desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do Código Civil, a despeito de suas semelhanças. Isso porque, o art. 50 do Código Civil traz verdadeira hipótese de responsabilidade patrimonial, na medida em que estabelece que o juiz poderá estender os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações da pessoa jurídica ao patrimônio particular do sócio ou administrador. Evidente que não traz qualquer hipótese de responsabilidade tributária (o que não poderia, pois é matéria exclusiva de lei complementar, nos termos do art. 146, III, da Constituição Federal).
O art. 50 do Código Civil apenas estende os efeitos do débito da pessoa jurídica ao patrimônio do sócio ou administrador, subsistindo a pessoa jurídica e a dívida contra ela. Assim, a pessoa jurídica permanece no polo passivo da relação jurídica inadimplida, passando o patrimônio do sócio ou administrador a responder por ela em nome da pessoa jurídica.
Já na responsabilidade tributária em análise, contrariamente ao art. 50 do Código Civil, não há a mera extensão dos efeitos da obrigação tributária ao patrimônio do sócio ou administrador, ao contrário, estas pessoas substituem a pessoa jurídica na relação jurídico-tributária, passando a integrá-la como sujeito passivo e, na relação processual, como réu.
Note-se que a responsabilidade patrimonial não autoriza que o sujeito passivo integre a relação jurídico-tributária como sujeito passivo ou mesmo a processual como réu, mas apenas como terceiro. Nesse sentido, bem observou Paulo Cesar Conrado[26] que:
O assim chamado “incidente de desconsideração da personalidade jurídica” encontra-se cravado, na estrutura geral do Código de Processo Civil de 2015, no título que trata das “intervenções de terceiros”, sendo, digamos, “reveladora” (e não meramente coincidência) essa posição geográfica: o que o mecanismo viabiliza, assim vínhamos falando, é o reconhecimento do “fato gerador” da desconsideração (redutível, em princípio, á fórmula do art. 50 do Código Civil), com a consequente responsabilização do patrimônio de terceiro, e não o redirecionamento executivo; usando outros termos: o terceiro, por força do incidente, não “vira” parte passiva na execução; tem, isso sim, sua personalidade jurídica desconsiderada, de modo que seus bens passariam a ser constritáveis, como se do devedor (ou qualquer outro legitimado do art. 4º) fossem.
Diante destas considerações, podemos concluir que, apesar da responsabilidade tributária de terceiros e a desconsideração da personalidade jurídica implicarem mesmo resultado prático – a incumbência de terceiro adimplir o débito tributário da pessoa jurídica –, é certo que se tratam de institutos distintos e com efeitos processuais diversos – o primeiro insere o sócio na condição de réu na ação executória e o segundo insere o sócio na lide na condição de terceiro.
Nessa medida, entendemos que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se presta para redirecionar a execução fiscal a sócio diretor com fundamento no art. 135 do CTN. Contudo, é certo que tal procedimento poderá ser utilizado para incluir o sócio diretor na lide executória como terceiro, observadas as condições do art. 50 do Código Civil.
- Conclusões
Conforme vimos ao longo do presente estudo, a relação jurídico-tributária decorre da prática do fato jurídico descrito na hipótese da norma geral e abstrata, mas surge no mundo jurídico quando da sua constituição por meio de um lançamento, introdutor de norma individual e concreta.
Tal relação, como qualquer outra, é composta pelo sujeito ativo, titular do direito creditório, sujeito passivo, titular o dever de satisfação do direito creditório, e a prestação objeto.
É de se verificar que o sujeito passivo tributário poderá ser contribuinte, quando possuir relação pessoal e direta com o fato jurídico-tributário da materialidade do tributo, ou responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Assim, como regra, será sujeito passivo aquele que praticar o fato jurídico-tributário. Contudo, há casos em que o responsável tributário, mesmo não tendo realizado tal ato, poderá ser chamado a responder pelo débito de outrem. Nesse contexto é que se insere a possibilidade de responsabilização pessoal e direta de sócios diretores, nos termos do art. 135 do CTN, que substituirão a pessoa jurídica no polo da relação jurídico-tributária quando: (a) o sócio possuir poder de gestão; (b) praticar ato doloso com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos; (c) o ato doloso acarretar a prática do fato jurídico-tributário pela pessoa jurídica gerida (nexo causal); e (d) a conduta dolosa deve ser anterior ou concomitante à realização do fato jurídico-tributário.
Na hipótese da prestação objeto não ser adimplida pelo sujeito passivo, nascerá ao sujeito ativo a prerrogativa de requerer ao Estado-Juiz o uso da coação estatal para fazer valer o seu direito, instaurando-se a relação jurídica processual. Nesta relação, o sujeito ativo assumirá o polo de autor e o sujeito passivo o polo de réu.
Em matéria tributária, a ação exacional cabível para a exigência de crédito tributário inadimplido é a execução fiscal, que deve ser amparada em título executivo extrajudicial, a CDA. A CDA se reporta a relações previamente constituídas e nos exatos termos em que foram constituídas, revelando-a e conferindo exequibilidade a seu objeto inadimplido, balizando os limites subjetivos e objetivos da lide.
Nessa medida, em nosso entendimento, o sócio diretor somente poderá ser réu em execução fiscal se incorrer em uma das hipóteses do art. 135 do CTN e se sua responsabilização tiver sido constituída por meio de lançamento tributário. Neste caso, o sócio diretor poderá ser incluído na CDA, já que previamente foi constituído como sujeito passivo, e ocupar a posição de réu da relação processual executória.
Por fim, o inédito procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos arts. 133 a 137 do NCPC, não se aplica aos casos de responsabilidade tributária do art. 135 do CTN. Isso porque, a desconsideração da personalidade jurídica é instituto distinto da responsabilidade tributária, inserindo-se no contexto da responsabilidade patrimonial, segundo a qual o patrimônio do sócio e administrador responderá pela dívida da pessoa jurídica, mas sem ingressar como sujeito passivo na relação jurídica de direito material ou réu na relação jurídica processual.
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[1] CARVALHO Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 2
[2] IVO, Gabriel. Norma jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006. p. XXV
[3] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. tradução João Baptista Machado. 8ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 35-37
[4] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: O constructivismo lógico-semâncito. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 310-311
[5] DALLA PRIA, Rodrigo. Teoria geral do processo tributário. Dissertação (Mestrado em Direito). São Paulo: PUS/SP, 2010. p. 57
[6] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: O constructivismo lógico-semâncito. p. 309
[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 35
[8] Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 36
[9] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: O constructivismo lógico-semâncito. p. 427/428
[10] ATALIBA, Geraldo. Hipóteses de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 34
[11] Curso de direito tributário. p. 423
[12] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. p. 332
[13] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o código civil de 2002. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2009. p. 29-30
[14] Responsáveis tributários indicados no art. 134 do CTN: (I) os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; (II) os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; (III) os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; (IV) o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; (V) o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; (VI) os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; e (VII) os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
[15] Responsabilidade tributária e o código civil de 2002. p. 124
[16] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o código civil de 2002. p. 127
[17] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 1153
[18] Direito tributário brasileiro. p. 1154-1155
[19] “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. ”
[20] DALLA PRIA, Rodrigo. O processo de positivação da norma jurídica tributária e a fixação da tutela jurisdicional apta a dirimir os conflitos havidos entre contribuinte e fisco. In: CONRADO, Paulo César (Coord.). Processo Tributário Analítico. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 67-68
[21] CONRADO, Paulo Cesar. Processo tributário. 3ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 196; 199/200
[22] CONRADO, Paulo Cesar. Redirecionamento como forma (esdrúxula) de constituição da obrigação tributária (relativamente ao terceiro-responsável) e de aparelhamento da lide executiva fiscal (contra aquele mesmo terceiro). In: CONRADO, Paulo Cesar (coord.). Processo Tributário Analítico – Volume II. São Paulo: Noeses, 2013. p 184
[23] “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.”
[24] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 24ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 277-278
[25] FERRAGUT, Maria Rita. Novo CPC: o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tornando efetivo o direito dos grupos econômicos exercerem o contraditório. In: Revista Dialética de Direito Tributário. set. 2015. São Paulo: Dialética, 2015. p. 84
[26] CONRADO, Paulo Cesar. Execução fiscal. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 65-66
Júlio M. de Oliveira – Advogado em São Paulo.
Mestre e Doutor pela PUC/SP.
Professor do IBET, COGEAE (PUC-SP) e da FGV (GVLAW)
Gabriel Caldiron Rezende – Advogado em São Paulo
Bacharel em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pela COGEAE – PUC/SP